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Morte de Ebrahim Raisi abre flanco perigoso para a instabilidade política no Irã, diz especialista

EUA, que fabricaram helicóptero e bloquearam fornecimento de peças de reposição, e governo sionista de Israel podem tentar convulsionar o país em meio às eleições para a sucessão presidencial, diz Renatho Costa.

Aiatolá Ali Khamenei e o Ebrahim Raisi, morto no acidente de helicóptero.Créditos: Agência Irna
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Autor dos livros “Os Aiatolás e o Receio da República Islâmica do Irã” e "Intrigas no Reino de Allah", este último em parceria com o sheik Rodrigo Jalloul, Renatho Costa, professor de  relações internacionais da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), afirma, em entrevista exclusiva à Fórum, que a morte do presidente iraniano Ebrahim Raisi na queda de helicóptero na província do Azerbaijão Oriental pode provocar uma perigosa instabilidade política no país, que se prepara para enfrentar tentativas de interferência interna por parte dos EUA e do governo sionista de Israel.

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"A morte de Ebrahim Raisi não pode ser vista apenas como um acidente comum, pois ela abre um flanco perigoso para a instabilidade política no Irã. É fato que até o momento não há indícios de que a morte do presidente iraniano tenha sido resultado de algum atentado, inclusive, o próprio governo iraniano trata o acontecimento como um acidente provocado devido às difíceis condições climáticas da região. No entanto, ainda assim, o resultado desse acidente pode abrir mais uma possibilidade para que governos estrangeiros tentem influir na política interna iraniana, como tem ocorrido – com mais efetividade – a partir do apoio ao Movimento Verde, por ocasião das eleições de 2009", afirma.

Sobre as suspeitas levantadas pelo diplomata e ex-ministro de Relações Exteriores iranianao Mohammad Javad Zarif, que afirmou que uma das causas do acidente foram "os Estados Unidos, que ao sancionar a venda da indústria da aviação ao Irã, causaram o martírio do presidente e dos seus companheiros", Costa diz que a afirmação faz sentido diante do estado de sucateamento das aeronaves do país.

O helicóptero Bell 22, que caiu matando Raisi, teria tido falhas técnicas em meio às condições meteorológicas da região. O modelo, que usa asas rotativas, foi fabricado nos EUA e, segundo a mídia iraniana, não recebia peças para manutenção desde 1986.

"Essa questão é bem sensível. Lembro que estava em Teerã e decidi que iria para Mashhad de avião e alguns amigos da universidade desaconselharam. Disseram que havia muito risco devido à manutenção. Acabei indo de avião mesmo, mas entrei em um avião que parecia ser antigo, mas muito bem conservado. Parecia carro antigo. Não dava para ver a parte mecânica, mas o restante era bem cuidado. E mesmo conversando com alguns conhecidos de lá, hoje a manutenção de aeronaves continua sendo um grande problema, pois avançaram em muitos segmentos, mas nessa parte ainda dependeriam do Ocidente. Enfim, indiretamente, creio que as sanções possam ser consideradas responsáveis. Ainda que caiba uma análise mais detalhada de técnicos sobre outras possibilidades", afirma Costa.

Dias turbulentos

Segundo Costa, além do luto pela morte de Raisi e em meio ao processo eleitoral para definir seu substituto, o Irã deve viver dias turbulentos por causa das tentativas de desestabilização política.

Raisi era um dos principais cotados para assumir o cargo de Líder Supremo do Irã no lugar de Ali Khamenei, que está com 85 anos. O posto é o que difere o país das democracias ocidentais e principal alvo de críticas de EUA e Israel, que buscam criar instabilidades internas para alçar ao poder grupos que defendam seus interesses.

"O Irã se tornou o único país que apesar de ser uma República, tem um quarto poder – exercido pelo Líder Supremo – que, mais do que simplesmente aconselhar os demais atores políticos, exerce funções estratégicas. Seja na coordenação das Relações Exteriores, da Guarda Revolucionária ou mesmo do Programa Nuclear iraniano, lá estão as diretrizes traçadas pelo Líder Supremo, hoje, aiatolá Ali Khamenei", conta o especialista.

Segundo Costa, Khamenei foi o primeiro presidente de fato da República Islâmica 1981 a 1989 - os dois primeiros, Abolhassan Banisadr e Mohammad- Ali Rajai ocuparam o cargo por um breve período de tempo, entre fevereiro de 1980 a agosto de 1981.

Após a morte de Khomeini, aos 86 anos em 1989, Khamenei assumiu a Liderança Suprema do país, cargo em que permanece até hoje aos 85 anos.

"Após a morte de Khomeini o cargo de presidente ganhou mais destaque, pois Khamenei não contava com a mesma força de seu antecessor, então, alguns presidentes tiveram mais poder de autuação, como Akbar Rafsanjani (1989-1997) e Muhammad Khatami (1997-2005), esse último, autor de um importante livro, Diálogo entre Civilizações, que buscava dessecuritizar o Islã, como o cientista político Samuel Huntington havia proposto em sua teoria sobre o Choque de Civilizações", explica Renatho Costa.

Raisi sob a imagem de Khomeini, líder da Revolução no Irã (Agência Irna)

"Khatami acabou sendo muito bem visto pelo Ocidente, mas teve sua carreira política encerrada no Irã, pois a percepção interna era de que ele colocava os iranianos submissos aos interesses das potências ocidentais. O resultado foi a eleição de Mahmoud Ahmadinejad (2005-2013) como presidente na eleição seguinte e um enfrentamento ao governo neoconservador de George Bush (2001-2009)", emenda.

Durante a campanha à reeleição, com o apoio do recém-criado Movimento Verde ao oposicionista Mir Hossein Mousavi, a violência explodiu no Irã e tornou-se uma das principais bandeiras de EUA e Israel para propagar a versão da falta de democracia no país.

O governo de Ahmadinejad acusava os Verdes, que usavam o discurso de fraude eleitoral, de serem financiados pelas potências orientais e respondeu com violência aos protestos, também violentos, da oposição.

"Essa acusação não pode ser entendida como algo sem fundamento, pois em 1953, os Estados Unidos colocaram em prática a Operação Ajax, que alterou completamente a história política do Irã. Financiando movimentos interno, greves gerais e “fakenews” na mídia iraniana, os agentes estadunidenses conseguiram manter no poder com o Shah Reza Pahlevi, que era totalmente alinhado aos interesses dos Estados Unidos no Oriente Médio. A sombra dessa operação pairou em 1979, quando os iranianos ocuparam a embaixadas estadunidense e nos anos seguintes, sempre há uma preocupação de que os EUA possam estar financiando a desestabilização do governo", diz Costa.

Segundo ele, coube a Ahmadinejad e, principalmente, ao aiatolá Ali Khamenei o processo de retomada da normalidade no país com as eleições de Hassan Rouhani (2013-2021) e de Raisi, que mantiveram uma política que atendesse à visão do Líder Supremo e da Revolução – no que tange à política externa –, evitando conflitos. Em parte, isso foi facilitado pelas limitações eleitorais que retiraram os principais concorrentes da última eleição.

"Agora, com a morte de Raisi, novamente abre-se a possibilidade para que o Ocidente busque interferir na eleição, seja através de movimentos internos no Irã, ou mesmo vi iranianos da diáspora. É inegável que há interesse do governo estadunidense e israelense em desestruturar a transição política no Irã, assim, a partir do momento que for estabelecida a data para a próxima eleição – que deve ocorrer nos próximos 50 dias – muito provavelmente surgirão movimento no Irã que tentarão desestabilizar o governo e, por sua vez, a utilização de força poderá ser vista novamente. Ainda, muito provavelmente, o governo iraniano, através do Conselho dos Guardiães, venha a ser ainda mais rigoroso na seleção de candidatos da oposição que poderão concorrer ao pelito para a presidência", diz Costa.

Segundo ele, outro fator ainda influenciará nas eleições iranianas. 

"Com a condenação do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, pelo Tribunal Penal Internacional, a instabilidade política no Irã poderá ser algo a ser almejado para que a atenção internacional saia de Gaza e de Israel. Nesse sentido, ainda que o processo eleitoral transcorra dentro do esperado, é provável que haja tentativas de convulsionar o Estado", diz Costa.

"Por outro lado, os clérigos que chegaram ao poder com a Revolução já estão “acostumados” a sofrer todo tipo de ataque do Ocidente nesses últimos 45 anos. Até o momento, ainda que tenha havido períodos de maior e menos fragilidade, o Irã tem conseguido preservar a Revolução Islâmica, mas há de se computar uma insatisfação cada vez maior de sua população e mesmo o peso da idade do Líder Supremo, que está com 85 anos e com saúde um tanto fragilizada", emenda.

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