Os ministros do Trabalho dos países do Mercosul se reuniram para dialogar sobre o cenário do mundo do trabalho e estreitar os laços de cooperação diante dos impactos dos avanços tecnológicos na região, na última quarta-feira (25).
O encontro, conduzido pelo ministro Luiz Marinho (Brasil), foi marcado pela aprovação de uma Declaração pela Promoção do Trabalho Decente na Região e contou com a participação de representantes das centrais sindicais, de entidades de empregadores dos países da região e do Parlamento do Mercosul (Parlasul).
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O documento, promulgado pelos ministros do trabalho, reconhece os direitos dos trabalhadores de plataformas digitais, destacando a importância de assegurar salários justos, jornadas adequadas e proteção social.
No mesmo dia, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) que, pela primeira vez, incluiu dados sobre teletrabalho e plataformas digitais. O estudo revelou que o Brasil tem 2,1 milhões de pessoas trabalhando por meio das plataformas digitais de aplicativos, evidenciando as condições precárias às quais elas estão submetidas.
A preocupação sobre a realidade dos trabalhadores de plataformas é compartilhada pelos demais países da região. Por esse motivo, a Declaração de Ministros do Trabalho do Mercosul destaca a importância de adaptar e harmonizar as regulações nacionais sobre a matéria desde uma perspectiva de direitos e justiça social.
Em um movimento de aproximação, os titulares das pastas apresentaram as medidas que seus respectivos países estão adotando para regular o trabalho de plataformas.
No Brasil, por exemplo, o ministro Marinho explicou que o governo federal instalou um comitê de regulamentação tripartite para formular um marco normativo que será encaminhado ao Congresso Nacional. O Uruguai, conforme relatou o ministro Pablo Mieres, seguiu o mesmo caminho, enviando uma proposta de governo ao Parlamento Nacional.
A ministra Mónica Recalde, do Paraguai, destacou a prioridade do novo governo de garantir os direitos dos trabalhadores de plataformas e de investir em políticas de formação profissional voltada para a utilização de ferramentas digitais.
Na Argentina, por sua vez, a ministra do Trabalho, Raquel Kelly Olmos, informou que as propostas de regulação sobre o trabalho de plataformas foram originadas no Poder Legislativo e tramitam, atualmente, pelas comissões especializadas do parlamento.
Com relação aos processos de regulação do trabalho de plataformas, o Parlamento do Mercosul tem realizado um monitoramento que transcende as fronteiras dos países do bloco regional.
Desde o ano de 2022, o Parlasul iniciou um processo de análise e estudo das medidas de regulação do trabalho de plataformas estabelecendo vínculos com o mundo acadêmico para conhecer detalhes sobre programação e gestão algorítmica, bem como a respeito das dinâmicas de precarização e exploração inerentes à modalidade de relação capital-trabalho proporcionadas por essas tecnologias.
Em maio de 2023, o Parlasul realizou um seminário intitulado "Trabalho de Plataformas no Mercosul". A atividade, organizada pela Comissão de Trabalho do Parlamento regional em conjunto com o projeto "Fairwork", do Instituto de Internet da Universidade de Oxford, apresentou um panorama das regulações nos países da América do Sul, destacando exemplos de países como o Chile e o Equador que já têm legislações vigentes sobre a matéria. Naquela ocasião, Parlamentares e especialistas em tecnologias emergentes debateram sobre a eficácia das medidas nacionais voltadas à regulação de temas e impactos das ferramentas digitais.
Mesmo com os esforços dos países da região para enfrentar o desafio de regular o trabalho de plataformas, a inserção de um ponto sobre o tema em uma declaração de ministros do trabalho do Mercosul confirma a constatação de que a deslocalização das relações de trabalho, como fator estrutural, desafia as políticas nacionais para abranger este fenômeno transnacional proporcionado e facilitado pelo uso de ferramentas digitais.
Nesse contexto, a mobilização dos trabalhadores de aplicativos representa um desafio para o movimento sindical, tanto em âmbito nacional quanto internacional. O discurso falacioso do empreendedorismo e a distorção por ele gerada na consciência da classe trabalhadora dificulta a coletivização das lutas desses trabalhadores que, muitas vezes, sequer se percebem integrantes da classe trabalhadora.
Com base nessa percepção, um dos pilares fundamentais da Declaração dos Ministros do Trabalho é a reafirmação do diálogo social, enfatizado como um mecanismo essencial para a construção coletiva de soluções legítimas, democráticas e sustentáveis para as políticas do mundo do trabalho. O documento também se refere à redução da informalidade que afeta trabalhadores de diversas categorias, requerendo uma abordagem multidimensional por parte dos governos. A formalização dos vínculos e a melhoria das condições de trabalho são metas de consenso tanto para os governos como para os atores sociais.
Na América Latina e no Caribe, aproximadamente 130 milhões de indivíduos trabalham em situações de informalidade, correspondendo a quase metade da força de trabalho (47,7%). Cerca de 40% dos trabalhadores da região não têm qualquer tipo de proteção social. De acordo com o Relatório Panorama Social apresentado pela Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), publicado em novembro de 2022, a região apresenta uma taxa de pobreza de 32,1% da população, o que equivale a 201 milhões de pessoas, e uma taxa de extrema pobreza de 13,1%, o que corresponde a 82 milhões de pessoas. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) alerta que, nos países da América Latina, a taxa de desemprego juvenil poderia atingir mais de 20% em 2023.
A declaração enfatiza a eliminação de todas as formas de discriminação e a promoção da igualdade de gênero no mundo do trabalho, ressaltando a necessidade de ações afirmativas e políticas que promovam a igualdade de oportunidades. Os ministros e ministras enfatizam que as trabalhadoras desempenham um papel central na promoção de um mundo sustentável, equitativo e democrático. E representam a força motriz do desenvolvimento econômico e social, merecendo, portanto, equidade nas condições de trabalho.
Além disso, o instrumento reforça o compromisso de fortalecer a dimensão sociolaboral do Mercosul, incluindo o aprofundamento das ações dos planos regionais em vigor, em áreas como prevenção do trabalho infantil, inspeção do trabalho, saúde e segurança dos trabalhadores, circulação de trabalhadores e prevenção do tráfico para exploração laboral. A erradicação do trabalho infantil e do trabalho forçado é vista como um desafio significativo que exige ações abrangentes e coordenadas por parte dos países membros do MERCOSUL. Isso implica a necessidade de políticas que visem à prevenção e eliminação dessas práticas.
Assuntos como a transição demográfica, energética e tecnológica foram abordados como elementos que compõem um cenário desafiador mas que também se apresentam como oportunidades para a geração de empregos sustentáveis, socialmente justos e economicamente viáveis e alinhados com a implementação da Agenda 2030 e seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
A Declaração dos Ministros e Ministras de Trabalho do Mercosul pela Promoção do Trabalho Decente na Região representa, portanto, um compromisso coletivo em direção à construção de políticas laborais sintonizadas com as mudanças tecnológicas, demográficas e ambientais que estruturam os principais elementos do futuro do trabalho. Nesse sentido, a cooperação entre governos e atores sociais é fundamental para enfrentar os desafios evidenciados pelo fenômeno do trabalho de plataformas digitais.
*Atahualpa Blanchet é secretário da Comissão de Trabalho, Políticas de Emprego, Seguridade Social e Economia Social do Parlamento do Mercosul. Pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP