Milhares de pessoas saíram às ruas no último domingo (15) em diferentes cidades da Alemanha, incluindo a capital Berlim, para protestar contra a extrema direita do país. Em muitos locais, manifestantes seguravam cartazes com inscrições pedindo o banimento do partido ultradireitsta Alternativa Para a Alemanha (AfD), que tem entre seus quadros políticos de orientação neonazista, e palavras de apoio aos refugiados e imigrantes que vivem no país.
Em Berlim o protesto reuniu cerca de 25 mil pessoas. Em Potsdam, cidade próxima à capital, por volta de 20 mil pessoas compareceram ao ato, inclusive o chanceler federal alemão, que no país é equivalente a um primeiro-ministro, Olaf Scholz. As manifestações foram convocadas por partidos de esquerda e centro-esquerda, como o Partido Social-Democrata (SPD), Verdes (Die Grünen) e A Esquerda (Die Linke).
Qual a motivação das manifestações
As manifestações foram uma resposta à reunião secreta entre nomes da extrema-direita e do neonazismo na Alemanha e na Europa, empresários, advogados, médicos e membros partido ultradireitista AfD, em que foi discutido um plano para expulsar imigrantes e refugiados em massa do país.
O encontro em questão foi realizado em um hotel na cidade de Podstam, em novembro de 2023, e veio à tona na última semana a partir de reportagem do site de jornalismo investigativo Correctiv.
Segundo a matéria, um dos presentes na reunião era Martin Sellner, teórico da conspiração que lidera o Movimento Identitário da Áustria (IBÖ), que apresentou um plano para expulsar da Alemanha até dois milhões de estrangeiros ou pessoas de origem estrangeira, requerentes de refúgio, imigrantes e até mesmo aqueles que possuem cidadania alemã que não "se integraram" ao país.
O plano de Sellner prevê que, quando o AfD chegar ao poder, o partido terá que enfrentar o desafio de expulsar "cidadãos não assimilados". "Apresentei ali o meu livro e o conceito identitário de remigração", confirmou o líder neonazista, em entrevista, após a reunião vir à tona.
Ao menos 3 membros do AfD estiveram na reunião: Roland Hartwig, assessor de Alice Weidel, uma das líderes da legenda; o deputado Gerrit Huy e Ulrich Siegmund, presidente do grupo parlamentar regional do partido da Saxônia Anhalt.
Nesta segunda-feira (15), o AfD anunciou a demissão de Roland Hartwig, informando que seu contrato com a sigla foi encerrado em "comum acordo". Ulrich Siegmund, por sua vez, confirmou que estava no encontro, mas não como representante do parlamento ou de seu partido.
Antes, a legenda já havia se pronunciado afirmando que Roland Hartwig, o assessor demitido, esteve na reunião para apresentar um projeto de mídia social e que não sabia que o encontro seria para discutir expulsão em massa de estrangeiros.
Logo após a reunião vir à tona através da reportagem publicada na última semana, entretanto, o deputado René Springer, porta-voz de política social do grupo parlamentar da AfD, confirmou os planos sombrios de seu partido e que remontam ao período nazista.
"Devolveremos os estrangeiros à sua terra natal. Milhões de vezes. Este não é um plano secreto. Isso é uma promessa", disparou.
Atualmente, cerca de um quarto da população alemã tem origem estrangeira.
Reações
O plano do AfD para expulsar milhões de imigrantes motivou protestos massivos contra a ameaça de inspiração neonazista. Uma tônica presente nos protestos foi a demanda pela extinção do AfD, partido que tem notória ligação com causas e nomes ligados ao neonazismo
O chanceler alemão Olaf Scholz, que compareceu à manifestação realizada em Potsdam, fez um discurso enfático logo após a reportagem sobre a reunião secreta da extrema direita vir à tona e evocou o aprendizado do passado para evitar os mesmos erros, em clara referência ao regime nazista de Adolf Hitler.
"Não permitiremos que ninguém diferencie o 'nós' no nosso país com base no fato de alguém ter ou não origem imigrante. Protegemos a todos - independentemente da origem, da cor da pele ou do desconforto de alguém para fanáticos com fantasias de assimilação. Qualquer pessoa que vá contra a nossa ordem básica, livre e democrática é um caso para o nosso Gabinete para a agência de inteligência e para o poder judicial. O fato de aprendermos com a história não é apenas uma afirmação da boca para fora. Os democratas devem permanecer unidos".
"Quem aqui vive, trabalha aqui e acredita nos valores básicos da nossa democracia nos pertence. Independentemente da origem ou cor da pele. Ponto", disse ainda o chanceler ao repercutir escolha da palavra “Remigração” como a pior palavra de 2023 na Alemanha, por parte do júri da Unwort des Jahres (“despalavra do ano”), nesta segunda-feira (15).
AfD e a ameaça neonazista
O partido Alternative für Deutschland (em português, Alternativa para a Alemanha), o AfD, foi fundado em 2013 e conseguiu uma cadeira no parlamento alemão, pela primeira vez, em 2017.
Trata-se de uma organização ultrarradical que abriga os membros mais extremistas do espectro político alemão. A sigla defende abertamente ideias xenofóbicas, racistas, segregacionistas e violentas.
A legenda tem como sua principal plataforma política a defesa de projetos antimigração, permeada de retóricas ultranacionalistas que remetem ao nazismo. Diversos membros do partido, inclusive, já tiveram comprovadamente relações com grupos neonazistas e já fizeram falas com teor nazista.
Björn Höcke, uma das principais lideranças da sigla, por exemplo, foi denunciado pelo Ministério Público alemão em 2023 por utilizar linguajar nazista ao dizer que a política migratória do país "nada mais é que a eliminação do povo alemão", usando o slogan nazista "Alles für Deutschland" (tudo pela Alemanha).
Desde 2021, o AfD é monitorado pelo serviço de inteligência interno da Alemanha, o BfV, por tentativa de enfraquecer a constituição democrática do país.
O que vem assustando os democratas e progressistas alemães é o forte crescimento do partido de inspirações neonazistas. As últimas pesquisas revelam que o AfD já tem o apoio de cerca de 24% dos alemães, o que o torna o segundo partido mais popular do país, atrás apenas do CDU, legenda da ex-chanceler Angela Merkel. Para se ter uma ideia do crescimento, na última eleição federal, em 2021, o AfD teve 10,3% dos votos.
O partido vem se fortalecendo, principalmente, na Alemanha Oriental, onde haverá eleições este ano nos estados da Turíngia, Saxônia e Brandemburgo.
Relações com Bolsonaro e apoio aos golpistas
Em 2021, o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro recebeu, no Palácio do Planalto, a deputada alemã Beatrix von Storch, neta do ministro das Finanças de Adolf Hitler (Johann Ludwig Schwerin von Krosigk) e filiada ao AfD.
Beatrix von Storch também se encontrou com a deputada radical Bia Kicis (PL-DF) e do filho do ex-presidente, o também deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Em março daquele mesmo ano, quando o ex-assessor especial de assuntos internacionais de Bolsonaro, Filipe Martins, fez um gesto supremacista no Senado, o jornalista alemão Niklas Franzen concedeu uma entrevista à Fórum em que apontou as ligações do bolsonarismo com o AfD e as semelhanças entre a extrema-direita brasileira e a alemã.
“Nós temos aqui um partido no parlamento o AfD, são ‘amiguinhos’ do Bolsonaro, há várias conexões entre o governo Bolsonaro e esse partido", relatou.
“Quando a gente discute sobre a extrema-direita, a gente tem que levar em conta que é uma tendência global. Mesmo com o fato de que a Alemanha tem leis mais rígidas [para coibir manifestações da extrema-direita], nós temos um movimento muito forte de neonazismo e especialmente de terrorismo neonazista”, revelou ainda.
A página oficial do Museu do Holocausto no Brasil reagiu e não só expôs os valores antidemocráticos do AfD, como também revelou a ascendência nazista de Beatrix von Storch quando a deputada alemã esteve no Brasil.
"E Beatrix von Storch, quem seria? Vice-líder do partido, famosa por tweets xenofóbicos e neta de Lutz Graf Schwerin von Krosigk, ministro nazista das Finanças e um dos poucos membros do gabinete do Terceiro Reich a servir continuamente desde a nomeação de Hitler como chanceler", diz postagem do museu.
"É evidente a preocupação e a inquietude que esta aproximação entre tal figura parlamentar brasileira e Beatrix von Storch representam para os esforços de construção de uma memória coletiva do Holocausto no Brasil e para nossa própria democracia", continua.
Em novembro de 2022, um mês após a vitória de Lula na eleição presidencial brasileira, Beatrix von Storch celebrou os atos golpistas no Brasil e ainda difundiu a fake news de que as manifestações de bolsonaristas reuniram "dezenas de milhões".
"Desde a eleição, dezenas de MILHÕES vêm se manifestando em todo o país e o número está crescendo. Provavelmente não aconteceu na história recente. E a mídia alemã? Eles não mostram as fotos. ISSO é FAKENEWS através de ocultação", escreveu através de seu Twitter, junto a fotos de alguns desses protestos.
Vale ressaltar que slogan utilizado por Jair Bolsonaro em sua primeira eleição à presidência, em 2018, "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", remete ao slogan nazista "Deutschland über Alles", que significa "Alemanha acima de tudo". Já em 2022, o ex-presidente utilizou o "Deus, Pátria, Família e Liberdade", que faz referência ao slogan fascista do regime de Benito Mussolini na Itália, o "Dio, patria e famiglia".