A Justiça da Alemanha decidiu suspender por seis anos as verbas estatais e isenção tributária ao partido A Pátria, antigo Partido Nacional Democrático da Alemanha (NPD), considerado uma organização neonazista. Por lei, todas as siglas partidárias alemãs que atingem um percentual mínimo de votos nas eleições têm direito ao benefício.
O Tribunal Constitucional Federal do país europeu tomou a decisão contra a legenda em questão, nesta terça-feira (23), por considerar que a sigla pretende "eliminar ordem fundamental de liberdade e democracia". Isso porque porque o partido prega contra aqueles que não se encaixam em sua definição de "comunidade nacional" - ou seja, uma retórica ultranacionalista e contra imigrantes, que flerta com o nazismo.
O A Pátria já não recebia recursos do governo por não ter atingido, nas últimas eleições, votos suficientes, mas ainda tinha isenção tributária. Com a decisão da Justiça, mesmo que consiga o número de votos necessários para obter os benefícios governamentais nas próximas eleições, a sigla não os receberá.
Recado à extrema direita: AfD é o próximo?
Nesta terça-feira (23), a ministra do Interior alemã, Nancy Faeser, do Partido Social-Democrata (SPD), foi às redes sociais para celebrar a decisão da Justiça contra o partido neonazista A Pátria.
Em sua publicação, Faeser sinalizou que a decisão, no futuro, pode atingir ainda o partido Alternativa para a Alemanha (AfD), que também possui aspirações neonazistas e que conta com membros que participaram de uma reunião secreta para debater a expulsão em massa de imigrantes do país - fato vem gerando um levante antifascista em diversas cidades do país europeu nos últimos dias.
"Esta decisão envia um sinal claro: o nosso Estado democrático não financia inimigos da Constituição. Mesmo que os obstáculos constitucionais para procedimentos futuros continuem a ser elevados, temos agora outro instrumento para proteger a nossa democracia!".
"Esta decisão chega num momento que mostra mais uma coisa: o extremismo de direita é a maior ameaça à nossa democracia e às pessoas no nosso país", emendou a ministra.
Líder do SPD, Saskia Esken também se manifestou sobre decisão judicial e indicou que o AfD pode vir a sofrer o mesmo tipo de sanção.
“Este julgamento inovador será útil para nós ao lidar com o perigo extremista de direita de hoje. O veredicto deixa claro que e sob que condições claramente definidas a nossa democracia pode defender-se contra aqueles que querem utilizar indevidamente os seus recursos para destruí-la", pontuou.
Levante contra a extrema direita na Alemanha
Milhões de pessoas têm saído às ruas quase diariamente em diferentes cidades da Alemanha, desde o dia 15 de janeiro, para protestar contra a extrema direita do país. Em muitos locais, manifestantes seguravam cartazes com inscrições pedindo o banimento do partido ultradireitsta Alternativa Para a Alemanha (AfD), que tem entre seus quadros políticos de orientação neonazista, e palavras de apoio aos refugiados e imigrantes que vivem no país.
As manifestações são uma resposta à reunião secreta entre nomes da extrema-direita e do neonazismo na Alemanha e na Europa, empresários, advogados, médicos e membros partido ultradireitista AfD, em que foi discutido um plano para expulsar imigrantes e refugiados em massa do país.
Veja vídeos dos protestos:
O encontro em questão foi realizado em um hotel na cidade de Podstam, em novembro de 2023, e veio à tona na última semana a partir de reportagem do site de jornalismo investigativo Correctiv.
Segundo a matéria, um dos presentes na reunião era Martin Sellner, teórico da conspiração que lidera o Movimento Identitário da Áustria (IBÖ), que apresentou um plano para expulsar da Alemanha até dois milhões de estrangeiros ou pessoas de origem estrangeira, requerentes de refúgio, imigrantes e até mesmo aqueles que possuem cidadania alemã que não "se integraram" ao país.
O plano de Sellner prevê que, quando o AfD chegar ao poder, o partido terá que enfrentar o desafio de expulsar "cidadãos não assimilados". "Apresentei ali o meu livro e o conceito identitário de remigração", confirmou o líder neonazista, em entrevista, após a reunião vir à tona.
Ao menos 3 membros do AfD estiveram na reunião: Roland Hartwig, assessor de Alice Weidel, uma das líderes da legenda; o deputado Gerrit Huy e Ulrich Siegmund, presidente do grupo parlamentar regional do partido da Saxônia Anhalt.
O plano do AfD para expulsar milhões de imigrantes motivou protestos massivos contra a ameaça de inspiração neonazista. Uma tônica presente nos protestos foi a demanda pela extinção do AfD, partido que tem notória ligação com causas e nomes ligados ao neonazismo
O chanceler alemão Olaf Scholz, que compareceu à manifestação realizada em Potsdam, fez um discurso enfático logo após a reportagem sobre a reunião secreta da extrema direita vir à tona e evocou o aprendizado do passado para evitar os mesmos erros, em clara referência ao regime nazista de Adolf Hitler.
"Não permitiremos que ninguém diferencie o 'nós' no nosso país com base no fato de alguém ter ou não origem imigrante. Protegemos a todos - independentemente da origem, da cor da pele ou do desconforto de alguém para fanáticos com fantasias de assimilação. Qualquer pessoa que vá contra a nossa ordem básica, livre e democrática é um caso para o nosso Gabinete para a agência de inteligência e para o poder judicial. O fato de aprendermos com a história não é apenas uma afirmação da boca para fora. Os democratas devem permanecer unidos".
AfD e a ameaça neonazista
O partido Alternative für Deutschland (em português, Alternativa para a Alemanha), o AfD, foi fundado em 2013 e conseguiu uma cadeira no parlamento alemão, pela primeira vez, em 2017.
Trata-se de uma organização ultrarradical que abriga os membros mais extremistas do espectro político alemão. A sigla defende abertamente ideias xenofóbicas, racistas, segregacionistas e violentas.
A legenda tem como sua principal plataforma política a defesa de projetos antimigração, permeada de retóricas ultranacionalistas que remetem ao nazismo. Diversos membros do partido, inclusive, já tiveram comprovadamente relações com grupos neonazistas e já fizeram falas com teor nazista.
Björn Höcke, uma das principais lideranças da sigla, por exemplo, foi denunciado pelo Ministério Público alemão em 2023 por utilizar linguajar nazista ao dizer que a política migratória do país "nada mais é que a eliminação do povo alemão", usando o slogan nazista "Alles für Deutschland" (tudo pela Alemanha).
Desde 2021, o AfD é monitorado pelo serviço de inteligência interno da Alemanha, o BfV, por tentativa de enfraquecer a constituição democrática do país.
O que vem assustando os democratas e progressistas alemães é o forte crescimento do partido de inspirações neonazistas. As últimas pesquisas revelam que o AfD já tem o apoio de cerca de 24% dos alemães, o que o torna o segundo partido mais popular do país, atrás apenas do CDU, legenda da ex-chanceler Angela Merkel. Para se ter uma ideia do crescimento, na última eleição federal, em 2021, o AfD teve 10,3% dos votos.
O partido vem se fortalecendo, principalmente, na Alemanha Oriental, onde haverá eleições este ano nos estados da Turíngia, Saxônia e Brandemburgo.