Enquanto parte dos brasileiros minimiza a pandemia do coronavírus e chega a sair às ruas para protestar pelo fim da quarentena, Alline Parreira, de 29 anos, se cobre da cabeça aos pés para distribuir luvas, máscaras e álcool gel gratuitamente para a população de Nova York, cidade mais afetada do mundo pela Covid-19.
Jovem, negra e de origem humilde, Alline trabalha fazendo faxina na Big Apple há dois anos. Natural de Manga, pequena cidade no sertão de Minas Gerais, ela já palestrou na CUNY University em 2018, quando falou sobre questões de classe, raça e gênero, além de contar sua trajetória até se tornar ativista. À época, a jovem contou sua história à Fórum e chegou a receber uma mensagem especial da ex-presidenta Dilma Rousseff.
Morando em uma residência pública e coletiva da prefeitura de Nova York destinada a pessoas que não podem pagar o aluguel, Alline seguia prestando seus serviços de house cleaner e, quando a pandemia começou, suas faxinas foram canceladas. Pouco antes, porém, ela havia encontrado um carrinho simples, daqueles de compras, abandonado na rua, próximo ao Central Park, e começou a utilizá-lo para transportar seus produtos de limpeza entre uma faxina e outra.
Luxury Cart
Pouco antes da pandemia, Alline já estava utilizando o carrinho em seu trabalho como faxineira mas, um de seus equipamentos que guardava no acessório, um tipo de aspirador de pó, queimou após pegar chuva. Ela, então, teve a ideia de fazer um carrinho mais resistente, sustentável, e para isso pediu ajuda ao seu amigo Urivan Pires, seu conterrâneo de Manga que também vive em NY.
"Em cima do carrinho que achei, transformamos em um carrinho personalizado. Fomos na loja de material de construção e fomos construindo esse carrinho com espaço para eu colocar meus produtos, e de forma que fosse bom para eu me locomover na cidade, entrar em ônibus, trem, descer e subir escada", contou à Fórum.
Ainda na loja de materiais de construção, o carrinho, que havia levado para tirar as medidas, começou a chamar a atenção das pessoas, que perguntavam o que era. Vendo que seu projeto era promissor, a jovem resolveu patenteá-lo.
"Como aprendi bastante sobre apropriação cultural, e tive a oportunidade de ler Rodney William, autor de "Apropriação Cultural", aprendi bastante como funciona essa questão de apropriação de cultura e criatividade. Não só aprendi, mas como sou uma menina que estou no meio do povo, conheço muita gente que criou coisas e tiveram suas ideias roubadas. Nisso, vi uma oportunidade, vi que esse carrinho poderia também ser utilizado por outras house cleaners e que eu poderia vender essa minha ideia para empresas", detalhou Alline.
Ativismo e solidariedade
Logo após o registro de patente do Luxury Cart veio a pandemia e as faxinas de Alline foram canceladas.
À Fórum, a jovem revelou que no dia 7 de abril ela estava com suas colegas no abrigo público quando assistiu a uma coletiva do prefeito de Nova Iorque, Bill de Blasio, informando que negros, hispânicos e pobres eram os que mais estavam morrendo por Covid-19 na cidade.
Na tristeza de ver a notícia que Alline teve a ideia de agir. Ela mostrou às suas colegas de abrigo o carrinho que havia feito e uma delas a incentivou: "Por que não coloca uma caixinha aqui e vai para a rua distribuir álcool e luva?".
E assim o fez. Alline usou parte das economias que estava juntando para comprar um apartamento e investiu nos materiais de proteção a serem distribuídos, além de uma vestimenta completa de proteção, e no dia seguinte estava na rua encampando seu gesto de solidariedade com seu carrinho inovador.
Para além do incentivo de suas colegas, a jovem, assim como quando pensou em patentear o carrinho, foi influenciada por outra intelectual negra: Djamila Ribeiro.
"No momento eu estava lendo um livro da Djamila, que chama Lugar de Fala, e tinha vários pensamentos que me inspiraram, que fala de grupos de pessoas marginalizadas, que é esse grupo ao qual eu pertenço. Juntando o incentivo das mulheres e a leitura do momento do Lugar de Fala, me protegi e fui para a rua", revelou.
A iniciativa foi um sucesso. E, fazendo seu trabalho de distribuição de luvas e álcool gel gratuitamente, começou a receber propostas de trabalho para fazer faxinas de desinfecção em casas onde há pessoas com Covid-19, para que outras pessoas que residem no local não se infectem. Para isso ela estudou o assunto e comprou todos os produtos e equipamentos de segurança necessários. "Tudo com muita ética e seguindo todos os protocolos que o governo tem compartilhado: seja na hora de escolher os produtos, seja na hora de descartar o material que utiliza", explicou.
E é com a renda dessas faxinas de desinfecção que Alline, há quase um mês, reabastece seu carrinho da solidariedade, que ainda leva um coração com a bandeira do Brasil.
"Eu acredito que o carrinho que inventei, patentei e que está trabalhando aqui em Nova York possa ser utilizado em todas as grandes cidades do Brasil, como uma forma de prevenção para a população mais vulnerável daí", sugeriu.
Visitem cemitérios
Perguntada sobre a situação no Brasil, em que parte das pessoas tem minimizado a pandemia e até feito manifestações contra as medidas de isolamento, Alline foi enfática.
"Eu sugiro que eles visitem os hospitais e cemitérios pra verem a situação, porque aqui tem os hospitais de campanha no Central Park, tem hospital navio ancorado na cidade... Se Nova York, uma das cidades mais ricas do mundo, está tendo problemas para atender os pacientes, imagina o Brasil que sempre teve problemas de atendimento médico", pontuou.
Acompanhe o trabalho de Alline Parreira em sua página no Instagram e também em seu site.