Após um mês de protestos intensos que deixaram mais de 86 manifestantes e 14 policiais mortos, a primeira-ministra de Bangladesh, Sheikh Hasina, renunciou ao cargo e fugiu do país.
As manifestações, lideradas por uma frente ampla - composta por revolucionários comunistas, militantes islâmicos e a direita nacionalista - conseguiram derrubar o governo da Liga Awami, que governava o país desde 2009 e possuía forte influência na política de Bangladesh desde a independência do país em 1971.
Por que os protestos em Bangladesh começaram?
Em junho deste ano, a Suprema Corte do país restaurou uma cota nos concursos públicos para que 30% dos funcionários sejam filhos ou descendentes de pessoas que lutaram na guerra de independência do país.
A guerra de liberação foi liderada pelo partido da primeira-ministra, e a medida, naturalmente, beneficiaria os membros do atual governo.
Os estudantes de Bangladesh, então, se organizaram e desde junho têm realizado manifestações contra o sistema de cotas. A dura repressão do governo tem circulado com imagens chocantes nas redes sociais. Os protestos têm tido apoio de diferentes grupos ideológicos.
Na sexta-feira, Hasina anunciou que estaria disposta a realizar negociações com os manifestantes, que recusaram a proposta e pediram sua demissão.
Quem era Sheikh Hasina?
A ex-primeira-ministra de Bangladesh era uma figura importante da política do subcontinente indiano e conduzia uma política de estado forte. A Liga Awami, seu partido, dominava a política do país, com maioria em todos os cargos públicos possíveis.
A Liga Awami, com apoio da Índia, conseguiu libertar o país na guerra de independência de 1971, quando Bangladesh deixou de ser parte do Paquistão. Esta foi uma das mais sangrentas guerras de libertação da história.
O partido possuía muito respaldo popular por ser a entidade política que libertou o país.
Em 2006, durante uma crise política de dois anos marcada pela instituição de um governo militar no país, Hasina - que já havia sido primeira-ministra nos anos 1990 - foi presa sob acusação de corrupção. Saiu da cadeia e venceu as eleições de 2008, estando no poder desde então.
Em 2012, foi alvo de uma tentativa de golpe de estado pelos militares e foi apoiada pelo governo indiano, que enxerga em Hasina uma aliada para seus interesses na região.
Como reação, o governo fez fortes reformas, intensificou a repressão contra forças políticas opositoras e aglutinou diferentes interesses no guarda-chuva da Liga Awami para aumentar sua estabilidade política.
Um golpe contra a esquerda?
É difícil afirmar que a atual formação política da Liga Awami era de esquerda, porque seu partido se tornou um aglomerado de diferentes grupos políticos.
Mas é fácil perceber como, internacionalmente, os principais aliados de Hasina eram países não-alinhados: Rússia, China e Índia manifestaram preocupação com a iminência de um golpe de estado no país. Os EUA condenaram a repressão do governo.
Em 2022, após a guerra na Ucrânia, com aumento dos preços, a disputa política no país se intensificou. Os protestos pelas cotas se transformaram em um protesto contra os libertadores do país.
Nesta segunda-feira, Hasina fugiu e renunciou ao cargo. Uma junta de governo provisório assumirá.
Quem assumirá o governo?
Como dito anteriormente, os manifestantes de Bangladesh estão divididos em diferentes grupos, em um movimento de frente ampla contra o establishment.
Uma vitória de um golpe da direita manteria manifestações contínuas dos movimentos populares e sindicais. Um governo de esquerda também traria manifestações intensas da extrema direita e da oposição.
A grande disputa geopolítica da região é o domínio da Baía de Bengala, importante para navegação e de interesse de diversas potências.