ANTES TARDE DO QUE NUNCA

Quem é a “senhorinha” de 97 anos acusada de ser cúmplice em 11.380 assassinatos

Ela será julgada como adolescente, já que à época dos crimes tinha 18 anos. Um ano antes, aos 96 anos, ela até fugiu da casa de repouso, de táxi, para não ir à corte. Entenda a história

Irmgard Furchner, 97 anos, em seu julgamento.Irmgard Furchner foi secretária de um campo de concentração nazista quando tinha 18 anos. Agora, com quase 100, está no banco dos réusCréditos: YouTube/Reprodução
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Irmgard Furchner tem 97 anos. Há muitos anos está numa casa de repouso na cidade de Itzehoe, no Norte da Alemanha e por décadas passou incólume pelos olhares dos habitantes da região, embora sua identidade e seu passado fossem conhecidos das autoridades germânicas desde os anos 50.

Quando tinha 18 anos, Irmgard foi a secretária e datilógrafa do campo de concentração de Sttuthof, comandado pelo tenente-coronel Paul-Werner Hoppe, da genocida e sinistra SS nazista. Naquele local morreram mais de 63 mil pessoas, das quais 28 mil eram judeus.

Irmgard Furchner jovem, na época em que era secretária em Sttuthof, e atualmente

Hoppe foi preso pelos britânicos ao fim da 2ª Guerra Mundial, ficou detido em prisões na Inglaterra e na Escócia, para então ser mandado à Polônia para ser julgado. Só que o nazista fugiu, chegou a viver três anos sob identidade falsa, como paisagista, até ser preso pelas autoridades alemãs em 1953. Condenado, ele cumpriu pena de nove anos e se viu livre em 1966, levando uma vida “normal” até sua morte natural, em 1974.

Nos últimos anos, a promotoria de Itzehoe chegou à conclusão que a secretária de Hoppe, a nonagenária Irmgard Furchner, era cúmplice das atrocidades cometidas pelos nazistas em Sttuthof, já que via tudo, ouvia tudo e jamais fez qualquer coisa em relação ao genocídio cometido, mesmo depois que a Alemanha foi derrotada e os tribunais passaram a julgar os subordinados de Adolf Hitler.

Uma ação, então, foi aberta, só que num tribunal de menores, já que a “senhorinha” tinha 18 anos na época em que esteve empregada no funesto campo nazista, e a maioridade naquela época era apenas após os 21 anos. A acusação imputada a ela? Cumplicidade para ocultar 11.380 assassinatos, minuciosamente contados e que de alguma forma ocorreram durante o período em que Irmgard esteve em Sttuthof.

Em 2021, intimada pelo juiz da Corte de Menores de Itzehoe a comparecer às suas audiências, a mulher de 97 anos disse ao magistrado que ele “não esperasse sua participação presencial”, alegando ser aquele um julgamento absurdo, além de lembrá-lo de sua avançadíssima idade e saúde delicada. Um dia antes da audiência, Irmgard saiu da casa de repouso onde vive, tomou um táxi e fugiu, mas foi capturada pelo polícia horas depois.

Agora, a promotoria de Itzehoe pediu como pena à nonagenária dois anos de liberdade condicional, uma pena branda diante da atrocidade descomunal atribuída a ela, mas que foi definida com base na lei alemã para menores de idade atual, levando em consideração também a idade quase centenária da ré e seu estado físico fragilíssimo.

A Justiça da Alemanha moderna, um estado democrático, plural e que procura reparar irrepreensivelmente todas as tragédias que o nazismo um dia produziu, deu a Irmgard uma sentença que a responsabiliza pelo seu crime, mas sem tirar da idosa sua dignidade, o que ela e os nazistas a quem serviu jamais permitiram ser concedido às vítimas do Holocausto.