A tentação George Bush de François Hollande

Se Hollande quer ser Bush, é porque entende que pouco mais lhe resta. A Europa precisava de outra coisa, não deste triste afundamento. E de saber que nunca há uma resposta em democracia que seja reduzir a democracia, pois isso daria a vitória ao terror e ao medo

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Se Hollande quer ser Bush, é porque entende que pouco mais lhe resta. A Europa precisava de outra coisa, não deste triste afundamento. E de saber que nunca há uma resposta em democracia que seja reduzir a democracia, pois isso daria a vitória ao terror e ao medo Por Francisco Louçã, do Esquerda.net. Artigo publicado em blogues.publico.pt Com pouca discrição, a alma de alguns governantes franceses ressuscitou com a “hipótese Bush”: François Hollande, o mais impopular presidente da história das sondagens em França, conseguirá recuperar o controle eleitoral usando a maré da desgraça, como Georges Bush depois de 11 de setembro? Esse prognóstico só será avaliado no fim do jogo, como sempre. Mas ele é portador de uma política, e uma das mais perigosas, a vertigem autoritária. Quando um sinistro ataque à liberdade de imprensa na França demonstrou como a população sabe que um dos pilares da civilização é o direito de opinião, incluindo a crítica profana às religiões e o sarcasmo e humor em todos os azimutes, eis que a primeira resposta da equipe hollandista foi a que se esperaria de Manuel Valls: cuidado com a liberdade a mais, vigilância sobre a internet e desconfiança contra as pessoas. Em vez da defesa do Charlie Hebdo, um pouco mais de Big Brother. Logo em seguida, ao que dá conta a imprensa de anteontem [segunda-feira, 12 de janeiro de 2015], houve uma hesitação e, dizem alguns, um recuo, ao passo que outros escrevem o contrário. O PÚBLICO titula que a França não vai responder com medidas de exceção, mas o Le Monde assinala que esse debate atravessa o governo e não está resolvido e o El Pais anuncia medidas de exceção mesmo, “que podem reduzir as liberdades” em vários dos “grandes países da Europa”. Em qualquer dos casos, no próprio domingo das manifestações, já alguns ministros do Interior se reuniam em Paris (ninguém se lembrou de convidar a ministra portuguesa) para prepararem uma alteração dos Acordos de Schengen. Na próxima sexta-feira haverá a cimeira autêntica para tratar do assunto e despachar as novas regras (vê como é fácil mudar de uma penada um acordo europeu, afinal só o Tratado Orçamental é que é mesmo intocável?). Um eurodeputado do PSD, Carlos Coelho, atento, registrou que estas medidas são perigosas e ameaçadoras. Mas quem notará que elas são até o contrário do que a Europa prometia aos europeus e a quem vive no continente? Na verdade, isso não importa nada. Valls esperava ganhar votos no passado deportando jovens ciganos e os conselheiros de Hollande entendem agora que a resposta a esta crise é mesmo seguir as pegadas de Bush, discutindo-se ainda a forma de o fazer. O que é certo é que nunca a sociedade democrática e comunicativa esteve tão controlada como depois do 11 de setembro, e ainda não vimos a luz no fundo do túnel: o que era provisório passou a definitivo, a emergência passou a regra, os raptos ou as condenações sem julgamento foram legalizadas, a internet tornou-se um periscópio de agências de informação, os Snowden fogem para o exílio e as leis permitem regimes de exceção, a começar por limitações aos jornalistas. Agora, se tudo correr de feição para as autoridades europeias, pode ser pior. Se Hollande quer ser Bush, é porque entende que pouco mais lhe resta. Grandeza fátua, pois será que mais vale ser presidente por um mandato do que respeitado a vida toda? A Europa precisava de outra coisa, não deste triste afundamento. Precisava de projetos e de soluções. E de saber que nunca há uma resposta em democracia que seja reduzir a democracia, pois isso daria a vitória ao terror e ao medo. Reduzir os direitos de circulação das pessoas ou vigiar a internet são medidas que servem para amedrontar os inocentes e não para evitar os perigos. Há muitos “Charlies” na França, como se sentiu nas emocionantes manifestações de domingo. Mas vão ser precisos muitos mais, em França como na Europa. Foto: Jean-Marc Ayrault