Colonização por falência: a Argentina contra os abutres dos EUA

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O atual embate do governo argentino contra os fundos abutres norte-americanos é mais um capítulo da tentativa de megacapitalistas extorquirem um país até sua falência Com informações do Web of Debt Blog, por Ellen Brown| Tradução: Vinicius Gomes

"Se a Argentina estivesse em um jogo de xadrez de alto risco, as ações do país nesta semana seriam o equivalente a virar o tabuleiro, jogando as peças para o alto". David Dayen, Fiscal Times, 22 de agosto de 2014. 

A Argentina está jogando duro contra os fundos abutres norte-americanos que estão tentando jogar o país sul-americano em uma falência involuntária. Os abutres exigem receber um montante de até 600% em fundos que eles compraram anos atrás por centavos – derrotando assim um acordo de 2005. Uma corte norte-americana está apoiando as ações dos abutres, mas na semana passada o governo argentino colocou de lado sua jurisdição ao transferir a conta usada para o pagamento do Bank of New York Mellon, para o seu próprio banco central. Essa jogada, se for aprovada pelo congresso argentino, permitirá que o país continue a pagar os 92% de seus credores que aceitaram o acordo de renegociação da dívida, em 2005. A Argentina já está isolada dos mercados internacionais, então não teria muito a perder ao desafiar dessa maneira o sistema judiciário dos EUA. Movimentos audaciosos parecidos foram feitos pelo Equador e pela Islândia – o que deixou os países em melhor estado que a Grécia, que seguiu a cartilha dos financiadores internacionais. A reviravolta para a Argentina foi capturada pela presidente Cristina Kirchner, durante um discurso para a nação em 19 de agosto. Segurando as lágrimas, ela disse: “Quando se trata da soberania de nosso país e da convicção de que não podemos mais ser extorquidos e não podemos sofrer o peso de uma dívida novamente, nós emergimos como argentinos [...] Se eu assinasse o que eles têm tentado me fazer assinar, a bomba não iria explodir agora – talvez até ocorressem aplausos e maravilhosas manchetes nos jornais. No entanto, entraríamos em um ciclo infernal de dívida a qual estivemos sujeitos por tanto tempo". As profundas implicações desse infernal ciclo de débito foram exploradas pelo analista político Adrian Salbuchi, em artigo de 12 de agosto intitulado “Dívida soberana por território: uma nova estratégia de troca da elite global”. O analista sustenta que o território, no passado, era capturado por poderio militar, e hoje é feita uma anexação através da dívida. O plano, ainda em andamento, é levar os países a uma corte internacional de falências cujas decisões teriam força de lei por todo o mundo. A corte poderia fazer então com países exatamente o que as cortes norte-americanas de falência fazem com os negócios: vender seus bens, incluindo bens imobiliários. Territórios soberanos poderiam ser adquiridos como espólios da falência sem que qualquer tiro fosse disparado. Financiadores globais e megacorporações estão cada vez mais substituindo governos no palco internacional. Uma corte internacional de falência seria mais uma instituição a oferecer legalidade à pilhagem e permitiria que os credores forçassem uma nação à falência, onde seus territórios seriam involuntariamente vendidos da mesma maneira que os bens de corporações falidas. Para a Argentina, diz Salbuchi, o provável prêmio é a riquíssima região da Patagônia, um dos locais favoritos para expatriados. Quando a Argentina sofreu uma enorme moratória em 2001, a imprensa global, incluindo o Time e o New York Times, foram tão longe que propuseram que a Patagônia fosse cedida pela Argentina como um mecanismo de pagamento da dívida. Salbuchi aponta que ceder a Patagônia foi primeiramente sugerido por Theodor Herzl, em 1896, fundador do movimento sionista, como um segundo local para estabelecimento do movimento. Outro artigo, publicado em 2002, era de uma das gerentes internas do FMI, Anne Krueger, intitulado “Países como a Argentina deveriam ser capazes de declarar falência?”. Isso foi postado no sítio do FMI e propunha algumas “novas e criativas ideias” sobre o que fazer com a Argentina.  “A lição é clara: nós precisamos de melhores incentivos para trazer credores e devedores juntos, antes que problemas manejáveis se transformem em crises explosivas”, disse Krueger. E acrescentou também que o FMI acredita “que isso poderia ser aprendido com os regimes de falência corporativa como nos EUA”. No recente imbróglio da Argentina com os fundos abutres, Krueger e a mídia tradicional aparentaram sair em defesa da Argentina, recomendando restrições à corte norte-americana. Mas, de acordo com Salbuchi, isso não representa uma mudança política e  pode resultar exatamente no oposto. Salbuchi traça a crise da dívida argentina de volta à 1955, quando o presidente Juan Domingo Perón foi deposto em um golpe militar sangrento patrocinado por banqueiros britânicos e norte-americanos. Perón se tornou odiado por sua insistência em não endividar a Argentina com megabanqueiros: em 1946, ele rejeitou se unir ao FMI; em 1953, ele pagou por completo a dívida externa da Argentina. Então, uma vez que os megabanqueiros se livraram dele em 1956, jogaram a Argentina no FMI e criaram o “Clube de Paris”. O objetivo era maquinar décadas de dívida externa de países como a Argentina – algo que eles fazem até hoje.