De BERLIM | Conforme já era esperado, o presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, anunciou nesta sexta-feira (27) a dissolução do Bundestag (a Câmara Baixa do Parlamento alemão) e convocou eleições antecipadas para 23 de fevereiro de 2025.
No pleito antecipado, serão escolhidos os deputados que comporão o Parlamento, e o partido que conquistar a maioria dos assentos – ou formar uma coalizão – indicará o novo chanceler federal, chefe de governo na Alemanha. Atualmente, o cargo é ocupado por Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata (SPD), que continuará à frente do país de forma interina até que uma nova administração seja formada.
Em pronunciamento, Steinmeier disse estar "convicto de que novas eleições são o caminho certo para o bem da Alemanha". "Especialmente em tempos difíceis, como agora, é necessário um governo estável capaz de agir e com maiorias confiáveis no Parlamento", declarou.
A dissolução do parlamento e a convocação de novas eleições vêm como consequência de uma das maiores crises políticas que a Alemanha enfrente em décadas, que levou Olaf Scholz a ser submetido a um voto de confiança no parlamento, do qual saiu derrotado.
Crise política na Alemanha: entenda
No dia 16 de dezembro, o chanceler Olaf Scholz foi derrotado na votação de uma moção de confiança no Bundestag – medida adotada após o colapso de seu governo, que perdeu maioria no parlamento – resultado de uma crise política que teve seu ápice em novembro, quando Scholz demitiu Christian Lindner, ministro das Finanças, acusando-o de quebra de confiança.
Lindner é membro do Partido Liberal Democrático (FDP), que fazia parte da coalizão de governo ao lado do SPD e dos Verdes (Die Grüne). Formada em 2021, a aliança "semáforo" – em referência às cores dos partidos: vermelho, amarelo e verde – governava a maior economia da Europa desde então.
A demissão de Lindner ocorreu devido a divergências sobre a política econômica. Enquanto Scholz defende um orçamento robusto e maior intervenção estatal, Lindner segue princípios liberais, propondo cortes de gastos e redução do papel do Estado. Após sua saída, os demais ministros do FDP também renunciaram, resultando na perda da maioria parlamentar pelo governo.
Sem apoio suficiente, Scholz optou por se submeter ao voto de confiança. Com a derrota de Scholz, o presidente Frank-Walter Steinmeier, que tem poderes mais limitados, tinha até 21 dias para dissolver o parlamento, iniciando o prazo de 60 dias para convocação de novas eleições.
A demissão de Lindner foi marcada por acusações mútuas. Scholz justificou sua decisão acusando o ministro de bloquear leis importantes e romper acordos.
"Por várias vezes, o ministro Lindner bloqueou leis de maneira irrelevante. Por várias vezes, seguiu por táticas partidárias mesquinhas. Ele chegou até a se retirar unilateralmente do acordo orçamentário, depois de já termos chegado a um consenso em longas negociações. Não há qualquer base de confiança para uma futura cooperação", afirmou Scholz no Bundestag.
Por outro lado, Lindner acusou Scholz de falhar na gestão econômica.
"Olaf Scholz há muito tempo não reconhece a necessidade de um novo impulso econômico para o nosso país. Ele minimiza há tempos as preocupações econômicas dos nossos cidadãos. Suas contrapropostas são repetitivas, pouco ambiciosas e não ajudam a superar a fraqueza fundamental do crescimento no nosso país", rebateu Lindner.
Após o rompimento da coalizão, o CDU, principal força de oposição, pressionou pela convocação de novas eleições.
"A Alemanha precisa de novas eleições – agora. Estamos prontos para assumir a responsabilidade pela Alemanha", declarou o partido em comunicado oficial.
Prato cheio para a extrema direita
A crise política na Alemanha é um prato cheio para a extrema direita, representada pelo AfD (Alternativa para a Alemanha), partido com claras aspirações neonazistas e que possui ligações comprovadas com grupos extremistas.
Fundada em 2013, a legenda conseguiu uma cadeira no parlamento alemão, pela primeira vez, em 2017 - hoje, já são 77 deputados.
Trata-se de uma organização ultrarradical que abriga os membros mais extremistas da Alemanha. O AfD defende abertamente ideias xenofóbicas, racistas, segregacionistas e violentas. A principal plataforma política da sigla são os projetos anti-imigração, permeada de retóricas ultranacionalistas que remetem ao nazismo. Diversos membros do partido, inclusive, já tiveram comprovadamente relações com grupos neonazistas e fizeram falas com tal teor.
Desde 2021, o AfD é monitorado pelo serviço de inteligência interno da Alemanha, o BfV, por tentativa de enfraquecer a constituição democrática do país.
Este ano, o partido foi o mais votado na eleição regional da Turíngia – a primeira vez que uma legenda de extrema direita vence um pleito estadual desde o regime nazista – e garantiu a segunda maior bancada no parlamento da Saxônia. Situação parecida se deu em Brandemburgo, onde o AfD também ficou em segundo lugar e, por pouco, não vence o pleito.
O crescimento do AfD está intimamente ligado à atual crise política que abala o governo de Olaf Scholz. Com uma série de impasses internos e a falta de consenso entre os partidos da coalizão, temas como economia, inflação e política migratória vêm gerando insatisfação entre os eleitores, que enxergam na legenda extremista uma resposta à instabilidade governamental.
A postura crítica do AfD em relação à União Europeia e ao euro também ganha força em meio às dificuldades econômicas que impactam a população alemã. Enquanto o governo de Scholz enfrenta dificuldades para avançar com reformas, o AfD se aproveita do descontentamento generalizado, apresentando-se como alternativa para eleitores que veem no partido uma maneira de protestar contra o status quo e a paralisia do governo.
CDU lidera pesquisas
Pesquisas apontam que, se as eleições gerais fossem hoje, o partido conservador CDU, liderado por Friedrich Merz, venceria com mais de 30%. Já o AfD vem disputando o posto de segunda maior força política do país com o SPD. Projeções dão conta de que a sigla de extrema direita somaria, em um eventual pleito antecipado, cerca de 20% dos votos, pouco à frente dos sociais-democratas, que têm 17%.
O CDU já sinalizou, em outras ocasiões, que não aceitaria formar um governo com o AfD. Na Alemanha, é preciso formar coalizões para governar, o que torna o jogo político ainda mais desafiador em um cenário de fragmentação. O fato é que a social-democracia e a esquerda na Alemanha vivem uma crise tão profunda que qualquer cenário aponta para o fortalecimento da direita e extrema direita.
Confira os números, segundo as pesquisas oficiais mais recentes:
- CDU/CSU: 31%
- AfD: 20%
- SPD: 17%
- Partido Verde: 11%
- Aliança Sahra Wagenknecht (BSW): 8%
- FDP: 5%