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A comunidade internacional e os atores regionais deveriam resistir “jogar lenha na fogueira”, incentivando discórdia étnica e sectária, pois as fagulhas dessa fogueira certamente se espalharão para outros países
Por Shireen T. Hunter, em Lobelog | Tradução: Vinicius Gomes
Quando a União Soviética caiu em 1991, houve uma esperança de que seria removida a principal barreira para implantar os princípios resguardados na Carta das Nações Unidas e criar um sistema internacional baseado em leis. Assim, seria oferecida aos países, grandes e pequenos, a chance de melhorarem suas relações a partir de leis e princípios, e não na pura ambição por poder.
Talvez aqueles que cultivaram tais esperanças foram muito ingênuos e deixaram suas aspirações de futuro falar mais alto do que a experiência do passado. Qualquer que seja o caso, eles logo se curaram das ilusões por conta das sequência de eventos que se seguiu. Ao invés de guiar o mundo para uma nova ordem política mundial no século 21, o fim da URSS levou o mundo a reviver as políticas do século 19.
Aqueles que “venceram” a Guerra Fria passaram a sonhar com uma hegemonia global e a remodelar regiões de acordo com seu falho programa de democratização. O conceito de intervenção humanitária se tornou o veículo ideológico para essa nova era de intervenção global como as “missões civilizatórias” foram na era colonial. Ironicamente, aqueles que defendem esse tipo de intervenção se esquecem de supostas éticas cristãs em seus componentes humanitários, pois essas “éticas” eram muito brandas e não aprovavam o uso da força.
Após as calamitosas consequências dessa nova versão de velhas mentalidades, poderia se esperar que a sedução de políticas do século 19 – com suas tendências a dividir e conquistar, seriam derrotadas. Mas então alguns países menos poderosos passaram a sonhar com impérios e esferas de influência para atingirem seus objetivos, vide o projeto neo-otomano da Turquia, o califado sunita da Arábia Saudita e a miragem de um Crescente Xiita.
O último desenvolvimento seguindo essa lógica foi o desejo de um novo Acordo Sykes-Picot – em referência ao desenho franco-britânico em 1916 das fronteiras no Oriente Médio, sendo modificadas pela Conferência de San Remo, em 1920. O novo acordo iria, presumivelmente, redesenhar o mapa político do Oriente Médio e possivelmente partes do sul da Ásia, tendo como norte bases étnicas e sectárias – mais realistas do que as que existem atualmente. De fato, tais ideias surgiram depois de 2001 e tiveram eco em artigos como Fronteiras de Sangue, no qual mostrava países como Irã, Afeganistão e Paquistão podiam ser divididos em entidades mais homogêneas étnica e sectariamente.
Esses temas, no entanto, nunca foram seriamente perseguidos por qualquer governo até a explosão da guerra civil na Síria e as recentes crises no Iraque. Agora alguns países parecem encorajar ativamente a desintegração do Iraque, ou apoiando-a de forma secreta, enquanto oficialmente se opõem.
Ainda assim, esses países, a maioria os quais têm seus próprios problemas étnicos e minorias religiosas, não percebem que o desmembramento do Iraque provavelmente iria também encorajar que essa tendência se espalhasse por outros países vizinhos. Por exemplo, o governo turco do primeiro-ministro Recep Erdo?an acha que de alguma maneira a Turquia ficaria imune – supondo que um Curdistão independente no Iraque não teria impacto nos curdos da Turquia, mesmo que todas as probabilidades indiquem que o Curdistão iraquiano iria logo incorporar ao novo Estado outras áreas habitadas por curdos, principalmente pelos sonhos de um Grande Curdistão, acalentados pelo presidente da região, Masud Barzani.
Outra minoria a clamar pelo separatismo na Turquia, por exemplo, seriam os alauítas, caso ocorra uma desintegração da Síria. Eles poderiam encorajar outras minorias árabes na Turquia – que têm sobre pressão e discriminação no país – a se juntar ao novo Estado. Enquanto isso, um Estado xiita ao sul do Iraque, se tornaria um ímã para xiitas na Arábia Saudita e no Bahrein, onde são perseguidos.
O que é mais assustador é que esse processo de separação e realinhamento seria extremamente violento e brutal. Não haveria um acordo tranquilo de separação como na Tchecoslováquia, em 1993. Esse processo também iria levar os países envolvidos a um conflito. Além de o fato de também afetar e convocar ao confronto outros países fora da região, devido a importância internacional que os recursos de petróleo têm no mundo.
A comunidade internacional e os atores regionais deveriam resistir a “jogar lenha na fogueira” incentivando discórdia étnica e sectária, com segundas intenções de se beneficiarem de tal. Eles deveriam focar em arranjos realistas que resolvam as necessidades dos vários povos envolvidos, sem desmantelar todo o sistema vigente, pois as fagulhas dessa fogueira certamente se espalharão para outros países. Como diz o ditado, aqueles vivendo sob teto de vidro não deveriam jogar pedras.