Nos últimos dias, as grandes agências de notícia internacionais difundiram várias matérias sobre a condenação da chinesa Zhang Zhan, uma youtuber de 37 anos sentenciada a quatro anos de prisão na segunda-feira (28). O caso foi considerado por muitos meios como um “ataque à imprensa e à liberdade de expressão”.
Porém, o noticiário sobre o tema na maioria dos meios de comunicação da Europa e dos Estados Unidos tem omitido um dado que só teve destaque na imprensa estatal chinesa: a acusação que levou Zhan a ser condenada não foi relativa ao seu trabalho jornalístico, e sim por promover uma campanha contra as medidas de isolamento adotadas pelo governo chinês na cidade de Wuhan, durante o primeiro trimestre de 2020, para conter a propagação do coronavírus SARS-CoV-2, causador a infecção covid-19.
A agência Reuters foi a primeira a noticiar o caso de Zhan, retratando-a como “jornalista”. Horas depois, a manchete foi alterada e passou a usar o termo “jornalista-cidadã” (“citizen-journalist”), que soa como uma forma de dar contornos mais profissionais à atividade da influenciadora, cuja atividade não é muito diferente de espaços como o blog bolsonarista Terça Livre.
Aliás, essa comparação com o meio organizado por Allan dos Santos não se dá só no formato, ao menos segundo a imprensa e a Justiça chinesas. Segundo os diários estatais do país asiático, durante os meses de fevereiro e março, o canal de Zhang Zhan no YouTube teria incentivado invasões em hospitais para questionar as medidas sanitárias do governo chinês e também convocou protestos contra o lockdown imposto em Wuhan e em toda a província de Hubei.
A imprensa chinesa descreve Zhang Zhan como uma “fundamentalista cristã” e costuma criticar seus argumentos justamente por utilizar argumentos baseados em preceitos bíblicos. Seu canal no YouTube propaga um claro discurso anticomunista e de oposição ao atual governo chinês. “Acabe com o socialismo, derrube o Partido Comunista da China” é um dos seus jargões.
Um texto recente do jornalista Marcelo Bamonte em seu blog ressalta ainda mais o perfil fundamentalista religioso de Zhan, lembrando que ela costuma descrever a si mesma como “uma enviada de Deus para acabar com o socialismo” na China, e que em sua campanha contra as medidas sanitárias durante o começo da pandemia, ela chegou a defender o argumento de que “só Jesus pode salvar” os contagiados pela covid-19.
Tal esclarecimento tem sido ignorado pela maioria dos grandes meios ocidentais. Tampouco foi levado em conta pelos governos dos Estados Unidos e pelos representantes da União Europeia, que chegaram a emitir um comunicado em conjunto exigindo a libertação de Zhan, descrita como “jornalista independente”.
Ao ignorar esses dados, os meios tradicionais também impedem considerações mais profundas sobre o trabalho da influenciadora chinesa. Afinal, suas iniciativas teriam sido contrárias a medidas que ajudaram a China, e especificamente a cidade de Wuhan, a superar completamente o surto do coronavírus em poucos meses.
Na primeira semana de abril, Wuhan suspendeu o lockdown depois de 76 dias. Em maio, o país já registrava a retomada das atividades econômicas de forma normal.
As políticas sanitárias e de recuperação econômica do governo chinês estão entre as mais bem sucedidas do mundo durante a pandemia que assola todo o planeta, e permitirão ao gigante asiático ser a única grande economia do mundo a registrar crescimento neste conturbado ano de 2020.