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Por pouco a extrema direita não venceu as eleições na Áustria. No centro da crise, estão os refugiados e a percepção de que os principais partidos da coalizão que governava o país desde o fim da Segunda Guerra Mundial, mergulhados na corrupção, não representam mais ninguém
Por Murilo Cleto
Foi por pouco. Alexander Van der Bellen foi eleito nesta segunda (22) o novo presidente da Áustria com apenas 0,6% de vantagem sobre Norbert Hofer, que havia vencido o primeiro turno. A despeito do discurso mais moderado durante a campanha, Hofer representa a sigla mais extremista da direita no país, o FPÖ – Partido Liberal da Áustria –, e seu bom desempenho nas urnas tem muito a alertar para o restante do mundo e, em especial, o Brasil.
Essa foi a primeira vez que SPÖ e ÖVP ficaram de fora da disputa desde o fim da Segunda Guerra Mundial. De lá para cá, os convencionais progressistas e conservadores da política institucional austríaca se revezavam no poder com governos de coalizão que, aparentemente, esgarçaram.
Apesar de ter liderado o Partido Verde entre 1994 e 2008 e sido apoiado por ele no segundo turno, Van der Bellen se apresentou como candidato independente. E talvez só por isso tenha conseguido vencer. Em 2014, mesmo não vivendo uma grave crise financeira como demais vizinhos de continente, a Áustria já contava com um dos mais altos índices de percepção de corrupção na União Europeia, segundo relatório do próprio bloco.
Foi neste vácuo que emergiu Hofer, político jovem e carismático que conquistou a simpatia do eleitorado austríaco com um jeito simples – ele classificava ironicamente Bellen como “candidato da alta sociedade” – e uma posição marcada anti-imigração. No auge da crise de refugiados que atravessa o mundo, em 2015, foram 90 mil pedidos de asilo no país.
A prioridade de Hofer como presidente seria, claro, a proteção das fronteiras. Num dos comícios, se referiu aos imigrantes como “invasores” e disse querer "uma cerca da mesma forma que existe na Hungria". Perguntado sobre o que o levaria ao desespero, Hofer respondeu: "O fato de os políticos que se encontram atualmente no poder terem jogado fora, em apenas alguns meses, o legado dos nossos pais e avós". Marine Le Pen era uma de suas torcedoras mais ilustres.
Crises são o momento ideal para a gestação de figuras populistas com discurso fácil e repleto de ideias feitas para satisfazer as angústias da população em sofrimento. E isso está longe de ser uma novidade.
Mas o Brasil insiste no modelo esgotado do presidencialismo de coalizão de uma democracia representativa amplamente rejeitada. Nunca é demais lembrar: 49% dos brasileiros se dizem “nada satisfeitos” com a democracia, segundo o Ibope. É o índice mais alto de rejeição desde quando o sistema passou a ser avaliado pelo instituto.
Isso tudo num contexto em que a deposição do velho governo marcado pela corrupção foi conduzida para livrar o novo da cadeia, como confessou um de seus principais líderes – sem saber, claro, que teria o plano divulgado esta semana no maior jornal do país.
O alerta que vem da Áustria e, ainda mais perto, dos EUA, já soa estridente: ou muda a democracia, ou ela dá lugar, no mínimo, à demagogia.
Foto de capa: Reprodução/YouTube