As insanidades do presidente de extrema direita da Argentina, Javier Milei, parecem não ter limitas. Amanhã, domingo, 24 de março, no aniversário de 48 anos do golpe de Estado encabeçado pelos oficiais-generais Jorge Rafael Videla, Emilio Eduardo Massera e Orlando Ramón Agosti, respectivamente comandantes do Exército, Marinha e Força Aérea do país vizinho em 1976, que instaurou a mais brutal, sangrenta e devastadora ditadura militar das Américas no século 20, o atual chefe de Estado argentino negará oficialmente o período histórico.
Embora o vídeo com o pronunciamento oficial ainda não tenha sido veiculado, a imprensa argentina já informa nas últimas horas que a decisão está tomada e que a gravação já foi feita, inclusive comunicada às redações de todo o país. O conteúdo será disponibilizado apenas nada data que marca os 48 anos do golpe.
Na versão estapafúrdia e cruel de Milei, o que ocorreu nos sete anos de horror “foi uma guerra” entre “o Estado governado por militares” e “grupos de guerrilha”. A imensa maioria dos mortos no período, comprovadamente por pesquisas, estudos e amplo material histórico, não tinha qualquer relação com a resistência armada.
A ditadura argentina (1976-1983) é amplamente reconhecida como um dos maiores regimes de terror do ocidente após a 2ª Guerra Mundial. Com um saldo de 30 mil mortos, o autodenominado “Processo de Reorganização Nacional” instalou campos de concentração em vários pontos do território do país, com destaque para a ESMA (Escola de Mecânica da Armada), no elegante bairro de Nuñez, em Buenos Aires, por onde estima-se que passaram mais de cinco mil pessoas, das quais 95% foram assassinadas após os mais dantescos métodos de tortura, como introdução de ratos nas genitálias das mulheres, extração de partes do intestino e do reto a sangue frio com aparelhos metálicos e choques elétricos.
Milhares de cidadãos argentinos e alguns de nações vizinhas também foram executados nos chamados “voos da morte”. Eles eram dopados com medicamentos, até ficarem em estado de semiconsciência, e depois eram lançados de aeronaves militares, de elevadas altitudes, sobre o rio da Prata. Também foram mortas dezenas de mães idosas que reclamavam o sumiço de seus filhos, assim como integrantes do clero, com destaque para os assassinatos das freiras francesas Leonie Duquet e Alice Domon.
Outra prática sistemática e comprovada com fartos documentos e testemunhos foi o rapto de bebês após mulheres grávidas serem submetidas a terríficas sessões de torturas. Depois de darem à luz, elas eram assassinadas e seus bebês, em torno de 500, eram “doados” a famílias interessadas alinhadas ao regime.
Até pouquíssimo tempo, o assunto ditadura militar na sociedade argentina era quase uma unanimidade em termos de condenação. Embora algumas pessoas, sobretudo da elite econômica, tentassem descredibilizar a forma como o tema é retratado, uma massacrante maioria da população, em todas as classes, sempre teve como ponto pacífico que o período foi dantesco e que precisa ser condenado eternamente pelas marcas e sofrimento que empreendeu à nação.
O país é uma referência no mundo ao promover “memória, justiça e verdade”, tendo prendido centenas de repressores, grande parte condenados a penas de prisão perpétua. O próprio Jorge Rafael Videla morreu na cadeia cumprindo uma dessas sentenças. O cenário começou a mudar após o renascimento da extrema direita e de um discurso semelhante ao ocorrido no Brasil e no Chile, que versa sobre uma suposta “guerra” que justificaria a matança sangrenta de milhares de civis.
A vice de Javier Milei, Victoria Villarruel, é uma entusiasta do “Processo de Reorganização Nacional”. De uma família repleta de militares, ela é quem há algum tempo encampa a narrativa de “guerra contra os guerrilheiros”, tendo inclusive visitado o genocida Videla na prisão por algumas vezes.