AUTORITARISMO

El Salvador: O que acontece no país que tem 2% da população adulta na prisão

Com a desculpa de “combater o crime”, país escolheu como presidente Nayib Bukele, um líder autoritário que afronta os outros poderes constitucionais enquanto encarcera aqueles que estão “fora da lei”

Nayib Bukele, presidente autoritário de El Salvador.Créditos: Redes sociais/Reprodução
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Jovem e cheio de planos para seu país, El Salvador, Nayib Bukele, filho de um imã (liderança muçulmana) palestino com uma mulher católica, chegou ao seu primeiro cargo político aos 30 anos, em 2012, ao ser eleito prefeito na cidade de Nuevo Cuscatlán. Por lá tomou posturas vistas por todos como nobres e em prol da população e da transparência com a coisa pública, doando seu salário, aumentado a quantidade de servidores da localidade e dando gordos reajustes em seus holerites, um passo essencial para que, três anos depois, em 2015, se tornasse prefeito de San Salvador, a capital do país.

No comando da principal cidade salvadorenha também foi visto como um herói, já que revitalizou os mais emblemáticos bairros do município, com ênfase no resgate urbanístico das áreas históricas. Virou uma celebridade e passou a ser reverenciado com seu programa “uma obra por dia”, que previa um total de mais de mil obras no prazo de três anos em que ficaria no poder. Nayib Bukele era uma febre e naturalmente percebeu que poderia ir mais longe: queria a Presidência da República, e conseguiu. Aos 38 anos, em fevereiro de 2019, foi eleito para a chefia do Estado com 53% dos votos.

O início da carreira política de Bukele foi em partidos de esquerda, como a FMLN (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional) e o CD (Cambio Democrático) e seu discurso era afinado com esse espectro político, desde posições mais radicais às pautas mais moderadas e caras à centro-esquerda. No entanto, a partir das aspirações presidenciais, o jovem político passou a adotar estilo autoritário, personalista e profundamente reacionário, criminalizando as antigas siglas das quais fez parte e todo o aparato institucional dos outros poderes da República, principalmente do Legislativo.

Em 2020, ao ver que seus planos autoritários de “combate ao crime” poderiam ser frustrados pelo parlamento, invadiu o Congresso com tropas fortemente armadas e discursou ameaçando explicitamente um golpe, caso não tivesse “carta branca” para seguir com seus planos.

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Guerra “ao crime” e encarceramento em massa

Desde que assumiu o mandato, Bukele colocou o “combate ao crime” no centro das discussões públicas em El Salvador. Há que se reconhecer que o país, até poucos anos, era considerado o mais violento do mundo, mas os métodos e ações do chefe de Estado promoveram uma caçada indiscriminada a supostos criminosos e então verdadeiras multidões passaram a ir para trás das grades.

Só que o ponto alto dessa sanha desmedida por prender todo mundo teve início no final de março deste ano, quando 36.277 pessoas (31.163 homens e 5.114 mulheres) foram detidas e encaminhadas para as já precárias e bárbaras penitenciárias do país, segundo as autoridades (orientadas pelo presidente), por participarem de “gangues”, a forma como são chamados os grupos do crime organizado em El Salvador.

Somando todos os presos na nação centro-americana, são aproximadamente 80 mil pessoas colocadas em celas superlotadas do país, o que equivale a mais de 2% da população adulta salvadorenha, um verdadeiro absurdo e a maior taxa de encarcerados do planeta. Para a Anistia Internacional (AI), o que vem ocorrendo na gestão de Bukele não é um combate ao crime, mas sim “violações massivas e sistemáticas dos direitos humanos”.

Ativistas, críticos e membros da comunidade internacional se mostram céticos sobre a tal eficiência das políticas de “combate ao crime” de Bukele, que para eles é no fundo uma clara suspensão das liberdades civis básicas e do direito ao devido processo legal, que resultou inequivocamente na detenção de milhares de cidadãos inocentes de comunidades pobres e marginalizadas. Os dados levantados pelo jornal salvadorenho El Diario de Hoy mostram que pelo menos 21 detentos morreram sob custódia do Estado com sinais de violência ou tortura, alguns menores de idade com até 12 anos.

“Certamente nunca vimos detenções arbitrárias em escala tão grande em um espaço de tempo tão curto, é extremamente angustiante... É devastador ouvir famílias de pessoas que já vivem na pobreza e não têm acesso a saúde, educação e água potável, agora terem que se preocupar não apenas com onde e como seus familiares estão, mas também se eles serão os próximos a serem presos”, disse Erika Guevara Rosa, diretora da Anistia Internacional para as Américas em entrevista ao jornal britânico The Guardian.

A popularidade acima de 90% por suas ações autoritárias, que renderam até um perfil no Twitter com mais de 4 milhões de seguidores no qual Bukele se autodenomina de forma cínica como “o ditador mais legal do mundo”, tem servido de combustível para o líder populista seguir em frente com seu programa sinistro de “limpeza” da sociedade.

“Ele é sustentado por um tremendo apoio popular... As pessoas o veem como um herói absoluto… Não poderia ser mais aplaudido pela maioria da população e faz uma propaganda maravilhosa disso... Está tudo bem e agradável, a menos que você tenha um filho jogado na cadeia”, afirmou ironicamente e indignado Fabrício Altamirano, o dono do Diario de Hoy, a publicação que denuncia todos os dias as violações ocorridas em El Salvador.