A proposta apresentada pelo Brasil ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a guerra entre o grupo palestino Hamas e o Estado de Israel foi analisada pelo órgão nesta quarta-feira (18) e obteve apoio massivo: foram 12 votos favoráveis em um total de 15.
O texto, entretanto, foi barrado por um único voto contrário: o dos Estados Unidos, causando frustração entre organizações de direitos humanos e a comunidade internacional.
Votaram a favor da proposta brasileira, apesentada pelo diplomata Sérgio Danese: Albânia, China, Equador, França, Gabão, Gana, Japão, Malta, Moçambique, Suíça e Emirados Árabes Unidos, além do Brasil. Rússia e Reino Unido se abstiveram e apenas os EUA votaram contra.
Embaixadora estadunidense no Conselho de Segurança, Linda Thomas-Greenfield argumentou que seu país ficou "desapontado" pelo texto não mencionar o "direito de autodefesa de Israel". O Conselho de Segurança da ONU determina que as resoluções só podem ser aprovadas com o apoio dos cinco membros permanentes da organização: Rússia, China, França, Reino Unido e EUA.
A resolução do Brasil propunha, entre seus pontos principais, o fim do bloqueio e dos bombardeios de Israel à Faixa de Gaza, a criação de um corredor humanitário para proteger civis e a libertação dos reféns israelenses e de outras nacionalidades em poder do Hamas.
Apesar da proposta brasileira ter sido vetada, o fato do texto ter recebido apoio de 12 dos 15 países possíveis é visto como um "ganho" pelo professor Rodrigo Gallo, coordenador da pós-graduação de Política e Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp) e coordenador da graduação de Relações Internacionais do Instituto Mauá de Tecnologia
Em entrevista à Fórum, Gallo classificou como "positivo" o fato do Brasil ter pautado a discussão sobre um cessar-fogo no conflito, visto que se trata de uma discussão complexa até mesmo para "grandes atores" do Conselho de Segurança da ONU.
"Eu acho que é positivo o fato de o Brasil ter conseguido pautar essa discussão. Então, diplomaticamente falando, dá para dizer que isso representa algum tipo de ganho. O fato de o país ter obtido 12 votos favoráveis e duas abstenções não é ruim na atual conjuntura, e eu não digo isso só porque o Brasil agora preside temporariamente o Conselho de Segurança, mas é porque a gente está vendo uma discussão muito complexa acontecendo. E mesmo os grandes atores desse momento têm dificuldades pra conseguir pautar esse tipo de discussão. Então, é um ponto positivo", analisa o especialista.
Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e especialista em Oriente Médio, em publicação nas redes sociais, também avaliou que é "positivo" o Brasil ter recebido 12 votos favoráveis à sua proposta.
"Ponto positivo para governo Lula cuja proposta foi aprovada por França, Malta, Japão, Gana, Gabão, Suíça, Moçambique, Equador, China, Albânia, e Emirados Árabes… Houve duas abstenções (Rússia e Inglaterra) e EUA contra. EUA estão morrendo abraçados com Israel", escreveu Nasser.
No Brasil, o ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, não escondeu a frustração com a rejeição da proposta brasileira no Conselho de Segurança.
"O texto focava basicamente na cessação das hostilidades, na questão humanitária, para a saída dos que estão lá, incluindo os 32 brasileiros, e a ajuda humanitária. Infelizmente não foi possível aprovar, mas do nosso ponto de vista fizemos tudo para que se parasse com o sacrifício humano e dar assistência à população que está no local. Nossa preocupação sempre foi humanitária", afirmou.
Por que os EUA disseram não?
À Fórum, a socióloga Rita Coitinho, doutora em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), integrante do Conselho Consultivo do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) e autora do livro "Entre duas Américas - EUA ou América Latina?", avaliou que o voto contrário dos EUA à resolução do Brasil mostra que o país não busca uma solução negociada para o conflito.
"Isso, infelizmente, confirma a impressão inicial de que os EUA não estão dispostos a encontrar uma decisão negociada. A representante disse que não queriam discutir o texto porque não desejam que o Conselho de Segurança trate desse tema", avalia a socióloga.
"Se a resolução fosse aprovada, a ONU e todos os seus estados-parte seriam chamados a trabalhar pela resolução do conflito, o que inclui os dois adversários geoestratégicos atuais dos EUA, que são a Rússia e a China", analisa ainda.
Já o professor Rodrigo Gallo opina que "aprovar essa resolução também seria uma questão muito complicada" pois envolve "vários atores" com "vários interesses".
"Dificilmente a aprovação de uma resolução como essa de fato resolveria o problema da guerra. A gente está falando de um tipo de questão que opera mais nesse campo da simbologia, do simbolismo, e pode mostrar eventualmente, em caso de aprovação, que a comunidade internacional tem um documento que encaminha um consenso de como o conflito poderia de alguma forma ser atenuado, ser gerenciado. Só que esses documentos sempre têm problemas, a forma como você escreve, a forma como se pontua certas questões, isso agrada a alguns e desagrada a outros, e a gente não pode esquecer que existem vários atores envolvidos e esses atores têm vários interesses que muitas vezes eles não são verbalizados", pontua.