Governo de direita do Uruguai aproveita pandemia do coronavírus para sucatear o sistema de saúde

Segundo analista internacional uruguaia, estrutura que permitiu ao país oriental manter baixos níveis de contágios e mortes foi construída pelos governos da Frente Ampla, e agora ela está em risco de ser desmontada pelo presidente Lacalle Pou

Luis Lacalle Pou (foto: Rádio M24 Montevideo)
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A pandemia do coronavírus separou os países do mundo entre exemplos de sucesso e de fracasso no combate à doença. Um dos que são considerados exemplos de sucesso é o Uruguai, país governado por Luis Lacalle Pou, um neoliberal que assumiu o governo em março, praticamente junto com a chegada do vírus ao país e ao continente como um todo.

Em pouco mais de 5 meses, o Uruguai tem bons resultados no combate à pandemia: 1,4 mil pessoas contagiadas, das quais 37 faleceram e 1,1 mil já foram curadas – ainda há pouco mais de 200 casos de pacientes que ainda estão em tratamento.

A mídia hegemônica, ávida por bons exemplos de direita no combate ao coronavírus (sobretudo para contrastar com os resultados do Brasil de Jair Bolsonaro e dos Estados Unidos de Donald Trump, dois ícones da direita que fizeram dos seus países os dois mais afetados pela doença), tem usado o Uruguai como modelo mais citado em muitas matérias, especialmente pelo fato de que o país não tomou grandes medidas de restrição de circulação para chegar a esses números.

No entanto, a realidade é que os dois fatores que permitiram ao Uruguai ter esse sucesso foram a baixa densidade demográfica (é um dos países menos povoados da região, e o coronavírus requer concentração populacional para se propagar a níveis como se observam no Brasil e nos Estados Unidos, por exemplo) e, sobretudo, uma estrutura de saúde pública que foi legada pelos 15 anos de governos da Frente Ampla, durante os mandatos dos presidentes Pepe Mujica (2010-2015) e Tabaré Vázquez (2005-2010 e 2015-2020).

Justamente, essa estrutura de saúde pública que levou o Uruguai a conter a pandemia está em risco. A nova lei de orçamento, a primeira apresentada pelo atual governo (já que o orçamento deste ano ainda foi o último aprovado pela Frente Ampla, em 2019) prevê cortes drásticos no investimento público em educação e em saúde, justamente na estrutura que permitiu ao país ter bons resultados no combate à covid-19.

A analista internacional uruguaia Nastasia Barceló (mestra pelo Programa San Tiago Dantas, pesquisadora do Lab-Mundi da USP e doutoranda pelo Prolam-USP) comenta que “o atual governo soube capitalizar esse resultado no combate à pandemia para melhorar sua imagem internacional, com a ajuda dos meios de imprensa que difundiram esta narrativa, mas internamente não é tão assim. Houve várias manifestações recentes no Uruguai contra a falta de investimentos para enfrentar as consequências econômicas da pandemia, e o próximo orçamento, se aprovado, produzirá um corte dos gastos públicos em nível acentuado, o que tende a aumentar essa insatisfação popular e a provocar mais protestos”.

Além disso, o país já foi apontado por um estudo da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) como o país que menos investe na recuperação econômica pós-pandemia: apenas 400 milhões de dólares, o equivalente a 0,7% do seu PIB (Produto Interno Bruto).

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