“É evidente que, hoje, existem dois párias no continente: Iván Duque e Jair Bolsonaro, presidentes da Colômbia e do Brasil. São dois governos de extrema-direita, que vêm aplicando de forma arrasadora as políticas dos organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI)”. As palavras são do presidente da Central Unitária de Trabalhadores (CUT), Francisco Maltés, que recebeu jornalistas brasileiros da ComunicaSul nesta sexta-feira (20), em Bogotá, faltando pouco mais de uma semana para as eleições que podem mudar a história da Colômbia.
Na avaliação de Maltés, a candidatura de Petro é resultado dos levantes populares contra as duras reformas impostas pelo governo:”Uma mudança de rumo que começou em 21 de setembro de 2019, quando milhões de pessoas saíram às ruas para expressar o seu inconformismo com Duque, que anunciou, de uma só vez, reformas trabalhista, previdenciária e tributária. Obviamente gerou indignação na maioria da população e o governo preferiu impor a repressão ao invés da negociação”.
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Este comportamento autoritário, alinhado à precarização do trabalho em benefício das transnacionais e do setor financeiro, produz uma “tendência em eleger governos alternativos, progressistas, de centro-esquerda”. “Na Colômbia, estamos próximos de, pela primeira vez, cumprirmos com esta tarefa. Da mesma forma que faremos todo o esforço político que esteja ao nosso alcance para que o Brasil volte a ser governado por forças alternativas, com Lula presidente, para que este continente tenha uma importante maioria progressista”, acrescentou.
De acordo com o dirigente sindical, é fundamental que “voltemos a nos guiar pela ideia da integração latino-americana, algo que obviamente não é bem visto pelos organismos internacionais, que priorizam os Tratados de Livre Comércio (TLC) e que desejam que nos mantenhamos dependentes, como meros exportadores de bens primários”. “Estamos muito esperançosos que a Colômbia e o Brasil sejam as peças que faltam, hoje, para este giro que colocará a cooperação regional, a integração e as políticas sociais no lugar do que predomina atualmente na política comercial: as leis ferozes do mercado, ditadas pelo estrangeiro”, frisou.
Esta lógica da subserviência custa caro, exemplificou, porque se transforma em verdadeiros banhos de sangue, infelizmente frequentes na história da Colômbia. Apenas no último estallido social (no português, levante ou explosão social), lembrou, “houve 88 mortos, cuja responsabilidade, em sua maioria, foi atribuída à Força Pública,conforme aponta o informe da Universidade dos Andes – que é a instituição em que se educam os filhos do establishment político – e da Organização Não-Governamental (ONG) Temblores. Foram cometidas 98 amputações de olhos, agressões por sexo e de viés de gênero”.
Para Maltés, a virada já começou: “Esse anseio por mudanças se expressou nas urnas em 13 de março deste ano, quando pela primeira vez na história do nosso país as forças alternativas conquistam uma terça parte das cadeiras do Congresso da República”.
“De 367 parlamentares temos 130 no conjunto das Câmaras Alta [Senado] e Baixa [Deputados]. Esta votação histórica e este estallido social reforçam a sensação que existe uma sede por transformações na Colômbia. Aspiramos que essa onda se consolide no dia 29 de maio, quando o candidato que vem se mantendo em primeiro lugar nas pesquisas, Gustavo Petro, pode chegar pela primeira vez à presidência da República”.
Amplitude contra o obscurantismo
O líder colombiano ressaltou a amplitude construída a partir das multitudinárias manifestações de rua na Colômbia, que reuniu cerca de 30 setores da sociedade organizada, em que o movimento social teve papel destacado “Os setores políticos alternativos, em contrapartida, se alimentaram também desse estallido social, ganhando força. Esse processo conectou setores como a juventude, movimentos indígenas, camponeses, vítimas da violência, trabalhadores e trabalhadoras, Todos estão, agora, aglutinados na campanha do Pacto Histórico com Gustavo Petro e Francia Márquez [candidata à vice-presidência]”.
Maltés pondera que, em caso de vitória, o futuro governo deve ter caráter de transição. Para o contexto colombiano, isso teria peso enorme, pois romperia com a herança neocolonial de séculos de subserviência. “Há pequenos empresários somando-se à campanha do Pacto Histórico, além de empresários de médio porte, que também mostram simpatia pela candidatura. Há, também, forças políticas que já fizeram parte do establishment nacional e que têm se desprendido desse espectro nos últimos anos”, explica.
“Na campanha, há setores importantes do Partido Liberal que, em suas origens, foi um partido de centro-esquerda e, a partir dos anos 1990, sucumbiu à aplicação do Consenso de Washington em nosso país. Muitos setores importantes têm se direcionado para a campanha de Petro. Outros partidos que também estavam distantes da esquerda têm se somado”, diz.
“É uma campanha com muita amplitude, com muita diversidade, o que expressa a realidade social que vivemos na Colômbia. Há, claro, empresários que bancam o uribismo [linha política referenciada em Álvaro Uribe, ex-presidente de direita que acumula atualmente 295 investigações por corrupção, envolvendo ligação com o narcotráfico] e seu candidato, Federico Gutiérrez. Esses patrões ameaçam seus funcionários de demissão caso votem na oposição. Há várias denúncias nesse sentido. Petro, por sua vez, faz um chamado para que se respeite as opiniões divergentes”.
Um ponto que muito contribuiu para o isolamento da direita, na opinião de Maltés, foi a perda da capacidade da direita em pautar a agenda de manipulação informativa. “Há uma democratização da informação com as redes sociais, mesmo com todos os seus problemas. Os meios tradicionais na Colômbia, propriedade de grandes conglomerados nacionais e internacionais, já não impõem a agenda como faziam antes. Hoje, é possível ter informação real sobre os acontecimentos sem passar necessariamente pelo filtro dessa mídia”, declarou.
“Quando contamos a história do ‘estallido social’, às vezes é difícil que acreditem. Todas as reuniões de preparação para a grande paralisação que fizemos foram virtuais. Na etapa final, nas ruas, houve um trabalho de comunicação impressionante”, relatou. Vale recordar que é dos colombianos a insígnia que ‘contagiou’ vários países do continente durante o período de isolamento social, que dizia: “quando o governo é mais perigoso que o vírus, é preciso sair às ruas”.
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