A guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que Moscou chama eufemisticamente de "operação militar especial", completou dois anos neste sábado -- com muitas reviravoltas.
Tropas russas já ocuparam cidades como Kharkiv -- a segunda maior da Ucrânia -- e chegaram perto da capital, Kiev, mas depois recuaram.
Na versão ucraniana, foram repelidas.
Na versão de Vladimir Putin, se retiraram à espera de negociações que tiveram início na Turquia mas nunca frutificaram.
Em 2023, a Ucrânia promoveu sua contraofensiva, que tinha como objetivo reconquistar todo o território, inclusive a Criméia.
Os russos, no entanto, haviam consolidado suas posições nas repúblicas que ajudaram a criar -- de Lugansk e Donetsk -- e na chamada "ponte de terra" que liga a Criméia solidamente a território russo.
A Criméia é ponto-chave do conflito, já que exerce posição estratégica no mar Negro, onde fica baseada a principal frota naval russa, que sofreu várias baixas ao longo do conflito.
OFENSIVA DE INVERNO
No final do ano passado, a Rússia começou a sua chamada contraofensiva de inverno, que vem dando resultados modestos, mas importantes, tanto que o presidente da Ucrânia demitiu o comando das Forças Armadas.
Usando de sua capacidade de recrutamento, superioridade aérea e de peças de artilharia, os russos ganharam a longa batalha por Avdiivka, perto de Donetsk, a maior cidade ucraniana sob controle de Moscou.
Volodymyr Zelenskyy, o presidente da Ucrânia, chegou a gravar um vídeo diante do símbolo de Avdiivka no final do ano passado, afirmando que a fortaleza local era inexpugnável.
O ex-presidente russo, Dmitry Medvedev, agora vice-presidente do Conselho de Segurança Nacional, deu entrevista dizendo que os objetivos originais da Rússia permanecem os mesmos, inclusive a "desnazificação" da Ucrânia -- o que exigiria ocupar Kiev.
Zelensky voltou a prometer, neste sábado 24, derrota total da Rússia.
Com o pacote de ajuda massivo dos Estados Unidos sem chance de passar no Congresso antes das eleições deste ano, Zelensky foi socorrido por Alemanha e França.
Pilotos ucranianos estão sendo treinados para operar caças F-16 e o governo fez a promessa de produzir um milhão de drones em 2024, não só para monitorar a frente de 900 quilômetros como para inflingir danos à infraestrutura com profundidade em território russo.
A Rússia montou sua própria fábrica de drones para produzir modelos originalmente desenhados no Irã e já teria utilizado dezenas de mísseis balísticos fornecidos pela Coreia do Norte em seus bombardeios de longa distância.
TEORIA DO DOMINÓ
A falta de crença na possibilidade de uma vitória militar da Ucrânia -- só 10% dos europeus acreditam nisso -- tem repercussão junto a governos europeus.
Apesar das previsões de que o embargo econômico causaria profundos danos à Rússia, a economia do país se tornou a segunda maior da Europa, depois da Alemanha, que sofre com a falta do gás barato antes importado de Moscou.
O maior reflexo se deu nos preços de energia pagos pelos consumidores da Europa, o que favoreceu os Estados Unidos não só pelo recorde na exportação de gás, mas pela maior competitividade de suas mercadorias.
Líderes da OTAN alegam que as sanções econômicas levam tempo para dar resultado e certamente não contavam com a rápida reviravolta do comércio russo em direção à China e à Índia, dentre outros.
Além dos drones e dos F-16, acreditam que sistemas de mísseis avançados fornecidos à Ucrânia podem debilitar o controle aéreo da Rússia sobre território ocupado.
Para ganhar tempo, reanimaram a "teoria do dominó", muito utilizada nos Estados Unidos para 'vender' a guerra do Vietnã nos anos 60 e 70 do século passado: se os comunistas do Norte vencessem a guerra, alegava Washington, seria apenas o primeiro dominó a cair no avanço vermelho sobre toda a Ásia.
Os dominós cairiam um após o outro, chegando até mesmo à Índia!
Obviamente, isso jamais aconteceu -- era mera propaganda.
Em artigo publicado hoje, obviamente nos Estados Unidos, o chanceler britânico David Cameron e seu congênere da Polônia, Radoslaw Sikorski, escreveram:
Esta guerra é o maior teste da nossa geração [...] Outros adversários estão observando como reagimos. Ficaremos com a Ucrânia? Iremos resistir à agressão flagrante de Putin? As consequências do fracasso não serão sentidas apenas na Ucrânia – elas irão refazer o mundo tal como o conhecemos.
Os próximos candidatos a dominó em queda, na versão renovada da teoria, são a Polônia, a Letônia, a Lituânia e a Estônia.
Joe Biden foi mais além: sugeriu que, se Putin vencer, a China ficará tentada a assumir militarmente o controle de Taiwan.