Povo brasileiro precisa saber quais são seus direitos para que possa ir às ruas, diz Hebe de Bonafini

Em entrevista exclusiva ao Fórum América Latina, a líder das Mães da Praça de Maio, de 92 anos, criticou a "moderação" do presidente Alberto Fernández e falou em viver para a política

Reprodução/Revista Fórum
Escrito en GLOBAL el

A incansável líder das Mães da Praça de Maio, Hebe de Bonafini, fez uma espécie de declaração de amor à luta política durante entrevista ao programa Fórum América Latina (confira na íntegra no fim da matéria), que foi ao ar nesta segunda-feira (11). Aos 92 anos, a militante, que é referência na América Latina, mostra que segue disposta a enfrentar as batalhas que estão postas e as que ainda virão.

"É preciso tomar a política como parte fundamental da vida. A política não é como um pouquinho da vida. É parte fundamental de nossas vidas. Tudo é político, desde que nascemos até morrermos. Então, a juventude tem que aprender que tem que fazer muita política, não se pode depreciar a política. É preciso compartilhar e o mais importante é socializar tudo", declarou a "madre".

Como um exemplo da socialização, ela cita a maternidade compartilhada das lutadoras da Praça de Maio. Através ronda na imponente Praça de Maio, em Buenos Aires, as mães que perderam seus filhos para ditadura militar iniciada em 1976, conhecida como Ditadura do Terrorismo de Estado, denunciavam os abusos cometidos naquele período e visibilizavam a pauta dos desaparecimentos e da violação de direitos humanos.

Hebe lista 30 mil desaparecidos, 15 mil fuzilados, 1 milhão no exílio, 100 mil presos políticos. "Se a gente não tivesse todo dia batalhando, dizendo que nossos filhos eram revolucionários que entregaram a vida pela pátria, ninguém mais falava. Todos abafam. Dizem que é mentira, te difamam, queimam sua casa, te perseguem. Bom, temos que pensar que nossa vida só vale se está a serviço do outro, senão não serve para nada", declarou.

"A luta pela libertação dos povos é como uma luta eterna. Não dá para se cansar. Porque cansar-se de lutar pela liberdade é como cansar-se de respirar. Se não se respira, se vai morrer", disse ainda. "Nenhum projeto é pequeno, nenhum projeto é pouco. Necessitamos milhares de projetos, como formiguinhas, trabalhando no país para que nossas pátrias sejam livres de verdade", agregou.

Consciente dessa luta, ela prega a solidariedade e a lealdade na política e defende que os povos latino-americanos tenham suas referências locais na luta pela libertação. "Temos as nossas próprias raízes, nossas próprias histórias, nossos próprios patriotas. É neles que temos que nos espelhar. Quais patriotas que nos liberaram, o que eles nos ensinaram... Isso pode parecer muito retrógrado, mas não é. É necessário que o povo saiba como teve que se libertar da Coroa Espanhola, dos ingleses, que seguem nos pisoteando, dos ianques, que seguem nos pisoteando pensando que são os donos do mundo. Nós temos que estar bem informados", afirmou.

Brasil e Lula

Sob essa perspectiva, comenta sobre o Brasil. "A população mais simples do Brasil precisa saber quais são seus direitos para que possam reivindicar, sair às ruas, para que sintam que também possuem esses direitos. Quanto mais ignorante o povo, melhor para os ricos, porque podem explorá-los com mais facilidade”, declarou.

"O que fez Lula foi uma maravilha, depois veio Dilma. Como o povo não se lembrou do que fez Lula? Por que não voltou a votar [no PT]? Isso eu não entendo. Me parece que não voltou a votar porque não sabiam, não estão ‘preparados’… Não sei como dizer isso”, declarou em trecho da entrevista à Fórum.

A “preparação” que Hebe fala perpassa a atuação dos atores políticos. Em uma crítica velada à esquerda brasileira, ela diz o seguinte: “Às vezes para que a população vá votar é preciso que você esteja muito tempo antes falando com as pessoas, explicando o que está acontecendo, porque um é melhor, outro não, fazer atos nas praças. Aqui, por exemplo, há uma quantidade enorme de rádios pequenas, dos bairros, que educam um montão”.

A madre compara a situação brasileira com a argentina e cita o ex-presidente Juan Domingo Perón: “O que fazia Perón, que não parecia política, era a melhor política. Ensinar a população quais eram seus direitos. E isso é o que parece faltar no povo do Brasil".

Alberto Fernández

Dentro da seara do peronismo, Hebe critica Alberto Fernández e classifica o presidente como "muito moderado". "O governo começou com muita vontade, mas passaram a acontecer algumas falhas, como ‘vou expropriar isso’, mas não se expropria, ‘vou fazer isso’, mas não se faz.. É um peronismo muito moderado, não é o kirchnerismo de Nestor ou o peronismo de Perón e de Cristina. Talvez por termos feito a coalizão", afirma.

"Quando se formam essas frentes políticas, você que é da política já sabe como vai ser...", completou.

Nesse sentido, critica, principalmente, a demora na Reforma Judicial prometida pelo governo. O texto foi aprovado no Senado Federal, mas não avança na Câmara.

"Quando encontrei o senhor presidente, o primeiro que lhe disse foi isso, que fosse reformado o Poder Judicial. É como se fosse um câncer essa questão do Poder Judicial. [Pedi ainda] que, da mesma maneira que o Macri derrubou a Ley de Medios com uma canetada, ele a retomasse com a mesma caneta. Senão nós não poderíamos governar", contou.

"E é isso que acontece: a mídia, o Poder Judicial e a Suprema Corte são os que mandam. Os meios porque Clarín e La Nación mentem com uma cara de pau... Bem, vocês conhecem bem isso no Brasil...", sentenciou.

Bolívia, Venezuela, Equador

Hebe ainda comentou sobre a situação de outros países da região ao falar com o Fórum América Latina. "Me parece que a América Latina agora, com Equador, com Bolívia, com Venezuela, com Maduro, que é uma maravilha, com a gente, com Cristina e Alberto... Com empurrões aqui e ali, mas vamos caminhando... Vamos ver o que acontece, não é tão fácil", declarou.

"Tivemos em 2020 a sorte de que Evo voltou, que o povo não se esqueceu. São maravilhosos. Me parece que é o mesmo que acontece na Venezuela, com o povo apoiando Maduro. Maduro, pobre homem, faz um trabalho impressionante. O que fazem contra ele... Desde tirar a comida dos supermercados através da Colômbia, até colocar embarcações para tirá-lo do governo... Ainda tem os ingleses, que ficaram com o ouro dos venezuelanos. Cercaram por todos os lados. Não pode dizer que são opositores, são inimigos nossos", avaliou.

Ao fim da entrevista, a histórica liderança social ainda manda um agradecimento a outras referências latino-americanas. "Obrigado aos povos que deram os primeiros passos. Aos cubanos, que são uma maravilha, um exemplo para sempre, a Che, a Fidel, a Chávez, a Maduro, a Lula, a Dilma, a Evo, quem eu gosto tanto. E bom, a Néstor e a Cristina e a todos aqueles que nos vão dando pautas para seguir lutando", finalizou.

Assista à entrevista na íntegra e ao Fórum América Latina desta segunda-feira (11):

https://www.youtube.com/watch?v=z7EemlvS9LM
https://www.youtube.com/watch?v=ujhh072BoWs&feature=youtu.be