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A teoria política convencionou chamar Golpe de Estado a tomada do poder "fora das regras", normalmente pela força. Com o tempo, os Golpes de Estado foram sendo aprimorados e sofisticados por ações que não necessariamente possuem a força de um exército ou grupo paramilitar por trás
Por Vinicius Sartorato*, colaborador da Rede Fórum
Uma pequena introdução
País euro-asiático, a Turquia possui uma população aproximada de 75 milhões de pessoas. Estado herdeiro do antigo Império Otomano, trata-se de um país marcado por uma história rica e cheia de conflitos.
Em termos econômicos, a Turquia tem uma história marcada pela presença expressiva do Estado. Apesar de ser um país rico, é tão desigual quanto o Brasil em termos de PIB per capita, o que gera um abismo entre ricos e pobres.
Em termos políticos formais, é uma importante potência regional, mas trata-se de um país envolvido em inúmeras controvérsias relacionadas com autoritarismo, falta de independência entre poderes, corrupção e direitos humanos. Neste sentido, estado turco é classificado como um “Regime Híbrido” (97º) no Índice Democrático, da The Economist, muito abaixo do Brasil – 51º, considerado uma “Democracia Imperfeita”.
No plano geopolítico, tem um dos posicionamentos dos mais complexos do planeta, sendo ponte entre o ocidente e o oriente. Localizada entre a Europa e a Ásia, marcada pelo “fogo cruzado” de diversos atores políticos. Para complicar mais um pouco, os turcos são membros da aliança militar da OTAN, bem como possuem uma população de maioria muçulmana. Fatos que trazem à tona problemas como imigração e terrorismo.
Erdogan: Um político de vocação autoritária
Em um país parlamentarista, em que o Chefe-de-Governo é o Primeiro-Ministro, e o Presidente é o Chefe-de-Estado e possui um papel cerimonial – parece não ser o suficiente para contemplar as ambições de Erdogan.
Atual presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan ocupa o cargo desde agosto de 2014. Ex-Primeiro-Ministro do país (2003-2014), é o principal líder político turco e possui forte apoio de setores conservadores, em especial setores religiosos - que questionam as estruturas laicas/seculares criadas por Mustafa Kemal Ataturk, o "pai da Turquia moderna".
Aos 40 anos, eleito prefeito de Istambul (1994-1998), despontou como um político promissor. Em 2001, fundou o Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP, abreviatura em turco e venceu sucessivas eleições, tendo hoje cerca de 49,5% das cadeiras na Câmara dos Deputados. Desde 2002, o AKP é o maior partido e forma um governo unipartidário.
Por outro lado, o parlamento possui – além do AKP - mais 3 partidos que ultrapassam a cláusula de barreira de 10%. São eles: o Partido Republicano do Povo (CHP), o Partido de Ação Nacionalista (MHP) e o Partido para Paz e Democracia (BDP). Com isso, aproximadamente 3 dezenas de partidos ficam de fora do parlamento.
Sim, o Referendo que está acontecendo na Turquia... é um Golpe de Estado!
Nos últimos anos, com o início da chamada “Primavera Árabe”, a Guerra na Síria e o constante conflito com a população curda, a Turquia viu-se diretamente envolvida em conflitos armados. O envolvimento direto do exército turco no conflito sírio foi um fator importante para elevar ainda mais o número de atentados terroristas no país. Nos últimos meses, houve até o assassinato de um diplomata russo e uma controversa tentativa de Golpe de Estado contra Erdogan, possivelmente promovida por setores dissidentes do exército do país.
Desde então, Erdogan tem imprimido um ritmo cada vez mais duro de repressão a seus opositores. Milhares de demissões e prisões foram feitas e o Estado de Emergência declarado. Neste cenário, foi convocado um Referendo para tornar a Turquia uma República Presidencialista, abolindo o cargo de Primeiro-Ministro, fortalecendo, centralizando e ampliando os poderes do Presidente.
Com isso, Erdogan, que praticamente “manda no país” há mais de 10 anos, poderá ficar até 2029 no poder. Poderá indicar Ministros para Suprema Corte e promete retomar a pena-de-morte no país.
Realizado no último domingo (9), o referendo teve o “sim” pró-Erdogan uma aparente vitória de 51%, mas a oposição não aceitou o resultado e pediu recontagem dos votos. A oposição reclama que a votação não ocorreu em um ambiente democrático, que houve repressão, uso abusivo da máquina do governo, bem como fraude em várias sessões que seriam equivalente até 5% dos votos. Apesar dos descompassos apresentados pela oposição, o resultado mostrou ainda um país completamente dividido. Erdogan foi derrotado nas principais cidades do país: Istanbul, Ankara e Izmir.
A teoria política convencionou chamar Golpe de Estado a tomada do poder "fora das regras", normalmente pela força. Com o tempo, os Golpes de Estado foram sendo aprimorados e sofisticados por ações que não necessariamente possuem a força de um exército ou grupo paramilitar por trás.
Agora, na Turquia, com o Referendo de Erdogan, temos um golpe feito e liderado por alguém que está no poder e quer continuar a qualquer custo. Erdogan está transformando um país com um Estado Híbrido em um Estado Autoritário.
Não é à toa que grande parte dos líderes europeus demonstraram desconfiança com os resultados – ainda a serem divulgados de forma definitiva. Curiosamente, Donald Trump foi o único líder de uma potência ocidental a congratular Erdogan.
*Vinicius Sartorato é sociólogo, mestre em Políticas de Trabalho e Globalização pela Universidade de Kassel (Alemanha)