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Demolições em série dão continuidade a expulsão de palestinos por Netanyahu, primeiro-ministro de Israel
Por Júlia Dolce, do Brasil de Fato, e Victor Labaki, da Revista Fórum
O último fim de semana foi novamente de tensão para famílias palestinas, da vila beduína de Umm Al Hiran, que tiveram suas casas destruídas no início deste ano pelo governo de Israel. No domingo (29), enquanto a reportagem estava no local, aproximadamente 12 viaturas da polícia israelense chegaram à vila para dar mais uma ordem de despejo aos moradores.
Com policiais fortemente armados e sem dirigir uma palavra aos palestinos, o aviso foi dado: daqui a 30 dias eles enfrentarão mais uma expulsão para dar espaço a um bairro judeu.
Foi no dia 9 de janeiro, que as 11 famílias de Umm Al Hiran, – uma das 40 comunidades beduínas do Deserto de Negev, que fica dentro do território de Israel – receberam a notificação avisando que suas casas seriam demolidas. Na manhã do dia 18, menos de dez dias após a notificação, os tratores israelenses fizeram a operação apoiados por um grande número de soldados.
A ação gerou revolta nos moradores da vila, que tentaram resistir ao despejo e decidiram ficar no local, entrando em confronto com os soldados israelenses. O professor de matemática e morador da vila, Yaqoub Moussa Abu al-Qian, 47 anos, foi baleado por soldados enquanto estava dirigindo o carro dele. O exército israelense alegou que se tratava de “um veículo conduzido por um terrorista islâmico com a intenção de atropelar soldados”. Porém, um vídeo divulgado na imprensa, poucas horas depois, mostra que o veículo estava em baixa velocidade e não apresentava ameaça aos soldados, acelerando após ser atingido por vários disparos.
O estudante de medicina e sobrinho do professor assassinado, Akran Abu Alkean, visitava os destroços da vila, quando foi surpreendido pela volta dos policiais no último domingo. “Estamos aqui há 62 anos e agora querem nos tirar para construir casas para judeus. Somos cerca de 40 pessoas sem nada, sem casa, sem roupas, até nossa comida foi doada. Agora vieram avisar que no próximo mês vão demolir os contêineres que doaram para nós, deixando a gente de novo sem lar. Talvez eu fique bem, mas e essas crianças, menores de dez anos, o que vão fazer? Estamos em janeiro, é frio e chove”, lamentou.
Vilas beduínas
Apesar de Umm Al Hiran estar dentro do território israelense, as comunidades beduínas são consideradas como “diáspora” ou “vilas ilegais” pelo Estado, mesmo que muitas delas sejam mais antigas que Israel. Os habitantes não possuem infraestrutura, como eletricidade, água corrente, estradas pavimentadas e sistemas de esgoto. Eles também não têm direito à representação nos governos locais e não podem participar de eleições municipais. Consequentemente, a população dessas vilas é reduzida à condição da miséria e pobreza, agravada pelo fato de não terem acesso aos direitos civis, políticos e sociais básicos.
Sem ter para onde se deslocar, os beduínos vivem na condição de refugiados dentro de Israel, assim como os palestinos que tiveram suas casas e vilas destruídas em 1948, durante a Nakba. Mais de 500 vilas palestinas foram destruídas e 700 mil pessoas expulsas, tornando-se refugiadas ou deslocadas internas. Desde a Guerra dos Seis dias, Israel já demoliu cerca de 48.488 casas palestinas, segundo dados da Israeli Committee Against House Demolitions (ICAHD), organização de direitos humanos israelense. Somente em 2016, foram 1.089 edifícios demolidos, deixando 1.593 palestinos desalojados.
Refugiados
Em alguns casos, as vilas foram demolidas e as terras expropriadas sem dar lugar a nenhum tipo de construção ou habitação. Um exemplo são os destroços da vila de Lifta, uma das 38 vilas nas proximidades de Jerusalém que foram destruídas pelas forças armadas israelenses em 1948. Três mil habitantes foram expulsos, sendo que a maioria hoje vive em Jerusalém oriental.
Obay Odeh, descendente de refugiados de Lifta, conta que alguns parentes ainda possuem as chaves das ruínas que já foram as casas deles, um costume que se tornou símbolo da resistência palestina. “É nossa identidade, nossa cidade natal, nossos familiares ainda têm as chaves ou os documentos que provam que eram donos das casas, porque quando saíram acharam que voltariam. Isso significa muito para mim, porque diz muito sobre o que aconteceu com os palestinos durante o processo de colonização”, diz.
Lifta foi transformada em um parque natural e é utilizada pela comunidade judaica como um local para prática de caminhada, ciclismo e piquenique. Como muitos locais originalmente palestinos, Israel reconstrói a história de Lifta destacando supostas raízes judaicas.
“Eles estão tentando se conectar com essa área, fazer se tornar um local sagrado para judeus. Os sionistas sempre tentam transformar isso em um conflito religioso, como se não fosse uma ocupação ideológica. Mas não é uma história forte que contam. Todo ano a gente vem aqui de duas a quatro vezes para limpar a vila, o cemitério, pegar as frutas. Mas eles sempre queimam, destroem e nos expulsam daqui”, afirma Obay.
A questão da expulsão dos palestinos é uma das principais pautas do movimento de resistência palestina. A bandeira do "direito de retorno" dos refugiados é amplamente defendida. A Organização das Nações Unidas (ONU) considera os casos de refugiados e deslocados internos palestinos como os mais duradouros da história, apesar da Resolução 194 da Assembleia Geral de 1948 ter registrado o direito dos refugiados retornarem para casa. “Nós acreditamos que é nosso direito voltar para cá, não importa como”, reitera Obay.
Os dados da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA) apontam que, no final de 2014, o número de refugiados palestinos havia chegado a 7,98 milhões, sendo 6,14 milhões refugiados de 1948 e descendentes; pelo menos 1 milhão de refugiados de 1967; e 720 mil deslocados internos em Israel e na Cisjordânia.
Foto: Júlia Dolce/Brasil de Fato