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Por Leonardo Aragão*
As esquerdas latino-americanas acordaram nesta segunda-feira com um bom motivo para celebrar: Lenín Moreno, de 64 anos, foi eleito presidente do Equador. Até o momento em que este artigo é escrito, com 98,97% das urnas apuradas, o candidato apoiado pelo atual presidente, Rafael Correa, detinha 51,16% dos votos válidos, contra 48,82% de Guillermo Lasso, que liderou a aliança conservadora.
O resultado mostra que a Revolução Cidadã, movimento criado por Rafael Correa ao assumir o poder, seguirá em curso com Lenín Moreno, candidato de nome emblemático e inspirador para os progressistas, socialistas e comunistas da América Latina.
Mais do que apenas uma marca, a denominada Revolução Cidadã iniciada em 2007 obteve resultados notáveis. Em 10 anos, mais de 2 milhões de pessoas saíram da extrema pobreza no país, o que significa cerca de 13% da população equatoriana. Com sua economia baseada na exploração e comercialização do petróleo, o Equador vivenciou uma das maiores experiências de aproveitamento de recursos do combustível fóssil para aplacar problemas sociais e investir em questões crônicas do atraso do desenvolvimento do país, como o acesso à educação. De certa forma, o Equador inspirou o Brasil quando a presidenta Dilma Rousseff determinou a aplicação dos recursos oriundos do pré-sal em investimentos nas áreas de saúde e educação, processo sustado com o impeachment e a posse do governo de Michel Temer.
Além do êxito social, a soberania do país foi garantida com o fechamento da base estadunidense de Manta, passo decisivo para que o país assumisse o controle do petróleo. Esta medida despertou a fúria dos mesmos grupos de sempre, capitalistas, banqueiros, grandes grupos transnacionais e a imprensa de plantão, que tratou de fustigar Correa e depreciá-lo, como nos áureos tempos da Guerra Fria, chamando-o pejorativamente de “comunista” que pretendia transformar Equador na nova Cuba. O mesmo discurso anacrônico que, por sinal, foi visto pelas hordas de paneleiros no Brasil durante a consumação do golpe.
A vitória de Lenín é emblemática no sentido de mostrar um dos maiores significados políticos dos projetos vitoriosos das esquerdas em todo o continente: o acesso das minorias ao sistema político, sempre fechado aos homens brancos e ricos. Primeiro presidente cadeirante eleito na América do Sul, Lenín Moreno é mais um sinal de que qualquer cidadão pode chegar ao cargo máximo de seu país, tal qual Dilma Rousseff e Lula no Brasil, Cristina Kirchner na Argentina e Evo Morales na Bolívia.
Há de se ressaltar também que a continuidade da Revolução Cidadã é sinal inequívoco que a esquerda vive e tem condições de apresentar programas de governo que mantenham conquistas estabelecidas e avancem em pontos considerados necessários para a consolidação de processos de democratização do Estado, com maior participação popular nos núcleos decisórios de poder político e econômico. Ainda que a margem da vitória tenha sido estreita, a esquerda é competitiva eleitoralmente, ao contrário do que articulistas a serviço dos interesses dos donos da grande imprensa tentam nos fazer crer.
Por outro lado, a direita derrotada nas urnas dá sinais que está conectada ao que seus pares fizeram em outros países. Guillermo Lasso, imitando seu colega de reacionarismo Aécio Neves no Brasil, não somente não reconheceu a vitória de Lenín Moreno como vem defendendo que o resultado foi fraudado, criando instabilidades políticas, conclamando seus apoiadores a desobedecerem as regras constitucionais e buscando inviabilizar por meio das instituições o resultado eleitoral. Essa cartilha, aplicada sem êxito imediato em 2014 no Brasil, mas que pavimentou o caminho para o golpe em 2016, deve ser repelida imediatamente, de preferência nas ruas, pelo povo equatoriano.
A América do Sul vive tempos de resistência. Que a vitória de Lenin nos inspire a construí-la coletivamente e em sintonia com os demais povos latino-americanos.
*Leonardo Aragão é jornalista graduado pela PUC-SP e especialista em gestão pública pela Unicamp. Foi assessor para a Participação Social no governo da presidenta Dilma Rousseff e atualmente está na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.
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