Preocupado com a democracia nos EUA, Michael Moore alerta para fracasso da defesa ambiental, por Heloisa Villela

No censurado “Planet of the Humans”, Moore levanta dúvidas a respeito das reais intenções ecológicas de bilionários como Michael Bloomberg e Elon Musk

Planet of the Humans, de Michael Moore (Reprodução)
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Michael Moore anda muito preocupado. Com o futuro da democracia americana e com a possibilidade de sobrevivência da nossa espécie no planeta. Diante das queimadas na Amazônia e no Pantanal, ele deve estar ainda mais desesperado. Moore produziu um documentário chamado “Planet of the Humans”, ou Planeta dos Humanos, em tradução livre. Um alerta para o fracasso da luta pela defesa do meio ambiente que já tem meio século. O filme que mostra o quanto as energias renováveis também dependem de combustíveis fósseis e até que ponto grandes organizações da causa verde foram cooptadas por bilionários inescrupulosos.

O filme teve tanta repercussão e provocou tanta gente poderosa que sofreu censura e foi temporariamente banido do YouTube. O respeitado jornalista Max Blumenthal, do site The Gray Zone, dedicado a investigações espinhosas, fez um levantamento detalhado e mostrou que os chamados ativistas profissionais da causa do meio ambiente contaram com o apoio de bilionários que se apresentam como “verdes”, investidores de Wall Street e fundações americanas, para tirar o filme de circulação.

O cineasta e ativista teve a “petulância” de levantar dúvidas a respeito das reais intenções ecológicas de bilionários como Michael Bloomberg e Elon Musk. Essas críticas existem, na esquerda americana, há anos. Mas ninguém dá ouvidos. Já Moore, documentarista consagrado, incomodou de verdade. Por isso a campanha subterrânea para desacreditar e até censurar o filme. Campanha que naufragou e lá se vão mais de vinte milhões de visualizações.

A sobrevivência da espécie é a grande preocupação de Michael Moore. Mas no curto prazo, ele alerta para a manutenção da democracia americana. Ele não é fã do democrata Joe Biden mas tem uma certeza: “com ele a gente briga depois”, disse esta semana em um programa independente aqui dos Estados Unidos.

Em 2016 Hillary Clinton perdeu no Michigan, estado de Michael Moore. E nunca fez campanha por lá. Esse ano, Biden botou os pés no estado apenas uma vez e, segundo o cineasta, desembarcou na cidade errada. Biden visitou o Michigan branco desprezando, outra vez, os eleitores negros do estado. Vamos aos números reveladores que o documentarista apresentou.

Na última eleição presidencial, 80 mil eleitores compareceram à votação para marcar toda a cédula com as preferências democratas entre senadores, deputados, representantes municipais e deixaram em branco, de propósito, a escolha do presidente. Foram 80 mil atos de desagravo ao partido democrata. Hillary perdeu para Trump no estado por apenas 10.704 votos. Mesmo com os 16 votos de Michigan no colégio eleitoral, ela não viraria o jogo. Mas, esse ano, tudo indica que Trump não terá a mesma vantagem da eleição passada e qualquer estado a mais na fileira democrata pode fazer toda a diferença.

Michael Moore está clamando, desesperadamente, pelo envolvimento da campanha de Biden junto ao eleitorado que pode fazer a diferença. Mas ao que tudo indica, o partido está convencido de que a melhor estratégia é convencer conservadores do partido republicano, enjoados de Trump, a votar no democrata.

Vão abrir mão do voto negro do Michigan outra vez? Aonde está Barack Obama que não vai à Detroit e arredores fazer campanha da maneira que é possível? Por que não manda vídeos para o eleitorado local? Ele que manobrou nos bastidores para garantir a candidatura de Biden deveria estar atuando agora.

Mas, os democratas acharam mais negócio alardear o apoio que receberam do republicano e ex-governador do Michigan Rick Snyder. O mesmo que foi responsável pelo envenenamento da água de Flint. O problema começou em 2014, ainda não se resolveu e expos entre 6 mil e 12 mil crianças a uma água contaminada com chumbo. Tudo porque interventores nomeados por Snyder decidiram economizar dinheiro do orçamento municipal substituindo a fonte de água que alimenta a cidade. Passaram a usar o rio onde as empresas despejam todo tipo de resíduo industrial.

Ecologia, qualidade de vida, sobrevivência, futuro, ganância. Criado em um subúrbio de Flint, Michael Moore não se conforma em assistir tudo isso calado. Ele está falando onde pode, com quem quiser ouvir, e alerta: na última eleição, 2% do eleitorado do Michigan votou em um terceiro candidato a presidente. Recusou o nome dos democratas e também dos republicanos. Este ano, diz ele, esse índice pode subir para 5%. Se não agirem agora, mobilizarem Obama, Kamala Harris e quem mais estiver à disposição, podem perder, novamente, 16 votos importantes no colégio eleitoral.

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Uma derrota democrata na disputa presidencial deste ano se tornou um problema de longuíssimo prazo com a morte de Ruth Bader Ginsburg. O país perdeu uma gigante de um metro e cinquenta e dois centímetros. Pioneira na defesa dos direitos da mulher, a juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos tinha 87 anos e lutou bravamente contra um câncer no pâncreas. Nas últimas horas de vida disse a parentes e amigos que tinha, como último desejo, a vontade de que seu assento só fosse preenchido pelo próximo presidente. Até o fim, Ginsburg tinha esperanças de que o lugar que ocupou durante 27 anos fosse honrado com a indicação de um juiz comprometido com a manutenção dos avanços consolidados nas últimas décadas. Vai ser difícil satisfazer o desejo.

Os republicanos não esperaram detalhes sobre o velório para avisar que vão substituir Ginsburg antes do fim do ano. Os mesmos senadores que se recusaram a votar a última indicação de Barack Obama para a Suprema Corte durante 11 meses. Foi a primeira vez na história que um partido bloqueou a indicação de um presidente à Suprema Corte por tanto tempo. A justificativa na época? A eleição estava muito próxima.

Não seria justo que o então presidente indicasse alguém e não o próximo. Faltavam 11 meses! Agora, ainda donos da maioria dos votos no senado, os republicanos já garantem que vão aprovar um novo nome antes das eleições (faltam menos de dois meses) ou, na pior das hipóteses, votarão entre a eleição e a posse do novo presidente.

Resta saber agora qual é o real compromisso dos senadores democratas com o futuro das principais decisões jurídicas do país. Vão espernear e obedecer ou vão lutar com todas as armas ainda disponíveis, como a chamada filibusster?

A estratégia de bloquear qualquer votação com discursos intermináveis foi imortalizada por Jimmy Stewart, no filme Mr. Smigh Goes to Washington. No filme, ele passa 24 horas discursando no senado. Na vida real, o recordista da filibuster foi o senador J. Strom Thurmond que passou 24 horas e 18 minutos discursando contra a Lei dos Direitos Civis, em 1957. Mais recentemente, o senador Rand Paul investiu 13 horas em um discurso contra o uso de drones em ataques americanos no exterior e conseguiu mobilizar o senado para derrubar a indicação de Barack Obama à direção da CIA.

Hoje, os democratas são minoria no senado. Mas somados aos dois independentes, são 47 vozes. Se cada uma delas se levantar por um dia inteiro, quem sabe…