Peru aprova lei que profissionaliza o trabalho doméstico

O país andino deu às empregadas e empregados domésticos o mesmo status de qualquer trabalhador, público ou privado, com os mesmos direitos

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O Peru acaba de aprovar uma lei que profissionaliza o trabalho das pessoas que dão duro na casa alheia. Lembremos que o Brasil já havia dado esse passo gigantesco no reconhecimento dos direitos dos trabalhadores domésticos quando, no dia 6 de maio de 2015, o Senado aprovou o projeto de lei (PLS 224/3013) que regulamentou essa profissão.

"Agora sim, nós acabamos de fechar a última senzala brasileira e abolir o ultimo resquício da escravatura", comentou à época o então presidente do Senado, Renan Calheiros, ratificando a formalização de empregados domésticos que passaram a ter jornadas diárias e semanais definidas, entre outros direitos que são comuns a todos os trabalhadores.

O Congresso peruano aprovou neste sábado (5), com 119 votos a favor e 1 contra, o Pleno Mujer, a lei que garante direitos laborais às trabalhadoras domésticas.

No país andino, mais de 400 mil homens e mulheres estão nessa condição: informais. O projeto é resultado de muita luta da classe trabalhadora.

"As trabalhadoras e os trabalhadores domésticos enfrentam todos os dias discriminações étnicas e culturais que giram em torno do trabalho doméstico remunerado. Foram obrigadas a encarar a emergência sanitária (por conta do coronavírus) com muita vulnerabilidade, muitas delas se contagiaram”, disse Carolina Lizárraga, presidente da Comissão da Mulher do Parlamento, reforçando o caráter urgente de regulamentar essa profissão e assegurar direitos a essas pessoas.

Com a nova lei, trabalhadores domésticos terão os mesmos direitos laborais de qualquer outro trabalhador, tanto do serviço público quando privado. Terão direito ao salário mínimo, no mínimo, e não poderão trabalhar mais de 8 horas diárias, chegando a 48 horas semanais. A partir disso, é trabalho extra e deve ser bonificado.

Porém, se por um lado o trabalhador ganha direitos, o empregador está submetido a deveres, como especificar as atividades laborais por meio de um contrato escrito e registrado no Ministério do Trabalho.

A lei ainda pune discriminações e assédios no trabalho. O empregador deve permitir que seu funcionário tenha acesso a escola e não podem contratar menores de 18 anos.

Rosario Sasieta, Ministra da Mulher, celebrou o dia histórico: "venho estreitar esse abraço solidário com todos e todas e dizer-lhes que apoiaremos todos as propostas que beneficiem as mulheres e garotas e que ajudem a superar essas diferenças tão profundas e que já se arrastam há muitos anos. Este não é um tema ideológico, é uma situação em que as mulheres e as meninas precisam acreditar que há um congresso e um executivo que estão ao lado delas".

A assinatura foi enviada ao Executivo para revisão e posterior publicação, no prazo máximo de 15 dias. O governo terá, então, até 90 dias para publicar o novo regulamento. O projeto define também o dia 30 de março como Dia dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Domésticas.

Heranças da senzala

A carteira de trabalho assinada foi uma conquista civilizatória, uma vez que em todas as Américas o trabalho doméstico é uma herança do período escravagista, onde "os de casa" laboram sem direitos e cerceados por deveres.

O filme Roma, do diretor e roteirista mexicano Alfonso Cuarón Orozco (59), vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, retrata bem essa ambivalência do trabalho doméstico. Ali, vemos a rotina de uma família de classe média que explora a mão-de-obra de uma mulher indígena, Yalitza Aparicio, que se desdobra como babá e doméstica. Há uma máscara a exibi-la como alguém de casa, da família, que é um subterfúgio para que ela aceite os açoites que leva em troca de morada e comida, como um animal doméstico.

O filme Que Horas Ela Volta, da paulista Anna Muylaert (56), é um choque de realidade para aqueles que acreditam no mito farsesco de que o empregado do lar é tratado alguém da família. Essa mentira é contada para que o trabalhador explorado não se veja como um trabalhador, mas como alguém que presta favores a uma família que lhe acolhe. No filme de Muylaert, quando a filha Jéssica chega ao trabalho da mãe, ela se choca com a discriminação a que a mãe é submetida e aceita, conformada, como algo normal.

Os patrões, há séculos, reformataram a mente dos que lhes servem. O cão não deixa de lamber a mão do senhor que lhe dá comida, mas que também lhe dá pancadas. São armadilhas ardilosas.

Antes da regulação do trabalho doméstico era comum que meninas, sobretudo no Nordeste do Brasil, fossem levadas "às casas de famílias" ainda menores de idade e, a partir daí, eram deslocadas da sua família, atiradas em um quarto sem janela, sem direito ao descanso remunerado, à escola, ao dentista, ao médico, ao ginecologista, sem status de um ser humano. A elas eram negadas todas as coisas que eram oferecidas aos pets.

Em todos os lugares nas Américas o quadro é o mesmo: famílias brancas de classe média e média alta se valem dos serviços incansáveis de mulheres pobres, pretas, pardas ou indígenas, com pouca ou nenhuma educação formal e que vivem em regiões distantes do local onde trabalham, e que o fazem sem carteira assinada, sem direito a férias, nem seguro de saúde e sem uma jornada definida, podendo dormir no trabalho ou nele permanecer ao bel prazer dos patrões e das patroas.