DÍVIDA

África reforça cobrança de indenização por escravidão

Nações criaram uma "frente unificada" para aumentar pressão a países escravocratas

Escravizados na Amazônia.Créditos: Carta de alforria concedida em 1880 em Manaus
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Países e nações da África reforçaram a cobrança de uma indenização pelo período da escravidão, quando milhares de africanos foram arrancados do continente e levados a diversos países europeus e americanos. 

“É hora de a África, cujos filhos e filhas tiveram suas liberdades restringidas e foram vendidos como escravos, também receber compensação”, afirmou o presidente de Gana, Nana Addo Akufo-Addo, durante a Conferência de Reparação de Acra no começo do mês de novembro.

No encontro, 55 países que compõem a União Africana (UA) e 20 nações da Comunidade do Caribe (Caricom) concordaram em criar uma “frente unificada” para  “corrigir injustiças históricas e garantir o pagamento de reparações”, de acordo com a vice-presidente da Comissão da UA, Monique Nsanzabaganwa.

Ela afirmou que a África havia “carregado o peso das injustiças da história e sofrido as consequências de um passado marcado pela escravidão, colonização e exploração”. A vice-presidente também reforçou que os países devem “reconhecer que essas injustiças tiveram um impacto de longo prazo, cujas consequências são sentidas ainda hoje”.

“A demanda por reparações não é uma tentativa de reescrever a história ou de prosseguir com o ciclo de vitimização. É um chamado para reconhecer a verdade inegável e corrigir os erros que ficaram impunes por muito tempo e que continuam a produzir efeitos atualmente”.

Movimento por indenização

A cobrança por reparação é um movimento crescente na África. No início deste mês, o político sul-africano Julius Malema entrou no debate após visita do rei britânico Charles 3º ao Quênia em outubro.

Apesar de ter assumido os “atos de violência abomináveis e injustificáveis” no país, Charles 3° não pediu “desculpa” à nação. Nas redes sociais, os quenianos protestaram. 

Os povos indígenas khoi e sans, da África do Sul, também protestaram contra o rei e a rainha holandeses. Durante visita do casal ao museu Slave Lodge na Cidade do Cabo, que abrigou escravos pertencentes à Companhia Holandesa das Índias Orientais, o grupo de manifestantes ergueu cartazes com dizeres “queremos indenização” e gritou palavras de ordem contra os colonizadores, que ocuparam suas terras e escravizaram seus povos. 

Cobrança em valores

Há muitos estudos que tentam calcular o valor das indenizações que os países colonizadores devem pagar às nações africanas pelo comércio de escravos. A pesquisa mais recente estima um custo global de US$ 131 trilhões (R$ 640 trilhões) pelos danos durante e após a escravidão.

Os dados são do Report on Reparations for Transatlantic Chattel Slavery in the Americas and the Caribbean (Relatório sobre reparações pela escravidão transatlântica nas Américas e no Caribe), chamado de Relatório Battle.

De acordo com o estudo, cada país deve pagar: 

  • Estados Unidos: cerca US$ 27 trilhões (R$ 132 trilhões);
  • Reino Unido: US$ 24 trilhões (R$ 118 trilhões);
  • Portugal: cerca de US$ 21 trilhões (R$ 103 trilhões);
  • Brasil: US$ 4,4 trilhões (R$ 22 trilhões).

O documento afirma que apesar de o Brasil ser o país que mais recebeu escravos africanos, cerca de 3,1 milhões, os Estados Unidos carregam o peso de ser o país onde mais pessoas nasceram na escravidão, somando mais de 7,5 milhões.

A Organização das Nações Unidas (ONU) defende a cobrança, tendo apresentado um relatório onde lista passos concretos para a indenização. O órgão reconhece que a avaliação dos danos pode ser “extremamente difícil devido ao tempo decorrido e à dificuldade de identificar os perpetradores e as vítimas”, mas afirma que “tais dificuldades não podem ser a base para anular a existência de obrigações legais subjacentes”.

Exemplo da Namíbia

Em 2021, a Alemanha reconheceu o genocídio dos povos herero e nama durante o período colonial na região onde hoje é a Namíbia e se comprometeu a pagar US$ 1,9 bilhão (R$ 9,3 bilhões) ao governo namibiano.

A quantia deve ser paga ao longo de 30 anos e direcionada a regiões habitadas por descendentes dos povos herero e nama. A declaração do governo alemão recebeu críticas por não incluir os termos "reparação" ou "indenização".

Berlim afirma que não há termos legais para pedido de indenização individual ou coletivos aos descendentes ao governo alemão. No entanto, o Centro Europeu de Direitos Constitucionais e Humanos, com sede em Berlim, e a Human Rights Watch, organizações dos Direitos Humanas, discordam e defendem que o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos é uma base legal. 

"[As reparações] são uma obrigação moral e ética. Representam nosso reconhecimento de erros do passado e, mais importante, a determinação para se reconciliar", afirma Monique Nsanzabaganwa.