Irmgard Furchner tem 97 anos. Há muitos anos está numa casa de repouso na cidade de Itzehoe, no Norte da Alemanha e por décadas passou incólume pelos olhares dos habitantes da região, embora sua identidade e seu passado fossem conhecidos das autoridades germânicas desde os anos 50.
Quando tinha 18 anos, Irmgard foi a secretária e datilógrafa do campo de concentração de Sttuthof, comandado pelo tenente-coronel Paul-Werner Hoppe, da genocida e sinistra SS nazista. Naquele local morreram mais de 63 mil pessoas, das quais 28 mil eram judeus.
Hoppe foi preso pelos britânicos ao fim da 2ª Guerra Mundial, ficou detido em prisões na Inglaterra e na Escócia, para então ser mandado à Polônia para ser julgado. Só que o nazista fugiu, chegou a viver três anos sob identidade falsa, como paisagista, até ser preso pelas autoridades alemãs em 1953. Condenado, ele cumpriu pena de nove anos e se viu livre em 1966, levando uma vida “normal” até sua morte natural, em 1974.
Nos últimos anos, a promotoria de Itzehoe chegou à conclusão que a secretária de Hoppe, a nonagenária Irmgard Furchner, era cúmplice das atrocidades cometidas pelos nazistas em Sttuthof, já que via tudo, ouvia tudo e jamais fez qualquer coisa em relação ao genocídio cometido, mesmo depois que a Alemanha foi derrotada e os tribunais passaram a julgar os subordinados de Adolf Hitler.
Uma ação, então, foi aberta, só que num tribunal de menores, já que a “senhorinha” tinha 18 anos na época em que esteve empregada no funesto campo nazista, e a maioridade naquela época era apenas após os 21 anos. A acusação imputada a ela? Cumplicidade para ocultar 11.380 assassinatos, minuciosamente contados e que de alguma forma ocorreram durante o período em que Irmgard esteve em Sttuthof.
Em 2021, intimada pelo juiz da Corte de Menores de Itzehoe a comparecer às suas audiências, a mulher de 97 anos disse ao magistrado que ele “não esperasse sua participação presencial”, alegando ser aquele um julgamento absurdo, além de lembrá-lo de sua avançadíssima idade e saúde delicada. Um dia antes da audiência, Irmgard saiu da casa de repouso onde vive, tomou um táxi e fugiu, mas foi capturada pelo polícia horas depois.
Agora, a promotoria de Itzehoe pediu como pena à nonagenária dois anos de liberdade condicional, uma pena branda diante da atrocidade descomunal atribuída a ela, mas que foi definida com base na lei alemã para menores de idade atual, levando em consideração também a idade quase centenária da ré e seu estado físico fragilíssimo.
A Justiça da Alemanha moderna, um estado democrático, plural e que procura reparar irrepreensivelmente todas as tragédias que o nazismo um dia produziu, deu a Irmgard uma sentença que a responsabiliza pelo seu crime, mas sem tirar da idosa sua dignidade, o que ela e os nazistas a quem serviu jamais permitiram ser concedido às vítimas do Holocausto.