OEA não reconduz brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e instala crise

Entidades da sociedade civil repudiam, em carta aberta, a decisão do Secretário-Geral, Luis Amargo, que atenta contra a autonomia do órgão; confira

Paulo Abrão (Foto: Ramiro Furquim/Sul21)
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A Brasileiro Paulo Abrão está à frente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos desde 2016.

Em uma eleição realizada em janeiro deste ano, membros da Comissão Interamericana votaram, por unanimidade, pela recondução de Abrão para exercer o cargo por mais quatro anos.

Porém, o Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Amargo, barrou a recondução do brasileiro, afirmando que este foi alvo de denúncia de violação de direitos por parte de servidores.

Em nota emitida nesta terça-feira (25), Amargo justificou sua decisão alegando que "não há impunidade ou indefesa nas denúncias de violação dos direitos dos servidores públicos da CIDH ou de qualquer órgão da Organização. Não enquanto eu for secretário-geral".

A informação é rechaçada pelas entidades civis. Em carta emitida nesta quarta-feira (26), diversas associações da sociedade civil brasileira manifestaram a sua preocupação diante do impasse.

Diz um trecho da carta: "As entidades abaixo assinaladas preocupam-se duplamente. Em primeiro lugar, pela inicial ausência de transparência e fundamentação quanto à decisão tomada pelo Secretário Geral da OEA. Somente na data de 25 de agosto do presente é que essa autoridade regional apresentou razões pouco claras para justificar sua omissão e, em nossa percepção, insuficientes frente à decisão unânime da CIDH".

Confira a íntegra.

À Organização dos Estados Americanos – OEA,

Por meio desta carta, as diversas entidades da sociedade civil aqui arroladas, vêm à presença da Organização dos Estados Americanos - OEA manifestar sua profunda preocupação com a higidez e a autonomia do Sistema Interamericano de Direitos Humanos em face da decisão do Sr. Secretário Geral da OEA, Luís Almagro, em não dar seguimento à decisão unânime da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de reconduzir o atual Secretário Executivo da Comissão, o Sr. Paulo Abrão, a mais um mandato.


As entidades abaixo assinaladas preocupam-se duplamente. Em primeiro lugar, pela inicial ausência de transparência e fundamentação quanto à decisão tomada pelo Secretário Geral da OEA. Somente na data de 25 de agosto do presente é que essa autoridade regional apresentou razões pouco claras para justificar sua omissão e, em nossa percepção, insuficientes frente à decisão unânime da CIDH.

O atual Secretário Executivo da CIDH vem de uma longa trajetória em defesa dos direitos humanos e tem desenvolvido seu mandato frente à Secretaria Executiva da CIDH com reconhecida competência, seja pela própria Comissão, seja pelas mais diversas entidades civis de defesa dos direitos humanos na região.

A segunda grande preocupação das entidades abaixo firmadas é quanto ao necessário respeito à autonomia da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, estabelecida seja nos tratados constitutivos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, seja no Regimento Interno da CIDH, seja, finalmente, na própria jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Colocar esta autonomia em questão, ao descartar unilateralmente uma decisão de tão grande importância e confiança, como a escolha de quem irá conduzir a administração do órgão, e que foi tomada pela unanimidade da Comissão, sem que tenha sido apresentada uma justificativa consistente do ponto de vista das normas que regem o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, abala a confiança, a reputação e a estabilidade de todo o Sistema, especialmente quando se adiciona a este grave fato a negativa no repasse de fundos à CIDH, já aprovados pela Assembleia da OEA e que são essenciais para o funcionamento do Sistema.


Portanto, é sobretudo em defesa da estabilidade e da autonomia do Sistema Interamericano de Direitos Humanos que as entidades abaixo firmadas vêm à presença da OEA solicitar que a decisão do Sr. Secretário Geral da OEA seja reconsiderada e que a decisão unânime da Comissão Interamericana de Direitos Humanos seja respeitada. Perguntamos, ademais, como um sistema regional de defesa e promoção dos direitos humanos pode prosperar e dar conta do enorme desafio que tem diante de si, de zelar pela defesa e promoção dos direitos humanos nas Américas, aumentado em grande escala pela pandemia do COVID-19, sem que sejam respeitados os princípios, normas e jurisprudência quanto à autonomia decisória e administrativa dos seus órgãos, especialmente quando não há no horizonte qualquer justificativa plausível e transparente para não dar seguimento administrativo à decisão tomada pela instância máxima da CIDH quanto à recondução do seu atual Secretário Executivo para um novo mandato. Ainda que se deva tributar respeito ao Senhor Secretário Geral da OEA em face da magnitude do cargo que ocupa, a sua omissão em não confirmar a renovação do mandato do atual Secretário Executivo à revelia da decisão da CIDH, não condiz com o histórico compromisso da OEA com os princípios democráticos.

26 de agosto de 2020.

Assinam

  1. ABJD - Associação Brasileira de Juristas pela Democracia;
  2. AARMA - Associação dos Anistiados do Arsenal da Marinha;
  3. ABAP – Associação Brasileira de Anistiados Políticos;
  4. ABCP-GTA – Associação Beneficente e Cultural dos Petroleiros da Ativa; Aposentados, Anistiados e Pensionistas da Replan;
  5. ABRASPET/BA - Associação Brasileira dos Anistiados da Petrobrás;
  6. ACESSO - Cidadania e Direitos Humanos;
  7. ACIMAR – Associação Civis e Militares da Reserva;
  8. ADMAP – Associação Democrática dos Aposentados e Pensionistas do Vale do Paraíba, de São Paulo;
  9. ADNAM - Associação Democrática e Nacionalista dos Militares;
  10. AJURD- Associação de Juristas pela Democracia;
  11. AMA-A ABC – Associação dos Metalúrgicos Anistiados e Anistiandos do ABC;
  12. AMAAÇO – Associação dos Metalúrgicos Anistiados e Anistiandos da AÇOMINAS;
  13. AMAFABRA – Associação dos Militares Anistiados e Anistiando das Forças Amadas do Brasil;
  14. AMPLA- Associação de Defesa dos Direitos e Pró- Anistiados Militares;
  15. AMRJ – Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro;
  16. ANAP- Associação dos Anistiados Políticos, Aposentados e Pensionistas do Estado de São Paulo;
  17. ANAPAP – Assistência Nacional dos Anistiados Políticos Aposentados E Pensionistas;
  18. ANATECT - Associação Nacional dos Anistiados Políticos da Empresa de Correios e Telégrafos – ECT;
  19. ANIGO - Associação dos Anistiados pela Cidadania e Direitos Humanos do Estado de Goiás (Civis);
  20. Anistiados de Pernambuco;
  21. ASPERN/RN – Associação dos Praças da Aeronáutica Não Anistiados/Rio Grande do Norte;
  22. ASSMAN/BA – Associação dos Militares Anistiados da Bahia;
  23. Associação Brasileira de Imprensa, ABI;
  24. Associação de Trabalhadores Vitimados pela Volkswagen, no Período da Ditadura Civil Militar;
  25. Associação dos Anistiados Políticos Metalúrgicos da Baixada Santista;
  26. Associação Latino-americana de Juizes do Trabalho;
  27. ASTAPE – Associação dos Trabalhadores Aposentados, Pensionistas da Petrobras de Caxias;
  28. ATAMIG – Associação dos Trabalhadores Anistiados Autônomos, Liberais Aposentados e Pensionistas de Minas Gerais;
  29. Cátedra Dom Helder Câmara de Direitos Humanos da UNICAP;
  30. Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil;
  31. CDH - OAB/SP - Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de São Paulo;
  32. CDHE – Centro de Direitos Humanos e Empresas do PPG em Direito da UNISINOS;
  33. CENDHEC - Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social;
  34. Centro de Defesa da Criança e do Adolescente - CEDECA - Ceará;
  35. Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz de Iguaçu;
  36. Clínica de Direitos Humanos PPGD /PUCPR;
  37. Clínica Interdisciplinar de Direitos Humanos da UNICAP;
  38. CNPq - Grupo de Pesquisa Justiça de Transição (Programa de Pós-Graduação em Direito da UnB)
  39. COBAP – Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos;
  40. Coletivo Aparecidos Políticos;
  41. Coletivo Justiça de Transição Brasil;
  42. COLETIVORJ Memória, Verdade, Justiça e Reparação;
  43. Comissão da Memória e Verdade da UFRJ;
  44. Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB Rio de Janeiro;
  45. Comitê de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu;
  46. Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito.
  47. Comitê Memória e Verdade e Justiça Ceará;
  48. CONAPE – Associação Nacional de Anistiados da Petrobrás;
  49. CSP – CONLUTAS;
  50. Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos do PPG em Direito da UNISINOS;
  51. Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ);
  52. Equipe Clínica Política do Rio de Janeiro;
  53. Federação dos Empregados no Comércio de Bens e Serviços do RGS;
  54. Fórum de Reparação e Memória do Rio de Janeiro;
  55. Fórum Permanente dos Exilados Políticos do Estado de São Paulo;
  56. Frente Ampla Democrática Pelos Direitos Humanos (FADDH);
  57. Grupo de Anistiados e Anistiandos dos Correios de São Paulo;
  58. Grupo de Pesquisa REC/CNPQ - Recife Estudos Constitucionais;
  59. Grupo Tortura Nunca Mais - São Paulo;
  60. Grupo Tortura Nunca Mais/ Bahia;
  61. Grupo Tortura Nunca Mais/Rio de Janeiro;
  62. IAPA- Instituto de Apoio aos Povos do Araguaia;
  63. Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial/Baixada Fluminense-RJ;
  64. Instituto Augusto Boal;
  65. Instituto Joaquín Herrera Flores;
  66. Instituto Paulo Fonteles de Direitos Humanos;
  67. ISER- Instituto de Estudos da Religião;
  68. NAPAVE - Núcleo de Atenção Psicossocial a Afetados pela Violência de Estado;
  69. NDH – Núcleo de Direitos Humanos do PPG em Direito da UNISINOS;
  70. NUANCES- Grupo pela Livre Expressão Sexual;
  71. Núcleo de Direitos Humanos do Departamento de Direito da PUC-Rio;
  72. Núcleo de Estudos Constitucionais do Departamento de Direito da PUC-Rio (NEC);
  73. Observatório da Proteção dos Direitos Humanos do CAAF/UNIFESP;
  74. Observatório Nacional de Saúde Mental, Justiça e Direitos Humanos da Universidade Federal Fluminense;
  75. PACS - Instituto Políticas Alternativas para O Cone Sul;
  76. Plenária Anistia Rio;
  77. Rede Internacional de Intelectuais, Artistas e Movimentos Sociais em Defesa da Humanidade Capítulo Brasil;
  78. RENAP - Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares;
  79. RENAP-RS Rede Nacional de Advogados Populares núcleo RS;
  80. REPE&C - Rede de Pesquisa Estado & Constituição;
  81. Sindicato dos Advogados de São Paulo- SASP;
  82. Sindicato Dos Metalúrgicos de São José dos Campos;
  83. Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense;
  84. SINDPETRO/RJ – Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro;
  85. U.M.N.A – Unidade de Mobilização pela Anistia;