Escrito en
GLOBAL
el
Contando com a presença de diversos líderes atuais e do passado, incluindo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a Comissão Global para Política de Drogas se reuniu em Nova Iorque para pedir uma mudança nas medidas punitivas e proibitivas que são o norte da fracassada guerra contra as drogas
Por April M. Short, em Alternet | Tradução: Vinicius Gomes
A guerra global contra as drogas é a razão de os EUA terem 25% da população carcerária do mundo, mesmo sendo 5% da população mundial. É a razão por milhões de pessoas na América Latina terem sido mortas ou desalojadas por poderosos e violentos cartéis. É a razão pela maconha continuar ilegal e demonizada, enquanto a ciência e o bom senso nos dizem que ela é mais segura do que o álcool e tem poderoso valor medicinal.
Existem muitas características perturbadoras sobre a guerra contra as drogas, mas o pior é, provavelmente, o fato de que depois de mais de 40 anos despejando enormes quantidades de dinheiro para criminalizá-las, a tática se mostrou ineficaz. O uso e a distribuição de drogas ilegais permanecem contínuas e crescentes no mundo. A guerra contra as drogas fracassou.
Por essa razão, líderes atuais e do passado de 20 países se reuniram na cidade de Nova Iorque na última terça-feira (9) para promover um novo relatório pedindo por mudanças na política global para as drogas e fazem parte da Comissão Global para Políticas de Drogas. Na longa lista estão o ex-secretário de estado dos EUA, George P. Shultz, o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan e ex-presidentes do Brasil, Suíça, Colômbia, Chile, Portugal, Polônia, Grécia e México. O relatório, chamado Tomando o Controle: caminhos para políticas de drogas que funcionam, pede pela descriminalização do uso e posse de todas as drogas e a legalização regulada do mercado de drogas consideradas ilícitas. Pede também que se priorize a saúde pública e os direitos humanos ao invés de batidas policiais e encarceramento.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro a falar na conferência, frisando o “enorme” desperdício de dinheiro e recursos que foram aplicados na fracassada guerra às drogas. Ele estimou os custos monetários em cerca de 100 bilhões de dólares anuais, enquanto as taxas de uso e comércio de drogas continuam estáveis.
“Na Colômbia, por exemplo, a quantidade de cocaína [produzida] é quase a mesma ao longo dos anos”, disse FHC. “Para cada chefão das drogas que é morto, diversos outros aparecem para tomarem seu lugar, pois o mercado é muito favorável.” Desde que se reuniram pela primeira vez em 2011, o trabalho da comissão criou um ambiente global para o debate, fazendo com que até mesmo alguns presidentes passassem a se manifestar contra a proibição das drogas. O presidente uruguaio José Pepe Mujica foi indicado para o Nobel da Paz por conta de sua decisão em legalizar a maconha no país como forma de combater os cartéis.
O primeiro relatório da comissão, há dois anos, tornou o debate sobre políticas de drogas um assunto global, mostrando cada vez mais a ineficácia da proibição. “Nós não podíamos imaginar a consequência, não pelo que fizemos, mas pelas transformações que ocorreram no mundo desde então”, afirmou o ex-presidente brasileiro. O novo relatório foi compilado para se antecipar à reunião de 2016 na ONU (Sessão Especial na Assembleia Geral sobre as Drogas) que irá reavaliar tanto as políticas globais de controle às drogas como políticas individuais de cada país.
Os autores do relatório apontam que a futura reunião é uma “oportunidade sem precedentes para revisar a redirecionar as políticas nacionais de controle das drogas no mundo”. Eles urgem para que os diplomatas da ONU considerem a saúde humana como prioritária no futuro das políticas de drogas:
“[...] O regime da ONU de controle global das drogas tem a ‘saúde e o bem estar da humanidade’ como seus maiores objetivos. Mas enormes quantidades de evidências apontam não apenas para o fracasso de tal regime em atingir tais objetivos, mas também para consequências terríveis das leis e políticas punitivas e proibitivas”.
O começo do relatório detalha o fracasso dessa guerra, que continua desperdiçando bilhões de dólares anualmente, criminalizando usuários de drogas e falhando em tratar a raiz da causa no abuso das drogas.
Abaixo estão seis exemplos do relatório que demonstram tal fracasso:
1. Um fracasso por conta própria:
A comunidade internacional está mais longe do que nunca em imaginar um “mundo livre das drogas”. A produção global, seu suprimento e uso continuam crescendo apesar do aumento nos recursos direcionados à aplicação da lei proibitiva.
2. Ameaça à segurança e saúde pública
Leis punitivas contra as drogas impulsionam o crime e maximizam os riscos à saúde associados ao uso das drogas, especialmente entre os mais vulneráveis. Isso acontece porque a produção, o envio e a venda das drogas estão nas mãos do crime organizado e os usuários são criminalizados, ao invés de receberem assistência.
3. Sabota os direitos humanos e promove a discriminação
Aplicações punitivas na política de drogas estão minando severamente os direitos humanos em todas as regiões do mundo. Elas também levam à erosão das liberdades civis e o padrão de julgamentos justos, à estigmatização de indivíduos e grupos – particularmente mulheres, jovens e minorias étnicas – e a imposição de punições abusivas e desumanas.
4. Impulsiona o crime e enriquece os criminosos
Ao invés de reduzi-lo, as políticas de drogas atuais servem como combustível para o crime. Gigantescas somas nos lucros da venda de drogas ilícitas servem como motivo para grupos criminosos entrarem no comércio e levam algumas pessoas que são dependentes das drogas a cometerem crimes para bancar o seu uso.
5. Mina o desenvolvimento e a segurança
Produtores criminosos e traficantes de drogas prosperam em regiões subdesenvolvidas, frágeis e afetadas por conflitos – onde as populações vulneráveis são facilmente exploradas. A corrupção, violência e instabilidade gerada pelo mercado não regulado das drogas são amplamente reconhecidas como uma ameaça tanto à segurança quanto ao desenvolvimento de tais regiões.
6. Desperdiça bilhões e atrapalha a economia
Dezenas de bilhões de dólares são gastos contra as drogas todos os anos. E enquanto são boas para a indústria de armas e segurança, existem desastrosos gastos secundários, tanto financeira quanto socialmente.
O relatório então lista experimentos em novas e mais humanas políticas de drogas que estão acontecendo no mundo e encoraja a ONU a usa-las como exemplos para novas políticas.
Sendo Portugal o melhor exemplo de uma bem sucedida mudança de política quanto às drogas, quando em 1991 descriminalizou o uso e a posse de todas as drogas. Ao invés de colocar os usuários na cadeia por seus vícios, o país oferece assistência médica de graça a qualquer um que tenha sido pego usando drogas ilegais. Sanções como multas podem servir em alguns casos, mas não o encarceramento. A nova política foi altamente eficaz e Portugal viu o uso de drogas, principalmente entre os jovens, cair.
A comissão global recomenda também:
- Colocar a saúde e a segurança da comunidade em primeiro lugar, e isso exige uma fundamental reorientação nas prioridades políticas e recursos, saindo do fracasso da punição para a comprovada intervenção social e na saúde.
- O fim da criminalização de pessoas por uso e posse de drogas – assim como o fim da imposição de “tratamento compulsório” de pessoas cujo único crime foi o uso ou posse de drogas.
- Focar em reduzir o poder de organizações criminosas assim como a violência e insegurança que resultam das competições entre si e contra o Estado.
- Aproveitar a oportunidade apresentada pela próxima reunião em 2016 na ONU para reformar a política global de políticas de drogas.
- Assegurar acesso igualitário a medicamentos essenciais, em particular a medicações para dor baseadas em ópio.
- Apostar em alternativas ao encarceramento de integrantes de baixo escalão e não violentos no mercado ilícito de drogas como cultivadores, aviõezinhos e outros envolvidos na produção, transporte e venda de drogas ilegais.
- Permitir e encorajar experiências diversificadas em regular legalmente o mercado das drogas atualmente ilegais, começando com – mas não se limitando – à maconha, folha de coca e algumas substâncias psicoativas.