De LISBOA | Era uma manhã fria e com os últimos resquícios de um chuvisco que caíra no fim da madrugada, molhando a calçada e o asfalto da Calle de Serrano, uma rua de Madri, na Espanha, notória por abrigar a Embaixada dos Estados Unidos da América. Quase em frente ao edifício diplomático está a tradicional igreja de São Francisco de Borja, administrada por jesuítas.
Pois era nessa igreja que Luis Carrero Blanco, um almirante da marinha espanhola de 69 anos que servia como presidente de governo da ditadura liderada pelo “generalíssimo” Francisco Franco, e que também era braço-direito e uma espécie de melhor amigo do ditador, bem como seu herdeiro político, frequentava todas as manhãs a santa missa, para comungar. Católico fervoroso, era um sujeito ultraconservador e, como bom milico, cheio de coragem, uma vez que mesmo ocupando o cargo de homem número 2 da nação, andava apenas com um motorista e um guarda-costas, além de um segundo carro levando dois policiais.
Naquelas primeiras horas de luz natural de 20 de dezembro de 1973, numa Espanha cada vez mais farta do autoritarismo bufo da extrema direita, e com uma ditadura que já ensaiava seus últimos suspiros, tendo em vista a idade avançada de Franco, Carrero Blanco foi à sua última missa. Tomou a hóstia, rezou e saiu pela porta da frente, entrando no Dodge 3700 GT preto, acompanhado do segurança. O motorista já estava ao volante. O carro fez o trajeto de sempre, realizado diariamente havia anos, dando uma volta no quarteirão para pegar a rua dos fundos da Igreja de São Francisco de Borja, a Calle Claudio Coello.
O problema é que o grupo separatista basco ETA, que tinha a ditadura franquista como alvo número um de suas ações, já sabia da rotina de Carrero Blanco e alugara um imóvel na Claudio Coello, no nível do chão, meses antes, de onde começou a cavar um túnel que ia em direção à igreja, sob o leito da rua. Ali, no ponto exato onde os carros trafegam na via, debaixo do solo, foram colocadas centenas de quilos de dinamite.
Às 9h27, quando o carro de Carrero Blanco passava na rua exatamente na frente do imóvel alugado pelos militantes do ETA, os explosivos foram acionados por um integrante que estava na esquina, pendurado num poste, simulando ser um trabalhador da companhia telefônica. Foi uma explosão monstruosa.
A violência da detonação foi tão grande que o automóvel foi lançado a 20 metros de altura. No ar, o veículo fez uma curva para a esquerda, passando por cima do edifício da igreja, caindo no interior do templo, onde há uma espécie de átrio, uma abertura que dá para um jardim. O carro literalmente desapareceu da cena do atentado.
Nos minutos que se seguiram à explosão, quando a fumaça e a poeira baixaram, quem olhava para os fundos da igreja de São Francisco Borja, na Calle Claudio Coello, via apenas uma imensa cratera no leito da rua, como se todo o asfalto tivesse sido arrancado. No entanto, não se viam vítimas, nem sinais de que algum automóvel estivesse passando no momento da detonação, o que fez com que os primeiros policiais e socorristas acreditassem que se tratava de um acidente com uma tubulação de gás. Só depois de alguns momentos é que clérigos e frequentadores da igreja informaram que o carro de Carrero Blanco, com o que sobrou de seu cadáver, assim como os do motorista e do guarda-costas, estava dentro do prédio católico.
Durantes muitas décadas correram informações e versões, algumas até com certos indícios, de que o atentado, embora planejado pelo ETA, teria sido monitorado e sabotado pela CIA, a agência de inteligência dos EUA. Os norte-americanos, diz essa versão, teriam se antecipado à ação dos militantes bascos e aproveitado o túnel que eles cavaram para matar o braço-direito de Franco. Um fato que sempre causou estranheza e reforçou a tese de interferência de Washington foi justamente algo sobre a escavação do tal túnel: a Embaixada dos EUA fica muito próxima do local e a representação teria instrumentos para identificar atividades embaixo do solo nas suas redondezas.
A morte de Carrero Blanco gerou uma comoção entre os integrantes do regime franquista. A imprensa, altamente controlada pela ditadura, estampava “o horror dos terroristas bascos” nas manchetes dos jornais. Franco, já com 81 anos naquele momento, apareceu chorando pela primeira vez na história. Era o luto e a dor por ter perdido o seu mais fiel assessor e amigo.
Para muitos historiadores, a ditadura de Francisco Franco já estava em seus estágios finais, esgarçada, e não se aguentaria por muito tempo em vigência. Já para outros, o assassinato de Carrero Blanco teve peso fundamental para enterrar de vez o regime, que resistiria por menos de dois anos, dando início, então, à redemocratização da Espanha, hoje uma das mais modernas e sólidas democracias da Europa, às portas de completar 50 anos de sua libertação do jugo fascista.