TEXTO A QUATRO MÃOS

Lula e Fernández defendem uma “aliança estratégica bilateral” e foco no Mercosul e Unasul

Os dois presidentes escreveram um texto juntos antes de se reunirem nesta segunda em Buenos Aires. É a primeira viagem internacional de Lula depois da posse

Lula e Fernández em encontro num hotel em São Paulo em 31 de outubro, logo depois da vitória.Créditos: Esteban Collazo/PR Argentina
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Os presidentes  Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil) e Alberto Fernández (Argentina) lançaram um artigo assinado por ambos no jornal argentino Perfil antecipando a agenda do encontro que ambos manterão em Buenos Aires nesta segunda-feira (23). É a primeira viagem internacional de Lula depois da posse.

O jornal Perfil é de propriedade da família Fontevechia e integra um grupo midiático com iniciativas na Argentina, Brasil, Uruguai, Portugal, Angola e China. No Brasil, as revistas Caras, Contigo e Placar são as mais conhecidas do grupo. 

No texto, falam em “relançar a aliança estratégica bilateral, com a  reativação de diversos espaços de cooperação e diálogo” e enfatizam a prioridade dos dois países para a reativação do Mercosul e Unasul.

Eles destacaram a importância da "reindustrialização das nossas economias, com geração de emprego de  qualidade e investimentos em inovação". 

De acordo com o artigo, em linha com a prioridade para a integração regional, "não podemos depender de fornecedores externos para termos acesso a insumos e bens essenciais para o bem-estar das nossas populações".

Leia a íntegra do texto em português:

Dois povos irmãos voltam a se encontrar. Amanhã nos reuniremos em Buenos Aires para o primeiro encontro presidencial entre o Brasil e a Argentina em mais de três anos. Logo depois será realizada a VII Cúpula da CELAC, foro que reúne os 33  países da América-Latina e do Caribe e que, desde o ano passado, está sob a presidência da Argentina. O evento representará a volta do Brasil a esse mecanismo de diálogo e concertação regional. Essa relação nunca deveria ter sido interrompida e a história de  irmandade latino-americana faz com que seja retomada.

Ambos os encontros marcam um momento de recomeço, justamente no ano em que celebraremos o bicentenário das nossas relações diplomáticas.

Em Buenos Aires, vamos relançar a aliança estratégica bilateral, com a  reativação de diversos espaços de cooperação e diálogo. São múltiplas as áreas em que voltaremos a atuar juntos em temas importantes para a qualidade de vida das nossas populações, como o combate à fome e à pobreza, saúde, educação, desenvolvimento sustentável, mudança climática e redução de todas as formas de desigualdade. De uma vez por todas, a história será escrita pelos nossos povos.

Vamos fortalecer o papel da sociedade civil, dos governos estaduais e municipais e dos Parlamentos como atores dessa reaproximação. Sabemos que o sonho de estarmos unidos agora é uma realidade possível.

Os laços entre a Argentina e o Brasil têm como fundamento a consolidação da paz e da democracia. Queremos democracia para sempre. Ditadura nunca mais. Condenamos todas as formas de extremismo antidemocrático e de violência política.

A reindustrialização das nossas economias, com geração de emprego de  qualidade e investimentos em inovação, merecerá atenção especial. O comércio entre a Argentina e o Brasil já tem alta participação de produtos industrializados em setores estratégicos. A integração entre as nossas cadeias produtivas contribui para mitigar choques externos, como os que ocorreram durante a pandemia. Não podemos depender de fornecedores externos para termos acesso a insumos e bens essenciais para o bem-estar das nossas populações.

Contamos com um setor privado dinâmico e empreendedor, cuja contribuição ao processo de integração bilateral é cada vez mais necessária. Compartilhamos o firme propósito de fortalecer os já sólidos laços de comércio e investimentos entre os nossos países e promoveremos um seminário empresarial no contexto da visita presidencial.

Os nossos países continuarão desempenhando um papel fundamental para a segurança alimentar em um mundo afetado por riscos geopolíticos e graves interrupções nas cadeias de abastecimento. 

Estamos comprometidos em dotar a nossa  agropecuária de elevados padrões de sustentabilidade e a manter seus altos níveis de produtividade.

Desejamos impulsionar projetos no campo da infraestrutura. Um tema central deste novo momento é a integração energética. A interconexão elétrica entre os nossos países já é uma realidade e a integração gasífera tem potencial para se tornar um dos projetos estratégicos da relação bilateral, com ganhos duradouros em atração de investimentos, geração de empregos e para a nossa segurança energética. 

Consolidaremos a nossa posição de detentores de tecnologia nuclear para fins  pacíficos, fortalecendo a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares e dando continuidade a projetos ambiciosos como o do reator  multipropósito. 

Com a reativação do Grupo de Trabalho Conjunto sobre Cooperação  Espacial, vamos colocar em órbita satélites para a realização de estudos costeiros e oceanográficos.  

A relação fluente e dinâmica entre o Brasil e a Argentina é fundamental para o  avanço da integração regional. Juntamente com os nossos sócios, queremos que o Mercosul constitua uma plataforma para a nossa efetiva integração ao mundo, por meio da negociação conjunta de acordos comerciais equilibrados e que atendam aos nossos objetivos estratégicos de desenvolvimento.

Pretendemos superar barreiras às nossas trocas, simplificar e modernizar regras e incentivar o uso de moedas locais. Também decidimos avançar nas discussões sobre uma moeda comum sul-americana que possa ser utilizada tanto para fluxos financeiros quanto comerciais, reduzindo os custos de operação e diminuindo a nossa vulnerabilidade externa.

Trabalharemos juntos pelo resgate e pela atualização da Unasul, com base no seu inegável patrimônio de realizações. 

A Argentina e o Brasil estão decididamente engajados na construção de uma América do Sul forte, democrática, estável e pacífica. 

Precisamos lidar com um mundo cada vez mais complexo e desafiador, e temos ampla convergência sobre a agenda multilateral. Falta vontade política efetiva para  enfrentar os dilemas atuais e as grandes crises: mudança climática, pandemias, guerras, fome e imigração. A ONU e o G20 devem contribuir para preencher essa lacuna de  liderança em prol da mudança. Ambos podem impulsionar pautas inclusivas, emitindo  sinais claros para a atuação de organizações como a OMC, o FMI e o Banco Mundial. Vamos atuar de forma colaborativa em benefício da paz e do desenvolvimento.

O mundo mais justo e mais solidário que almejamos somente será viável se tivermos a coragem de ousar moldar o nosso futuro em comum. Esse é o sentido estratégico da integração bilateral. Não existe nada mais emancipador do que a irmandade dos povos que vêm dos  primórdios da nossa história para tomar posse do seu futuro.