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As imagens e um depoimento que mostram o clima de confronto no cenário político turco, país que vai às urnas neste domingo (7). Evento do HDP, partido da minoria curda, terminou em quatro mortos e mais de uma centena de feridos após um atentado terrorista
Texto e fotos por Gabriel Uchida, de Diyarbakir (Turquia)
[caption id="attachment_66915" align="aligncenter" width="600"] Imagem do lugar onde ocorreu o atentado. "Subi para fazer uma imagem aberta e fiquei um tempo lá. inclusive, desci porque achei que estava perigoso demais, havia muita gente em cima do telhado, pendurados nas árvores e nos outdoors", conta Gabriel Uchida[/caption]
Para entender melhor a situação é preciso partir do fato de que o povo curdo é o maior grupo étnico do mundo sem uma nação própria. É um cenário extremamente complexo e delicado de mais de 20 milhões de pessoas vivendo como minorias na Turquia, Armênia, Síria, Irã e Iraque. Minoria pode remeter a fragilidade ou escassez de força, mas não é bem isso que vem acontecendo na Turquia.
Às vésperas das eleições nacionais no país, as pesquisas apontam que o grupo curdo HDP pode superar o mínimo de 10% de votos, o que acabaria com a hegemonia dos turcos da AKP no poder e impediria o presidente Recep Erdogan de mudar a Constituição, garantindo mais poderes a ele mesmo. Isso também representaria um fortalecimento da causa curda no país, que politicamente está cada vez mais centrada no HDP.
Como se isso tudo já não fosse suficiente para desagradar o atual governo, o partido curdo ainda levanta bandeiras comuns à esquerda - como a defesa da causa LGBT e da luta feminista, por exemplo. Dentro deste contexto, o HDP vem sofrendo constantes ataques - mais de 70 ofensivas segundo o próprio partido. Recentemente, escritórios do grupo foram alvos de bombas em Adana e Mersin. Desta vez, o ataque foi em Diyarbakir, cidade considerada a capital do povo curdo na Turquia.
A ofensiva aconteceu no comício do HDP que tinha começado às 16h da sexta-feira, dois dias antes da eleição. De maioria curda, a cidade inteira estava em festa. Havia milhares de pessoas dançando e cantando. Apesar de ser uma sociedade machista, a única separação era na hora da revista policial na entrada, dentro do comício todos festejavam juntos e muitas vezes abraçados. A alegria do povo chegava a ser comovente, até que aconteceu a primeira explosão.
Na verdade, no primeiro barulho ninguém entendeu direito o que estava acontecendo, até porque não havia sido tão forte. No momento, lembrei do longo histórico de ataques aos curdos, muitos deles com mais de um artefato, e então o máximo que pude fazer foi tentar me deslocar para o local mais aberto possível - longe de lixeiras e banheiros. Como havia muita gente, era impossível sair rapidamente dali, então tudo que fiz foi mentalmente me preparar para uma possível nova explosão - que infelizmente aconteceu, só que desta vez muito mais forte. Lembro do clarão e de ficar meio zonzo pelo impacto, estava a menos de cem metros da bomba.
[caption id="attachment_66918" align="aligncenter" width="600"] Imagem do fundo do local onde houve a explosão[/caption]
Quando me dei conta do que realmente estava acontecendo, tratei de achar um corredor rente a parede e caminhar rapidamente para o local, enquanto a multidão ia em sentido contrário pelo meio da rua. Quando cheguei próximo tudo que vi foi o chão forrado de sangue, gente caída, calçados perdidos e pedaços do que poderia ser de corpos mutilados ou objetos queimados. Era uma grande confusão visual com uma trilha sonora de gritos e desespero. Sem tempo para pensar muito, resolvi que aquilo não era o que eu queria registrar e que poderia mostrar a história de outra maneira, então corri seguindo o fluxo da multidão.
Nisso, o caos estava instaurado: pessoas caindo, desmaiando, chorando e homens carregando feridos porque as ambulâncias estavam distantes. Fotografar no meio do furacão de milhares de pessoas correndo desesperadas e passando por cima de tudo era muito difícil e ficou ainda pior quando um grupo veio tirar satisfação comigo. Ninguém falava inglês e todos espumavam adrenalina. Por um momento achei que seria linchado. Quase por um milagre, o grupo desistiu de mim e seguiu enfurecido na direção da polícia.
[caption id="attachment_66919" align="aligncenter" width="600"] Movimentação após o atentado contra o comício do HPD[/caption]
Ainda recebendo olhares de desaprovação, tomei uma rua lateral e roubei uma bandeira do HDP de um carro. Enrolei tampando metade do rosto para ficar parecido com os locais e também porque a essa altura uma grande nuvem de gás de pimenta sufocava a todos. Não bastasse todo o caos já existente, começou também uma guerra com a polícia - que atacava com canhões de água. Não havia um segundo que não fosse infernal, era todo o tempo correndo, desviando de paus, pedras ou grupos que carregavam mais feridos.
No final, após a multidão finalmente se dispersar, mas com a cidade ainda em ebulição e carros, ambulâncias e viaturas correndo por todos os lados, guardei a câmera, escondi meus cartões de memória no tênis e caminhei de volta até o hotel - onde fiz cópias das fotos em lugares diferentes e voltei a esconder as memórias. Pode parecer paranoia, mas meus contatos curdos haviam insistido em várias técnicas de segurança, aconselhando inclusive a apenas usar emails criptografados. O conflito e a instabilidade na região é tão grande que nunca se sabe o que pode acontecer e, assim como no Brasil, há várias histórias da polícia agindo não muito dentro da legalidade. Apesar de tão longe cultural e geograficamente, só torço para que o Brasil, nessa recente onda de polarização partidária, intolerância e raiva, não chegue neste ponto em que um comício político termina com quatro mortes e mais de cem feridos.
[caption id="attachment_66920" align="aligncenter" width="600"] Cena local momentos após o atentado[/caption]