Se fosse concluído um acordo entre os Estados Unidos e o Irã, poderiam de fato fazer muito juntos, política e militarmente, para reconquistar ao EI o noroeste do Iraque. Mas será que as respectivas linhas-duras vão permitir que isto aconteça?
Por Immanuel Wallerstein, no Esquerda.net
O Estado Islâmico (EI) está fazendo tudo para atingir o seu objetivo, claramente estabelecido, de criar um grande Califado, usando, para isso, e deliberadamente, a brutalidade extremada. Acha que essa brutalidade vai forçar outros a aceitar as suas exigências ou a sair de cena. Quase todos no Oriente Médio e além estão horrorizados e profundamente assustados com o sucesso obtido até agora pelo EI.
O que tornou tão difícil o avanço dos opositores do EI foi a sua incompreensão de que as suas próprias loucuras e prioridades erradas foram o que permitiu ao EI emergir e apresentar tal ameaça.
O EI alega que a sua atuação é motivada por princípios religiosos inscritos no Alcorão. E muito provavelmente os seus seguidores acreditam nisto, o que evidentemente torna quase impossível a negociação com eles, seja de que forma for. É isto que os faz diferentes dos antes chamados movimentos salafistas, que existem há algum tempo. A Al Qaeda, a Irmandade Muçulmana e os talibãs são movimentos que combinam militância com pragmatismo.
Hoje, os movimentos muçulmanos árabes mainstream, os governos dos Estados árabes, assim como as potências exteriores envolvidas na região (Estados Unidos, Europa ocidental, Rússia, Turquia, Irão) denunciam, todos, o EI. Contudo, acredita-se amplamente que o EI tem o apoio, ou pelo menos a neutralidade benevolente, dos muçulmanos sunitas no mundo islâmico, ou pelo menos dos mais jovens. Estas pessoas comuns estão indo para zonas controladas pelo EI em grande número. Pessoas envolvidas noutros movimentos salafistas estão transferindo o seu apoio ao EI.
De onde vem o impulso a esta nova atitude? Não é a lei sharia, que já existia muito antes. A lei sharia é meramente a cobertura para justificar as ações brutais. Evidentemente, quando adota uma cobertura religiosa como esta, endurece o compromisso. Mas o fator principal que sublinha este impulso é um sentimento de desesperança. Outros movimentos e estados – tanto seculares quanto salafistas – não conseguiram aliviar significativamente a opressão sentida por estes jovens muçulmanos. O EI oferece esperança. Talvez um dia os convertidos se desiludam, mas esse momento ainda não chegou.
Por que não pode então haver uma coligação dos que se opõem ao EI e às suas ameaças expansionistas? A resposta é muito simples. Todos têm outras prioridades. O governo egípcio combate em primeiro lugar a Irmandade Muçulmana. O governo saudita combate em primeiro lugar o Irã e qualquer um que ameace a sua pretensão de liderar os muçulmanos sunitas no Oriente Médio. Os qataris combatem antes de tudo o governo saudita. O governo do Bahrein dá prioridade a suprimir os xiitas, que são numericamente a vasta maioria. O governo iraniano luta em primeiro lugar contra todas as forças sunitas do Iraque. O governo turco luta antes de tudo contra o presidente sírio Bashar al-Assad. Os movimentos curdos lutam não só pela sua autonomia (ou independência) mas também uns contra os outros. Os governos russo e o dos EUA dão ambos prioridade às suas mútuas disputas. E os israelenses lutam em primeiro lugar contra o Irã e os palestinos. Digam um que ponha o combate ao EI no topo da sua lista.
Isto é uma absoluta loucura. Pode alguém romper este esquema irracional de falsas prioridades? Obviamente, existe uma premente necessidade de criar condições para que o cisma sunita-xiita seja suplantado por outro em que a minoria social de um dado Estado tenha direito de participação razoável no governo e razoável autonomia social. Se fosse concluído um acordo entre os Estados Unidos e o Irã, poderiam de fato fazer muito juntos, política e militarmente, para reconquistar ao EI o noroeste do Iraque. Mas será que as respectivas linhas-duras vão permitir que isto aconteça?
E, pode perguntar o leitor, quanto às ditaduras existentes? Não devíamos estar lutar contra elas? Na verdade, os esforços para o fazer como a grande prioridade, reforçou-as. Os temores criados pelo EI reduziram de muitas formas os direitos civis dos cidadãos e residentes nos Estados Unidos e na Europa ocidental. Há uma hipocrisia massiva sobre quais tiranos devem ser combatidos. De fato, cada um protege os tiranos que são seus aliados geopolíticos e denuncia os tiranos que não o são.
Já é mais que tempo de rever radicalmente as nossas prioridades. A probabilidade de o fazer, admito, parece pequena neste momento. Mas o fato é que não há outra escolha.
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