Historicamente, março é um mês de turbulência política no Paraguai. Desde o fim da Guerra da Tríplice Aliança (ou Guerra do Paraguai), que promoveu um verdadeiro genocídio no povo paraguaio, o mês é um dos mais temidos pelos mandatários do país por conta de manifestações que marcaram época. Em 2021, ocorreu mais uma delas.
Desde o dia 5, o povo paraguaio está mobilizado contra o governo do direitista Mario Abdo Benítez, da Associação Nacional Republicana (ANR), o Partido Colorado. As principais reivindicações giram em torno do colapso do sistema de saúde do país diante da Covid-19. O país ficou sem leitos disponíveis com a tragédia da pandemia, que ganhou novas dimensões com a chegada da variante brasileira a P1 (de Manaus).
A insatisfação surgiu diante da inoperância de Abdo diante da tragédia, mas também se relacionou com casos de corrupção e com o fracasso econômico do país. A mobilização, que tomou a capital Assunção, derrubou ministros e fez a Câmara de Deputados avaliar um processo similar ao impeachment, o juicio político.
Com a hegemonia do Partido Colorado, esse o pedido foi negado, mas deixou marcas. A sede da ANR, que governa o país desde a ditadura de Stroessner foi incendiada após conflitos nas ruas (três manifestantes foram presos) e o presidente ficou sumido por mais de 20 dias, reaparecendo apenas na última sexta-feira (26), na cúpula do Mercosul.
O recrudescimento da pandemia (e dos protestos) fez o governo colocar o país em alerta vermelho e decretar um lockdown.
Para fazer uma balanço sobre o mês conturbado, o Fórum América Latina de segunda-feira (30) recebeu a senadora Esperanza Martínez, ex-ministra da Saúde, ex-presidenta da Frente Guasú e co-fundadora do Grupo de Puebla. A principal liderança da frente é o senador e ex-presidente Fernando Lugo, que foi derrubado após um golpe parlamentar em 2012.
Para Martínez, as mobilizações demonstram um cansaço do modelo econômico neoliberal que impera no Paraguai, marcado pelas desigualdades, pela falta de garantia de direitos básicos e pelo alto índice de empregos informais, o que traz instabilidade laboral.
"O Paraguai nos últimos 15 a 20 anos de neoliberalismo teve como resultado o aumento da pobreza, da desigualdade social... A grande diferença da elite que concentra a riqueza com a maioria dos paraguaios gera graves problemas de direitos básicos, como acesso à terra, à moradia, à educação, à saúde, a um trabalho digno. 70% da população tem um emprego informal. Temos sérios problemas para garantir o acesso à educação e à saúde", disse Martínez em entrevista aos jornalistas Lucas Rocha e Rogério Tomaz Jr.
"Um sistema econômico que fortaleceu uma relação assimétrica de grupos econômicos que concentram as riquezas", completou.
A ex-ministra aponta que a precariedade do sistema de saúde, abandonado pelo Partido Colorado, é fundamental para entender o colapso sanitário. "Defendemos um sistema público de saúde durante o governo Fernando Lugo. Instituímos bonos. Era um sistema privado, mas o custo era baixo por conta destes abonos. Nós avançamos para um acesso gratuito, universal", declarou.
Para Martínez, o modelo político paraguaio está em crise. "O modelo hoje está em crise. O Partido Colorado está em crise interna. A sociedade paraguaia começa a compreender que isso que acontece hoje não é apenas peo vírus, mas pelo sistema sanitário precário que nunca teve prioridade na política. A juventude hoje fala 'ANR nunca mais'", declarou.
"Enfrentamos uma crise social que não sabemos onde pode terminar. A saída da população às ruas, autoconvocada, é um importante sinal. Muitas dessas pessoas são pessoas que geralmente ficam em casa, que não participam das marchas regularmente. Acredito que há uma catalisação social que vai ser muito importante para o futuro do Paraguai", finalizou.
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