Quem é Pedro Castillo, o sindicalista que se elegeu presidente do Peru

Revoluciónario na economia, conservador nos costumes, o o presidente eleito conquistou as classes baixas com a promessa de mais participação popular

Pedro Castillo | Reprodução/Redes Sociais
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Pedro Castillo, professor e sindicalista de 51 anos que se lançou à presidência com o partido Peru Livre, foi finalmente reconhecido presidente eleito do Peru. Nesta segunda-feira (19), o Jurado Nacional de Eleições reconheceu oficialmente o triunfo do candidato.

Com Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto Fujimori, como adversária, o socialista travou uma dura disputa que foi decidida voto a voto. Mapas de apuração indicam que ele conseguiu conquistar o apoio popular das classes mais baixas e dos redutos mais interiorizados do país.

“Obrigado povo peruano por este triunfo histórico! Chegou o momento de chamar todos os setores da sociedade para que construamos juntos, neste Bicentenário, um Peru inclusivo, um Peru justo, um Peru Livre. Sem discriminação e pelos direitos e tudo”, afirmou o presidente nesta segunda em suas redes sociais. "Convocamos os povos afro, litorâneos, andinos e amazônicos, à classe trabalhadora e seus sindicatos, às comunidades indígenas e camponesas e a toda a sociedade a construir esta pátria maravilhosa. Hoje, irmãos e irmãs, começa uma nova etapa da nossa história", completou.

A posse será realizada na quarta-feira da próxima semana, 28, quando o Peru completa seu bicentenário.

Castillo azarão?

Assumidamente de esquerda, o presidente Pedro Castillo, do partido marxista-leninista-mariateguista Peru Livre ganhou o primeiro turno de forma surpreendente, principalmente com o respaldo do interior. Em uma eleição hiperfragmentada, ele alcançou mais de 18% dos votos e ocupou a dianteira na apuração. Logo atrás, surgiu Keiko, da Força Popular.

Se foi azarão no primeiro turno, no segundo ele mostrou que seu apoio popular era real e conquistou o país mesmo após a união em torno de Keiko formada por grupos midiáticos e pelas elites políticas liberais, incluindo o escritor Mário Vargas Llosa. Com 100% apurado, Castillo levou 50.126% dos votos contra 49.874% de Keiko. A margem, apertada, é ligeiramente superior a das eleições de 2016, quando Pedro Paulo Kucinski, o PPK, venceu a filha do ex-ditador por apenas 0,24 ponto percentual.

Quem é Pedro Castillo?

Professor na província de Cajamarca, Castillo ganhou projeção nacional quando liderou a greve nacional de docentes de 2017, que paralisou as aulas por três semanas exigindo melhores condições para profissionais de educação. Não é à toa que seu slogan eleitoral é "Palavra de Mestre" e seu símbolo é um lápis gigante.

Terceiro de nove irmãos, desde cedo conheceu a desigualdade no país andino. Começou seus estudos na Escola Rural N° 10465 e depois foi para uma unidade educacional localizada a duas horas de distância, que percorria a pé. Na juventude, trabalhou pela proteção de seu povo. Castillo foi parte dos grupos "ronderos" nos anos 70, que protegiam os campesinos e agricultores sem assistência do Estado no interior do país. Os ronderos também atuaram para resguardar os povos diante da escalada de violência promovida pelo Sendero Luminoso e pelas Forças Armadas nos anos 80-2000.

Racismo

Sua atuação no interior e seu linguajar popular foram alvo de xenofobia, racismo e classimo durante as eleições, conforme apontou à Fórum a historiadora Alejandra Bernedo, pesquisadora da Universidade Nacional de San Marcos e editora do portal Politeama.pe. Para Bernedo, isso pode ser um desafio até em um eventual governo. "É inegável o racismo que terá de enfrentar caso seja eleito. Ao longo da campanha eleitoral, vimos isso contra ele e seus seguidores nas redes sociais. Ele fala com sotaque regional e certos elementos de uma variante do quíchua. Tudo isso está relacionado ao desconhecimento, ao atraso, aos discursos racistas e classistas", afirmou.

Fujimorismo

Essa postura preconceituosa não é algo muito difícil de esperar do fujimorismo. Durante seu regime, o ex-ditador Alberto Fujimori trabalhou com uma verdadeira limpeza étnica no país, com esterilizações forçadas a mulheres indígenas e campesinas. Cerca de 200 mil foram vítimas dessa violência, que ainda não foi julgada. Herdeira familiar e política do ex-mandatário, Keiko Fujimori minimiza isso e alega que trata-se apenas de políticas de controle de natalidade. Apesar de um possível exemplo dentro de casa - a própria mãe -, Keiko nega que houve tortura no período.

Além da violência de Estado, o governo repressivo foi marcado pela adesão ao neoliberalismo e a implementação de uma nova Constituição, que ainda não foi revista. Entre as principais propostas de Castillo está, justamente, a de convocar uma Assembleia Constituinte com o objetivo de enterrar o legado fujimorista - situação que lembra a mobilização no Chile contra a herança de Augusto Pinochet.

Nova Constituição no Peru

O programa do Peru Livre prevê o abandono do neoliberalismo e a construção de uma “Economia Popular com Mercados”, com um forte papel do Estado, além da estatização de reservas. Anjhela Priale, administradora que foi candidata pelo Peru Livre nesse pleito, disse à Fórum que “a orientação básica e elementar sobre a nova Constituição é recuperar a soberania sobre nosso país e nossos recursos naturais”. “Não administramos nossos recursos e não temos opção para renegociar os contratos das concessões ou criar estatais. Além disso, essa Constituição foi elaborada pela ditadura Fujimori”, aponta.

Apesar de ser uma das promessas fundamentais, as manobras de Keiko acabaram retirando um pouco de força da pauta. O que parece emergir como solução para isso é a convocação de um plebiscito para definir se haverá ou não uma Constituinte no pais.

Mulheres e minorias

Revolucionário na economia, mas conservador nos costumes, o candidato tem posições controversas sobre direitos das mulheres e minorias. Contrário ao matrimônio igualitário e à educação com perspectiva de gênero, Castillo é criticado por movimento sociais progressistas por essa postura. Ao contrário de Keiko Fujimori, ele afirma que não está fechado ao avanço desse debate.

Principal representante dessas pautas, a antropóloga feminista Verónika Mendoza, 6ª colocada nas eleições, está ao lado de Castillo no segundo turno. Mendoza afirma que há um caminho para o diálogo nesses temas. Essa foi a principal cobrança dela quando saiu o resultado do primeiro turno e gerou um pacto de 10 pontos em que o professor se compromete a aprofundar a democracia e a respeitar as minorias, os povos originários e os direitos humanos.

Após a vencer a disputa, o presidente Pedro Castillo demonstrou estar mais aberto aos debates de minorias. Por isso, há expectativas de como isso vai se refletir em seu gabinete.

Sendero Luminoso

A confirmação da vitória de Pedro Castillo como presidente abriu ainda um novo caminho para a esquerda peruana, que tem sido vítima do "fantasma" do Sendero Luminoso. Quando candidato, ele foi vítima do chamado "terruqueo", quando se atribui o alinhamento ao terrorismo a alguém de esquerda, mas isso parece não ter surtido grandes efeitos.

“A associação de qualquer personagem minimamente progressista ao terrorismo é uma constante no Peru, eles têm até nome para isso: terruqueo. Mesmo o presidente Sagasti, um liberal, já foi ‘terruqueado’. O massacre atribuído ao Sendero Luminoso na semana passada abriu espaço para as manifestação de sábado contra o terrorismo, mas parece que a repercussão foi residual. Além disso, acusações muito esdrúxulas contra Castillo não pararam desde que ele se mostrou um candidato viável, então não aparece como novidade para muita gente mais. Talvez o ‘terruqueo’ tenha se desgastado”, avalia o sociólogo Raul Nunes, do Núcleo de Estudos de Teoria Social e América Latina (NETSAL) do IESP-UERJ.

Esta reportagem foi publicada originalmente em 7 de junho e atualizada no dia 19 de julho, às 22h