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Estudantes ocupam instalações da Universidade de Amsterdã (UvA) desde 13 de fevereiro em protesto contra o plano de corte de verbas, fechamento de cursos e demissões anunciado pela direção da faculdade. Manifestações de alunos também se formam em inúmeras outras cidades do país
Por Daniel Mandur Thomaz, de Amsterdã
Um movimento autointitulado de Nova Universidade (De Niewe Universiteit) se espalhou rapidamente por universidades de toda a Holanda, reunindo professores, funcionários, movimentos sociais e diferentes organizações civis críticas ao processo de desmonte do Estado de bem-estar social no país, tornado política oficial a partir da declaração do rei Willem-Alexander em 2013, e que afeta diretamente o meio acadêmico por meio de corte de verbas e subsídios.
Após seguidas tentativas frustradas de interlocução com a reitoria, estudantes da Universidade de Amsterdã ocuparam o Bungenhuis, prédio histórico no centro da cidade onde ficam os departamentos de humanidades, uma vez que os cortes e reformas anunciados para 2016 afetam diretamente os cursos de ciências humanas. Os comitês estudantis, que em poucos dias receberam apoio de associações de funcionários, professores e movimentos sociais, alegam que as decisões foram tomadas pela administração de forma autoritária e sem qualquer participação da comunidade acadêmica, tendo como base critérios que ignoram aspectos educacionais e culturais que precisariam ser levados em conta quando a questão é a gestão universitária.
[caption id="attachment_60021" align="alignright" width="225"] As reivindicações, que se espalham rapidamente e ganham vulto nacional, exigem a democratização do ensino superior[/caption]
Os estudantes também protestam contra a venda do prédio Bungenhuis depois de uma negociação entre a universidade e um grupo de empreendimentos imobiliários chamado Aedes Real State. Após quase 10 dias de ocupação, e sob ameaças de prisão e multas contra os manifestantes (que podem chegar a 100 mil euros), o prédio foi invadido pela polícia e evacuado à força no dia 24 de fevereiro, o que levou à prisão de 43 estudantes que resistiram a ação. A isso seguiram-se protestos e uma grande manifestação no dia 26 de fevereiro, que culminou com a ocupação de outro prédio, o Maagdenhuis, onde funciona o centro administrativo da Universidade de Amsterdam.
No novo prédio ocupado, os estudantes e funcionários fazem assembleias para tomar decisões e negociar com a gestão, comitês de atuação são formados, professores dão aulas abertas sobre temas variados, ocorrem peças de teatro, exposições e intervenções artísticas, num processo de reapropriação e ressignificação daquele espaço.
“Queremos transformar o primeiro passo, que foi a ocupação, numa apropriação, numa reinvenção da universidade”, diz Heli Guido, estudante que é parte da organização da Nova Universidade. “Numa ocupação, somos obrigados a nos fechar, a nos proteger para evitar que a polícia invada o prédio e nos retire à força. O que estamos fazendo agora é diferente. Abrimos as portas do Maagdenhuis para a sociedade, temos uma agenda intensa de aulas e cursos inclusivos (chamados teach in) oferecidos por professores da universidade para todos que quiserem participar, temos também debates, apresentações de teatro e música. Enfim, o que estamos fazendo aqui é uma reapropriação do espaço público. Precisamos repensar a universidade”.
É interessante lembrar que esse mesmo prédio foi tomado em 1969, quando, a reboque dos eventos de maio de 1968, em Paris, estudantes holandeses ocuparam a universidade para protestar e exigir a democratização do ensino superior. Hoje, as reivindicações dos estudantes da Universidade de Amsterdam parecem ecoar por todo o país, e comitês da Nova Universidade se formam em inúmeras outras unidades de ensino superior holandesas, como em Utrecht, Leiden, Rotterdam, Groningen, Maastricht e Nijmegen, num processo que se espalha rapidamente e ganha vulto nacional.
[caption id="attachment_60020" align="alignleft" width="225"] Estudantes continuam ocupando o prédio Maagdenhuis[/caption]
Assim como em 1968 (e 1969 em Amsterdã), as reivindicações dos estudantes de hoje transbordam os muros da universidade e se juntam às vozes das ruas, movimentos sociais e outros grupos civis que resistem criticamente ao processo que está em andamento nos Países Baixos e em toda a Europa. Medidas neoliberais de privatização do espaço e de bens públicos (como a educação), em rápido curso desde os anos 1990, se aprofundam agora sob o rótulo da “austeridade econômica”, expressão que se tornou um instrumento retórico para tentar convencer a sociedade de que medidas que beneficiam empresas e o setor financeiro, em detrimento do interesse público, são profiláticas, como remédios amargos mais necessários, para conter os efeitos da crise de 2008.
Os estudantes holandeses não apenas recusam esse “remédio” como parecem dispostos a reescrever a receita. “As assembleias nos ensinam a nos organizar, dão voz a quem se acostumou a ser silenciado. Temos tido aqui uma experiência muito bonita de democracia direta. Queremos participar diretamente das decisões que nos afetam”, diz um membro da Nova Universidade.