"Vladimir Putin segue para Coreia do Norte com guerra e armas na agenda", escreveu a BBC britânica. "Precisando de munições, Putin visita a Coreia do Norte", manchetou o New York Times. A CNN estadunidense destacou: "Putin em rara visita à Coreia do Norte enquanto a aliança anti-Ocidente se aprofunda".
O tom da cobertura da visita do presidente da Rússia a Pyongyang na mídia ocidental privilegia a guerra da Ucrânia e as supostas ameaças de Kim Jong-un à vizinha Coreia do Sul, mas deixa de lado o contexto mais amplo da guinada russa ao Sul Global e esconde o projeto eurasiano abraçado por Vladimir Putin.
Putin não voará da capital norte-coreana de volta para Moscou, mas seguirá viagem para um dos grandes parceiros comerciais dos Estados Unidos e da China na Ásia, o Vietnã.
Este fato expõe o segredo de Polichinelo que as redações do Ocidente procuram ocultar de seus leitores: a Rússia não está tão isolada quanto se supõe e sua estratégia de procurar outros parceiros comerciais tem dado resultados.
A Coreia do Norte pode, sim, fornecer munições importantes para o esforço de guerra da Rússia na Ucrânia, como peças de artilharia, mas há muito mais em jogo: uma parceria estratégica pode envolver a troca de tecnologia para lançamento de satélites, desenvolvimento de mísseis de longo alcance e trocas comerciais que passem ao largo das moedas e das sanções ocidentais.
BLOQUEIO SEM EFEITO, POR ENQUANTO
De maneira relutante, a própria mídia ocidental tem admitido que a economia da Rússia vai bem, obrigado, apesar de experimentar as mais amplas sanções já impostas por um conjunto de países do G7 e aliados.
O FMI fala em crescimento do PIB de 3,2% este ano.
De acordo com o Centro de Pesquisa em Energia e Ar Puro (CREA), o perfil dos compradores de energia da Rússia mudou significativamente desde dezembro de 2022.
Até abril deste ano, a China comprou 45% do carvão russo, seguida pela Índia (17%) e Coreia do Sul (10%). A China comprou 48% do petróleo cru, seguida pela Índia (35%).
Isento de sanção, o fornecimento de gás liquefeito russo segue destinado à União Europeia (48%), seguida por China (20%) e Japão (19%).
Os europeus seguem comprando 38% do gás russo fornecido por gasodutos, seguidos pela Turquia (29%) e China (26%). Quanto aos derivados de petróleo, a Turquia lidera (24%), seguida por China (12%) e Brasil (10%).
Vendendo com desconto, os fornecedores russos não tiveram dificuldades em conquistar novos mercados.
Diferentemente de Cuba, alvo de sanções dos EUA que fizeram desmoronar a economia, a Rússia tem muita tecnologia para oferecer a seus parceiros comerciais.
OS BRICS EM JOGO
Citado pela agência russa Tass, o cientista político vietnamita Sang Dinh mencionou áreas em que a cooperação entre os dois paises pode ser turbinada:
A Rússia pode ajudar o Vietnã no desenvolvimento de produtos farmacêuticos, energia verde, agricultura, infraestrutura e o conceito de cidade inteligente, que está em linha com a política de Hanoi de atrair investimentos estrangeiros.
Não por acaso, depois de participar da Cúpula da Paz da Ucrânia, organizada na Suiça pelo Ocidente, vários paises que enviaram representantes não assinaram o comunicado final: Brasil, Índia, México, Arábia Saudita, África do Sul, Tailândia, Indonésia e Emirados Árabes Unidos. Convidados, China e Paquistão não participaram.
Marcada para acontecer em Kazan, de 22 a 24 de outubro próximos, a Cúpula dos BRICs na Rússia, presidida por Vladimir Putin, vai deixar claro ao Ocidente que o isolamento russo é relativo.
Dezenas de paises já manifestaram o interesse em aderir ao bloco, mais recentemente a Malásia, uma futura potência econômica da Ásia.
Há, aí, um interesse que vai além das trocas comerciais: em suas novas relações estratégicas com a Coreia do Norte, a Rússia quer provar que é possível sobreviver a sanções do Ocidente e realizar trocas bilaterais sem endosso de Washington, Paris ou Berlim.
É uma perspectiva muito sedutora para quem já foi alvo do colonialismo.