Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro mais longevo de Israel, só voltou ao poder em dezembro de 2022 por ter costurado uma aliança com partidos sionistas e religiosos.
O bloco que venceu as eleições por pequena margem era formado pelo partido de Netanyahu, o Likud, e pelos partidos Sionismo Religioso, Shas [dos ultra-ortodoxos, ou haredi], UTJ [Judaísmo Unido da Torá, aliança de dois outros partidos de ultra-ortodoxos] e A Casa Judaica [sionista religioso de extrema-direita].
Assim como no Brasil e nos Estados Unidos, a sociedade civil de Israel está profundamente dividida.
A vitória de Bibi se deu por 49,57% dos votos contra 48,94% da coalizão adversária.
Foi também uma vitória dos haredi, os ultra-ortodoxos, que representam cerca de 13% da população de Israel e votam em bloco.
Eles já foram recompensados com um orçamento significativo para que os homens haredi possam se dedicar exclusivamente a estudos religiosos, bancados pelo Estado.
Acossado por denúncias de corrupção, Netanyahu e seus parceiros de coalizão pretendiam passar um pacote que restringia os poderes do Judiciário, o que levou milhares de pessoas às ruas para protestar.
Tudo isso ficou em suspenso depois do ataque do Hamas em 7 de outubro.
O primeiro-ministro formou um governo de unidade nacional e um gabinete de guerra, conduzido por ele, o ministro da Defesa Yoav Gallant e um dos líderes da oposição, Benny Gantz.
Este gabinete tomará as decisões relativas ao enfrentamento com o Hamas.
Mas a plataforma da coalizão que venceu as eleições, embora sem força de lei, permanece.
O povo judeu tem um direito exclusivo e inalienável sobre todas as áreas da Terra de Israel. O governo promoverá e desenvolverá a colonização de todas as partes da Terra de Israel – na Galiléia, no Negev, no Golã, na Judéia e na Samaria.
Judéia e Samaria se referem à Cisjordânia, território palestino ocupado militarmente por Israel.
As colinas de Golã são reconhecidas pela comunidade internacional como território da Síria.
Mais que a plataforma, pela primeira vez Netanyahu trouxe diretamente colonizadores para postos ministeriais e colocou políticos de extrema-direita em postos-chave.
O ministro da Justiça Yariv Levin, o das Finanças Bezalel Smotrich e o da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, são três exemplos.
Levin, do Likud, encabeça a batalha contra os freios e contrapesos que limitam o poder de Netanyahu.
Smotrich, do Partido Sionista Religioso, está interessado acima de tudo na "guerra cultural" contra o secularismo. Ele já escreveu:
Se quiserem acabar com crianças superficiais e confusas que sofreram lavagem cerebral dos progressistas, que não tem identidade nacional, pessoal ou de gênero, que são desprovidas de valores e desligadas de sua identidade e raízes judaicas, coloque-as numa escola secular estatal; se você quer dar aos seus filhos uma educação moral com raízes judaicas, crianças ligadas à identidade e ao seu povo, saudáveis e estáveis, com coragem e orgulho nacional, mande-as para uma escola religiosa estatal.
Mal comparando, no Brasil o bolsonarismo promoveu as escolas militares como forma de combater os mesmos "males".
Smotrich defende tribunais rabínicos e que as leis em Israel sejam subordinados à Torá, o livro sagrado. Em entrevista, disse:
Israel, com a ajuda de Deus, mais uma vez se comportará como fez nos dias do Rei David e do Rei Salomão -- de acordo com a lei da Torá, com, é claro, adaptações à era moderna
Itamar Ben Gvir ficou de fora do gabinete de guerra apesar de ser ministro da Segurança Nacional.
Ele representa os colonizadores de território palestino no governo, por ser um deles.
Ben Gvir já foi condenado por incitação ao racismo e por apoio ao Kach, um movimento fundado pelo rabino estadunidense Meir Kahane.
Kahane, assassinado em Nova York em 1990, escreveu o livro "Eles tem de partir", referindo-se aos árabes hoje em território de Israel.
Na capa do livro, o subtítulo:
Quanto tempo Israel pode sobreviver sua crescente e maligna população árabe?
“Para judeus e árabes em Israel só há uma resposta – separação. Judeus na sua terra, árabes na deles. Separação. Apenas separação", ele propôs no livro, escrito em 1980.
Kahane sustentava que Israel e democracia são incompatíveis, pois esta teria de garantir direitos aos 7 milhões de árabes que hoje vivem no que um dia foi a Palestina. Ele apoiava esquemas para indenizar árabes que deixassem Israel.
Provocado a definir quais seriam as fronteiras da Terra Prometida, ele disse:
A fronteira sul vai até El Arish, que abrange todo o norte do [deserto do] Sinai, incluindo Yamit [no Egito]. A leste, a fronteira segue ao longo da parte ocidental da margem leste do rio Jordão, portanto, parte do que hoje é a Jordânia. Eretz Yisrael [Grande Israel] também inclui parte do Líbano e certas partes da Síria, e parte do Iraque, até o rio Eufrates
Perseguir essa ideia levaria a uma "guerra perpétua".
O grupo Kach foi formalmente proibido em Israel pelas posições racistas, mas a influência dos seguidores de Kahane nos círculos de extrema-direita só cresceu.
Depois do ataque do Hamas, Ben Gvir anunciou a compra pelo governo de 10 mil rifles de assalto que serão distribuídos a colonos israelenses e civis que convivem com a população árabe.
Recentemente, ele se envolveu em uma polêmica depois de declarar, em relação à Cisjordânia ocupada:
O meu direito, o direito da minha esposa e dos meus filhos de se movimentarem pela Judéia e Samaria é mais importante do que a liberdade de movimento dos árabes
Ben Gvir foi criticado pela modelo israelense Bella Hadid, que vive nos Estados Unidos, e respondeu que ela é "odiadora de Israel".
O ministro já fez visitas -- inusitadas para alguém no cargo dele -- ao Monte do Templo, uma delas acompanhado por mil colonizadores.
É um local considerado sagrado por judeus, cristãos e muçulmanos na cidade velha de Jerusalém.
No topo, fica a mesquita de Al Aqsa, cujo nome o Hamas adotou em seu ataque militar contra Israel.
Judeus ultraortodoxos defendem a construção de uma sinagoga na região.
As ideias dos ministros de extrema-direita de Benjamin Netanyahu estão longe de ser majoritárias em Israel.
Mas ganhavam tração na opinião pública antes mesmo do ataque do Hamas,
Foi naturalizado, por exemplo, o uso de Judéia e Samaria para se referir à Cisjordânia.
É onde vivem cerca de 3 milhões de palestinos e 700 mil colonos israelenses.
A Cisjordânia, onde está instalada a Autoridade Palestina, seria o território mais importante para um futuro estado palestino.
Hoje, esta ideia não é levada a sério pelo governo de Israel.
Tudo indica que a "guerra perpétua", prevista pelo rabino Kahane nos anos 80 do século passado, vai ganhar adeptos.