*Matéria publicada originalmente no Substack de Glauco Faria
Segundo pesquisa Gallup realizada entre os dias 2 e 23 de outubro, a aprovação do presidente dos Estados Unidos Joe Biden caiu 11 pontos percentuais entre os simpatizantes de sua legenda, o Partido Democrata, chegando a 75%. Este é o pior índice pessoal desde o início de seu mandato.
O índice de aprovação geral caiu quatro pontos, chegando a 37% e igualando, também, sua pior avaliação na série do instituto. A queda coincide com o período em que houve o ataque do Hamas a Israel, no dia 7 de outubro, e com a ofensiva israelense sobre a Faixa de Gaza.
De acordo com outra pesquisa Gallup, de fevereiro, pela primeira vez em duas décadas da sondagem os eleitores democratas simpatizavam mais com os palestinos do que com os israelenses, o que poderia ajudar a explicar o descontentamento dos adeptos da legenda com o governo Biden.
O portal Axios chama a atenção para o fato de o apoio ou não à iniciativa militar de Israel também ter um importante recorte geracional. Uma pesquisa NPR/PBS NewsHour/Marist divulgada em 13 de outubro mostrava que 78% das pessoas com 45 anos ou mais acreditavam que os EUA deveriam assumir uma posição publicamente pró-Israel, mas somente 48% das pessoas com menos de 45 anos disseram o mesmo.
Também há uma clivagem distinta do ponto de vista étnico-racial: 51% dos não-brancos afirmaram que os EUA deveriam assumir uma posição pública de apoio a Israel, enquanto 72% dos brancos acreditavam nessa posição.
A divisão não é apenas no eleitorado. Na quinta-feira (26), 18 congressistas assinaram uma resolução pedindo uma “desescalada imediata e cessar-fogo em Israel e na Palestina ocupada”.
“Uma pausa humanitária, o que é isso?” protestou a deputada Cori Bush, do Missouri, que apresentou a resolução de cessar-fogo. “Precisamos de um cessar-fogo. Precisamos impedir que bombas sejam lançadas sobre hospitais, escolas e comunidades”, afirmou, segundo o The New York Times.
Impactos nas eleições
São divisões que afetam um ânimo já bastante abalado em relação ao apoio a Biden. E o entusiasmo dos integrantes de seu partido é fundamental, primeiro, pelo voto nos Estados Unidos não ser obrigatório. Em 2021, o atual presidente venceu uma eleição na qual 60,8% dos eleitores compareceram às urnas, o maior nível de participação em 56 anos, o que lhe conferiu a maior votação absoluta da história.
Os democratas sabiam que era necessário estimular as pessoas a irem votar, já que o eleitorado de Donald Trump tinha um alto nível de engajamento, tanto que o republicano, no mesmo pleito, também se tornou o segundo presidenciável mais votado na história do país.
Por isso, o receio dos democratas é menos que seus votos migrem para Trump e mais que simplesmente não cheguem à urna por desinteresse do eleitor. Além da perda de popularidade entre simpatizantes da sua legenda, a sondagem do Gallup também apontou queda de quatro pontos entre os eleitores independentes, onde o presidente alcança 35% de aprovação.
A candidatura de Marianne Williamson
Autora de best-sellers e muitas vezes nomeada como “guru de Oprah Winfrey, mais como forma de desdenhar de sua candidatura do que de promovê-la, Marianne Williamson, em sua segunda tentativa de obter uma candidatura presidencial no Partido Democrata, adotou quase toda plataforma política de Bernie Sanders, tentando nitidamente ocupar o vácuo deixado pelo senador de Vermont. No entanto, se diz simpatizante da social-democracia do estilo nórdico e não se autointitula socialista, como o parlamentar.
Para o correspondente de assuntos nacionais do The Nation, John Nichols, as divisões que surgiram no Partido Democrata a respeito da abordagem de Biden a Israel e à política externa em geral deram a Williamson, de origem judaica, uma possibilidade de se posicionar como uma alternativa antiguerra. Isso poderia cativar uma espécie de voto de protesto entre democratas e independentes com menos de 35 anos, o grupo que rejeita a postura do governo em relação ao conflito no Oriente Médio, segundo as pesquisas.
“O bombardeio deve acabar. Precisamos de um cessar-fogo. E o compromisso do presidente Biden com Israel não deve incluir cada vez mais compromisso com a força bruta, cada vez mais compromisso com a ação militar, cada vez mais compromisso com o envio de navios – como se isso fosse proteger o nosso interesse nacional, ou mesmo o deles”, defendeu a candidata.
Uma pesquisa nacional da Universidade Quinnipiac, divulgada em setembro, dava a ela 8% de intenções de voto entre democratas, contra 73% de Biden, mas ainda constava na sondagem o nome do advogado ambiental e ativista antivacina Robert F. Kennedy Jr., que anunciou sua candidatura como independente. Contudo, a mesma pesquisa apontou que 51% diziam que podem mudar a sua escolha de candidato dependendo do que acontecer antes das primárias democratas, e 46% afirmavam estar determinados a votar no atual presidente.
Outra candidatura democrata
As más notícias para Biden seguiram nesta sexta-feira (27), quando o congressista democrata Dean Phillips, de Minnesota, lançou oficialmente sua candidatura à vaga do partido para disputar a Presidência dos EUA.
Há algum tempo ele vinha ensaiando a possibilidade. No início do mês, havia renunciado à sua posição de liderança como co-presidente do Comitê de Política Democrática e Comunicações. “As minhas convicções relativas à corrida presidencial de 2024 são incongruentes com a maioria da minha bancada e achei apropriado afastar-me da liderança eleita para evitar distrações desnecessárias durante um momento crítico para o nosso país”, justificou, em um comunicado.
Apesar de ter votado em 100% das vezes junto com as proposições de Biden, o congressista contesta a forma como a candidatura à reeleição do presidente vem sendo (ou não vem sendo) discutida. “Ninguém quer ser o único a fazer algo que prejudicaria as chances de uma vitória democrata em 2024”, disse ao site Politico em fevereiro. “No entanto, em salas silenciosas a conversa é exatamente o oposto.”
As chances de sucesso de Philips são mínimas, mas, em se tratando de um milionário cujo patrimônio chega a US$ 124 milhões, ele tem recursos para se manter algum tempo na corrida. E os resultados de sua empreitada podem encorajar eventualmente que algum nome com maior visibilidade também venha para a disputa.
Em 2021, o triunfo de Biden foi muito calcado na rejeição a Donald Trump, o que possibilitou uma união em torno do seu nome mesmo de segmentos que discordavam de seu posicionamento centrista. Os resultados de uma tragédia humanitária em Gaza, associados a uma divisão que parece ser cada vez mais evidente em seu próprio quintal, sinalizam que uma reprise da última eleição talvez não seja tão atrativa para a audiência em 2025.