Era noite de 8 de novembro de 1923 em Munique, na Baviera, região ao sul da Alemanha. Adolf Hitler era, até então, um agitador vigarista que inflamava as hostes mais indignadas do povo alemão, em franco sofrimento pela situação em que se encontrava o país naquele momento, ainda pagando as pesadas contas, como derrotado, da 1ª Guerra Mundial.
O Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (Partido “Nazista”, no acrônimo), criado três anos antes, ainda não era uma potência como nos acostumamos a ver nos filmes que o retratam durante o auge do nazismo, resumindo-se a um apanhado de políticos ultrarreacionários e integrantes dos Freikorps, paramilitares revoltados com o regresso da “normalidade civis” após servirem como militares e serem derrotados no grande conflito encerrado anos antes.
Naquela noite, assim como na madrugada que a seguiria, o homem que um dia se tornaria o maior genocida já conhecido tentaria dar um golpe e chegar ao poder pela força. Seus contingentes, paramentados com indumentárias e artigos de combate, aguardavam em vários pontos de Munique e o sinal para o início do golpe foi um tiro dado por Hitler para o alto, dentro da famosa cervejaria Burgebräukeller, após interromper o discurso de um outro golpista, Gustav von Kahr, então primeiro-ministro da Baviera. O nazista, na frente de todos, exigiu a adesão e o apoio de Kahr à sua empreitada.
“O golpe ocorre no contexto de uma Alemanha devastada pela 1ª Guerra Mundial e com o sentimento de humilhação devido ao Tratado de Versalhes, assinado em 1919. O povo alemão vinha passando por dificuldades e diversos grupos políticos buscavam tomar o poder diante da fragilidade da República de Weimar”, explica o historiador e advogado Marcelo Cardoso da Silva, professor há mais de 20 anos em cursos preparatórios pré-vestibulares do Estado de São Paulo e formando na Universidade Estadual Paulista (UNESP).
Com a Alemanha em estado de miséria total, muitos grupos tentavam emergir no cenário de caos, sempre com posturas extremistas, à esquerda ou à direita. Os nazistas, expoentes máximos da extrema direita, eram um desses grupos e estavam sob lideram de Adolf Hitler, um artista fracassado e cheio de um rancor colérico que se transformava quando fala às multidões. Àquela altura, com a “simpatia” forçada do primeiro-ministro bávaro e com seus homens na rua, o futuro genocida colocava em prática, de fato, uma imitação malsucedida da “Marcha sobre Roma”, liderada por Benito Mussolini um ano antes, na Itália, que emparedou o rei Vittorio Emanuele III e conduziu o comandante fascista ao poder.
“Os grupos mais radicais buscavam culpados para justificar a derrota na guerra e unir os desiludidos como massa de manobra, ou para pressionar politicamente ou para montar grupos para militares. Hitler estava buscando um espaço exatamente nesse momento. Ele tentou utilizar sua pequena influência para congregar mais adeptos e dominar o governo bávaro, copiando inclusive o método usado na Itália, mas não teve êxito”, acrescentou o historiador.
Houve forte resistência por parte dos corpos policiais da Baviera, ainda que boa parte dessas tropas estivesse flertando com os nazistas. O levante golpista liderado por Hitler foi sufocado, dezenas de lideranças de seu movimento foram presas, entre elas o próprio Hitler, enquanto 16 homens de seu “exército” foram mortos.
Condenado a cinco anos de cadeia por conspiração, Hitler ficou apenas nove meses preso, tempo suficiente para escrever seu livro que serviria como uma espécie de bússola sinistra para seus seguidores, o Mein Kampf. Ele também teve certeza, levando em consideração seus dias no cárcere, que havia se transformado num “mito” para boa parte dos alemães, sendo venerado. Realmente tornou-se uma liderança poderosíssima anos depois, mas àquela altura era apenas mais um agitador vulgar.
“Adolf Hitler, naquele momento, não tinha uma importância real, mas devido à grande divisão e desorganização da sociedade alemã naqueles anos, aquela era a sua oportunidade de conseguir apoiadores e realizar a tomada do poder. O golpe fracassou, mas o que viria anos depois, todos nós sabemos muito bem”, concluiu Cardoso, fazendo alusão à sua chegada ao poder no cargo de chanceler, uma década depois, em 1933, pela via democrática.