O novo relatório da Oxfam, "As custas de quem? – A origem da riqueza e a construção da injustiça no colonialismo", revela que a concentração de riqueza global atingiu níveis recordes em 2024, superando até mesmo os picos da pandemia. Em apenas um ano, surgiram mais de 200 novos bilionários, e a fortuna dos super-ricos cresceu a um ritmo vertiginoso, triplicando em comparação com 2023. De acordo com a publicação da Oxfam, o fenômeno serve de alerta para a alta concentração de renda no mundo no século XXI.
“No ano passado, a Oxfam previu um trilionário em uma década. Se as tendências atuais continuarem, haverá agora cinco trilionários em uma década. Enquanto isso, de acordo com o Banco Mundial, o número de pessoas que vivem na pobreza praticamente não mudou desde 1990”, destaca um trecho do relatório citado pelos pesquisadores. (O documento pode ser acessado ao final da matéria).
É o fato de que mais trabalho não gera riquezas. Entre os mais de 2,9 mil bilionários, a média de crescimento das fortunas foi de US$ 2 milhões por dia. Já os dez bilionários mais ricos obtiveram uma média de US$ 100 milhões diários. O trabalhador brasileiro que recebe um salário mínimo precisaria de 109 anos de trabalho ininterrupto para acumular R$ 2 milhões.
Riquezas não merecidas
Segundo a Oxfam, a maior parte da riqueza dos bilionários é tomada, não conquistada. Cerca de 60% da fortuna dos bilionários é originada de uma dessas três fontes: herança, nepotismo e corrupção, ou o controle de monopólios. Alguns dos listados no estudo foram Jeff Bezos, Aliko Dangote, Elon Musk e Warren Buffett.
“Estamos vendo esse poder bilionário global se manifestar na posse do presidente bilionário Trump, apoiado pelo homem mais rico do mundo, Elon Musk. Trump quer usar seu poder sobre a maior economia do mundo para cortar impostos para os ultra-ricos e megacorporações, às custas do resto de nós”, diz a organização.
Os bilionários resolveram criar uma "biliocracia" a partir dos EUA e expandi-la para outros países. Musk, que gastou 1,5 bilhão de reais para eleger Trump, está se imiscuindo em todas as eleições do planeta. Seu alvo agora é a Alemanha, onde pretende levar ao poder a extremista de direita Alice Weidel, da AfD, partido que está sendo investigado por suas conexões com o neonazismo.
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O número de bilionários inclusive cresceu mais que o de empreendedores. Em um mundo onde a fortuna de alguns aumenta exponencialmente a cada ano, essa conta se torna ainda mais absurda: para alcançar US$ 2 milhões, considerando a cotação atual, seriam necessários incríveis 650 anos de trabalho. O Produto Interno Bruto (PIB) global apresentou um crescimento de cerca de 3,2%, atingindo uma cifra impressionante de US$ 106,7 trilhões em 2023, segundo o Banco Mundial.
45% da renda mundial na mão de poucos
Esse valor representa um aumento significativo em relação aos US$ 33,86 trilhões registrados em 2000, para uma população mundial que, de acordo com a ONU, já ultrapassou a marca de 8 bilhões de pessoas. No entanto, essa expansão econômica não se traduziu em uma distribuição equitativa de riqueza.
Enquanto a Organização das Nações Unidas celebrou a "redução" dos índices de extrema pobreza, de 29,3% para 9% da população mundial no mesmo período, a Oxfam alerta que a concentração de renda continua alarmante: os 10% mais ricos detêm, isoladamente, 45% de toda a riqueza mundial.
Os 125 bilionários mais ricos do planeta destinam tanto dinheiro a indústrias poluentes que são responsáveis por emitir, em média, 3 milhões de toneladas de carbono anualmente. Quanto mais investem em combustíveis fósseis, mais protegem o seu uso, independentemente das consequências para o restante do mundo.
Uma matéria da Fórum mostrou que a economia mundial pode sofrer uma queda de até 50% em seu PIB entre os anos de 2070 e 2090 devido aos impactos devastadores das mudanças climáticas, caso não sejam tomadas ações imediatas para promover a descarbonização e a recuperação ambiental.
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Além disso, em apenas 10 dias, o 1% mais rico do planeta esgotou o que seria sua cota justa de emissões de carbono para o ano de 2025, de acordo com outra análise da Oxfam GB. Nesse curto período, cada integrante dessa elite emitiu, em média, 2,1 toneladas de dióxido de carbono. Em contraste, uma pessoa pertencente à metade mais pobre da população mundial levaria três anos para causar o mesmo impacto ambiental.
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Norte Global segue concentrando riqueza
O estudo também aponta a conexão entre a continuidade do colonialismo, a centralidade das instituições financeiras no Norte Global e a concentração de instituições culturais, como universidades de prestígio e empresas de tecnologia, com a dificuldade de combater a concentração de riqueza.
Essa dinâmica está ligada a uma lógica de transferência, que envolve a taxação de alimentos e insumos essenciais, afetando mais as populações pobres, além de uma imposição de altas taxas de juros e um sistema rigoroso de pagamento de dívidas externas, sob a supervisão de organismos como o Fundo Monetário Internacional. O 1% mais rico do Norte Global extraiu US$ 30 milhões por hora do Sul Global em 2023. Segundo o estudo, a situação global só não está ainda mais grave devido ao crescimento asiático, especialmente na China, que contribuiu para tirar centenas de milhares de pessoas da pobreza.
“Usando os dados orçamentários mais recentes sobre a situação dos trabalhadores, níveis de tributação e gastos públicos de 161 países, a Oxfam e a Development Finance International apresentam um quadro mais atualizado no Índice de Compromisso com a Redução da Desigualdade. O índice revela tendências negativas na grande maioria dos países desde 2022. Quatro em cada cinco países reduzirão a fatia de seus orçamentos destinada à educação, saúde e/ou proteção social; quatro em cada cinco países reduziram a tributação progressiva; e nove em cada dez países retrocederam em direitos trabalhistas e salários mínimos”, informa a Oxfam.
O relatório sugere os pontos principais para o combate à concentração de riqueza:
Redução radical da desigualdade: estabelecer metas globais e nacionais para reduzir a desigualdade econômica e acabar com a extrema riqueza, além do compromisso para que a renda dos 10% mais ricos não ultrapasse a dos 40% mais pobres globalmente?.
Mudança no sistema de governança global: reestruturar instituições como o FMI e o Banco Mundial para eliminar a dominância do Norte Global e promover a soberania econômica do Sul Global?.
Tributação dos mais ricos: implementar uma convenção fiscal global pela ONU para promover impostos mais altos sobre as pessoas e corporações mais ricas, combatendo a concentração de riqueza?.
Reparações e justiça histórica: reconhecer formalmente e fazer reparações pelos crimes do colonialismo, incluindo restituições financeiras e medidas para abordar o impacto contínuo dessa exploração histórica?.
Fortalecimento da cooperação Sul-Sul: promover acordos regionais e alianças no Sul Global para reduzir a dependência das economias do Norte Global e incentivar o desenvolvimento sustentável por meio do compartilhamento de recursos e conhecimento?.
Descolonização econômica: combater as estruturas econômicas coloniais modernas, como a exploração por corporações multinacionais, e redistribuição de recursos globais para reduzir desigualdades extremas
Veja o relatório completo de 2025 da organização internacional: