Na última segunda-feira (20), o moderador de um grupo neonazista no Telegram declarou: “É a nova era”. A declaração veio ao divulgar um vídeo no qual o bilionário Elon Musk toca o peito e levanta o braço direito com a palma da mão virada para baixo.
Embora a mídia tradicional e a extrema direita global tenham deixado o público em dúvida e classificado o gesto do bilionário na posse de Donald Trump como algo "desajeitado" ou "coincidência", a saudação nazista de Musk foi evidente para historiadores e especialistas. Grupos neonazistas celebraram a saudação.
A cena ocorreu logo após o discurso do proprietário do X em celebração à posse de Trump como presidente dos Estados Unidos na tarde de segunda-feira (20). Ao concluir sua fala, o bilionário agradeceu ao público e declarou: “Meu coração está com vocês”.
Assista ao vídeo
Nos seis grupos neonazistas no Telegram monitorados pela agência de checagem Aos Fatos, a reação foi unânime: para esses grupos, o gesto foi visto como uma sinalização clara de alinhamento ideológico. Em uma das postagens, o vídeo é acompanhado pela frase “Sieg Heil, Elon Musk”, uma expressão alemã que significa “viva a vitória” e foi amplamente utilizada pelo regime nazista. Em outra publicação, a cena é acompanhada por uma legenda em alemão que diz: “A grande hora chegou, a América agora despertou, o poder agora conquistamos na América, agora é hora de conquistar o povo americano!”.
Nos grupos, também podem ser vistos os chamados edits, vídeos curtos feitos para serem compartilhados nas redes, de acordo com a agência de checagem de fatos. Neles, o gesto de Musk aparece intercalado com imagens do exército nazista, bandeiras com suásticas e saudações que lembram a feita pelo bilionário.
Em entrevista concedida ao Fórum Onze e Meia desta terça-feira (21), Reginaldo Nasser falou sobre o gesto nazista do bilionário, afirmando que ele vai além de uma simples referência ao nazismo, apresentando uma gravidade ainda maior. Segundo o professor de Relações Internacionais, o gesto foi indiscutivelmente uma saudação nazista, com uma clara referência ao fascismo italiano, com o objetivo de mobilizar e intensificar os extremos.
"É uma tônica, uma política da extrema direita clássica e retomada hoje", afirma o professor. Nasser, entretanto, vai além, e aponta que não é preciso buscar exemplos no nazismo e no fascismo para entender os Estados Unidos, mas sim na própria trajetória do país. "Às vezes isso aparece para eles como uma ideologia importada, já no século XX, mas o que eles fizeram no século XIX com os indígenas e com os negros não tem nada a dever com o fascismo e nazismo. A política de expansão do final do século XIX que os Estados Unidos fez pela América Latina e toda a história de guerra e intervenções não é algo importado. Então eu acho que é mais grave ainda", disse Nasser.
"Porque quando a gente lida com uma ideologia importada gera algo como se fosse artificial, uma coisa que passa. E não é. Representa uma parcela, uma parte da sociedade americana, as suas elites e o povo mesmo. Representa a alma dos Estados Unidos", completou o professor.
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Instituições reagem
Em publicação nas redes sociais, o Instituto Brasil-Israel, que representa o judaísmo no Brasil, manifestou "preocupação" com o gesto nazista feito por Elon Musk e Steve Bannon.
"Quando falava no comício de celebração de Donald Trump, Elon Musk pareceu concluir o discurso com uma 'saudação romana', gesto comumente associado à Alemanha nazista, onde vinha acompanhado da expressão 'Heil Hitler'. O gesto é usado pela extrema-direita em todo o mundo, particularmente na Itália. Além de Musk, quem repetiu a saudação em discurso hoje foi o ideólogo de extrema-direita Steve Bannon", diz o Instituto Brasil-Israel no início do texto.
Na sequência, a entidade relembra que, apesar de Musk se declarar um apoiador dos judeus e do governo de Benjamin Netanyahu em Israel, o bilionário vem atuando para fortalecer a extrema direita alemã. Recentemente, ele participou de uma live com Alice Weidel, candidata do AfD, partido associado ao neonazismo na Alemanha, ao cargo de chanceler federal nas eleições que serão realizadas em fevereiro. O empresário chegou a dizer que "somente o AfD pode salvar a Alemanha".
"Na comunidade judaica norte-americana, muitos expressaram preocupação com a proximidade entre Trump e Musk. Ainda que Musk se coloque como apoiador do premiê israelense, Benjamin Netanyahu, é um equívoco acreditar que essa proximidade o isentaria de possuir ideias antissemitas", prossegue o Instituto Brasil-Israel.
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Conexões de Musk com o neonazismo
Elon Musk é associado a movimentos extremistas. No começo deste ano, o bilionário realizou uma transmissão ao vivo para apoiar o partido AfD, na Alemanha, acusado de ter vínculos com grupos neonazistas. Desde que assumiu o controle do X em 2022, o aumento do conteúdo antissemita e pró-nazista na plataforma se tornou notável. Em abril de 2024, a NBC News revelou que pelo menos 150 perfis pagos estavam impulsionando esse tipo de conteúdo na rede social.
Musk também foi responsável por espalhar teorias conspiratórias antissemitas em seu próprio perfil. Em novembro de 2023, o empresário endossou uma postagem que alegava falsamente que comunidades judaicas incitavam ódio contra brancos, respondendo: “Você disse a pura verdade”.
No dia seguinte, a ONG Media Matters publicou um relatório que mostrava anúncios de marcas como Apple e IBM aparecendo ao lado de conteúdos pró-nazismo no X, o que resultou em uma reação negativa de anunciantes. Musk respondeu chamando a ONG de “uma organização maligna”.
Governo autoritário bilionário
Até agora, o governo de Trump conta com a participação de onze bilionários, cujos patrimônios somados chegam a 452,8 bilhões de dólares, o que equivale a mais de R$ 2,7 trilhões. Entre eles, estão quase todos os donos das big techs. A informação é da coluna de Jamil Chade, do UOL. Os bilionários representam apenas 0,00024% da população dos EUA, mas 12,5% das nomeações de Trump.
Do total de 80 indicados para o novo governo, dez são bilionários e pelo menos cinco outros são multimilionários. O valor total do gabinete de Trump é superior ao PIB de 154 países. A fortuna acumulada pelos indicados ao governo do presidente ultraconservador eleito é maior do que o Produto Interno Bruto de países como Dinamarca, Chile, Portugal, Peru, Grécia, África do Sul, Colômbia, Iraque e Venezuela.
Os nomes dos 11 bilionários do gabinete são os seguintes, além Trump e Elon Musk: Stephen Feinberg, Warren Stephens, Linda McMahon, Jared Isaacman, Howard Lutnick, Kelly Loeffler, Vivek Ramaswamy, Scott Bessent e Steven Witkoff. Os bilionários resolveram criar uma "biliocracia" a partir dos EUA e expandi-la para outros países. Musk, que gastou 1,5 bilhão de reais para eleger Trump, está se imiscuindo em todas as eleições do planeta. Seu alvo agora é a Alemanha, onde pretende levar ao poder a extremista de direita Alice Weidel, da AfD, partido que está sendo investigado por suas conexões com o neonazismo.
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