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Ernesto Guevara havia chegado ao país para observar as reformas do governo progressista de esquerda de Jacob Arbenz, mas no final, acabou por descobrir a face do imperialismo dos EUA
Por David T. Rowlands, em Green Left Weekly | Tradução: Vinicius Gomes
Sessenta anos atrás, em junho de 1954, um golpe orquestrado pela CIA destituiu o governo reformista de Jacobo Arbenz Guzman na Guatemala. O golpe instalou um regime brutal de direita e décadas de repressão sangrenta.
Esse evento, tão notório nos anais do imperialismo norte-americano, foi chave para Guevara, pois foi nesse país da América Central, onde a viagem pela estrada dele terminou, que seus pensamentos iniciais sobre marxismo, anti-imperialismo e indígena, se fundiram em um dramático e galvanizador momento.
Isso transformou o jovem argentino de classe média estudante de medicina para um totalmente consciente revolucionário socialista que dedicou sua vida em libertar o Terceiro Mundo da dominação capitalista.
Por toda a sua vida, Guevara respondeu ao espetáculo da pobreza em massa – a qual ele conheceu primeiramente quando criança na Argentina – com um senso natural de simpatia pelos oprimidos. Essa habilidade em perceber e se incomodar com tal sofrimento foi uma conquista significante por si própria; muitos de seus companheiros latino-americanos de classe média viviam – e vivem – uma existência insular e autocentrada, deliberadamente “cegos” para as perturbadores realidades sociais.
Durante sua primeira e famosa viagem de motocicleta através do Chile e Peru com o amigo Alberto Granado, Guevara encontrou disparidades de riqueza e condições sociais que eram ainda mais graves do que na Argentina.
Sua postura durante esse periodo, como Jorge Castaneda observou em “Companheiro: a vida e morte de Che Guevara” foi de total compaixão pelas vítimas, mas ainda era uma resposta “fundamentalmente ética, desprovida de profundidade política”.
Os pensamentos de Guevara alcançaram a profundidade os quais ele ficaria posteriormente famoso na Guatemala. Ele ficou ali por oito meses e meio, “um tempo curto cronologicamente, mas eterno em termos ideológicos”, Castaneda escreveu.
Em outubro de 1953, ele partiu de barco do porto de Guayaquil no Equador para o Panamá com um pequeno grupo de pessoas. Por dois meses, Guevara viajou através da Costa Rica e Nicarágua, antes de chegar na Cidade de Guatemala na véspera de natal daquele ano.
Seu objetivo era testemunhar pessoalmente os esforços para a transformação social nas comunidades camponesas da Guatemala – um dos países mais desiguais da América Latina – sob o governo de esquerda de Arbenz.
Em 1951, Arbenz, um oficial militar progressista, vence uma das poucas eleições genuinamente democráticas da Guatemala. Sua política de reforma agrária desafiou o domínio da oligarquia local e toda-poderosa empresa norte-americana, a United Fruit Company. Sua luta por mudança progressista, no entanto, estava conquistando uma considerável admiração através da América Latina, assim como profunda hostilidade de Washington.
Na Guatemala, Guevara encontrou uma pequena república de três milhões de pessoas, em sua maioria de indigenas maias, e que tinha 70% de suas terras controladas por 2% de sua população, a maior parte deles de “blancos” descendentes de europeus. Tal injustiça socioeconômica não era novidade para Guevara. O que era diferente era o esforço sendo feito para mudar a situação
Apesar de a Guatemala não ter sido a primeira experiência de revolução social de Guevara, sua visita à Bolívia no ano anterior serviu como uma exposição inicial das possibilidades da mobilização em massa e como a intensidade do processo era completamente diferente de qualquer coisa que ele já havia visto antes. Guevara ficou cativado.
Ao contrário da Bolívia, onde o regime nacionalista revolucionário que havia chegado ao poder em 1952 estava procurando evitar qualquer confrontação direta com o capital norte-americano, o governo de Arbenz estava em conflito aberto com a United Fruit. Esse fato inevitavelmente colocou Arbenz em rota de colisão com o Departamento de Estado dos EUA e da CIA. A United Fruit era tão poderosa politicamente como era comercialmente.
O ambicioso programa de serviços públicos do novo regime exigia a expropriação de terra de poderosas mega-corporações. O governo também confiscou terras não aproveitadas para redistribuir entre os camponeses sem terra.
Em um nível social ainda maior, Arbenz estendeu os antes inimagináveis direitos aos trabalhadores guatemaltecos de negociar coletivamente e de realizar greves.
Apesar de não ter tido participação direta nesses eventos, Guevara foi profundamente influenciado por esse pano de fundo de luta por igualdade. Cada vez mais, ele reconheceu nisso como um modelo para o resto do continente, uma conclusão reforçada pelas companhias que ele teve na capital do país.
Foi ali, em meio à luta diária para sobreviver, que ele começou a se juntar com políticos de esquerda exilados, vindo de toda a América Latina, incluindo os revolucionários cubanos, exilados após a falha no ataque às Barricadas de Moncada, lideradas por Fidel Castro, em 1953.
Foram esses cubanos que primeiramente o cunharam com o apelido de “Che”, em referência ao coloquialismo argentino que ele geralmente usava – sendo, em uma tradução livre “companheiro”.
E foi na Cidade da Guatemala que Guevara iniciou seu relacionamento com a militante peruana Hilda Gadea, com quem ele se casaria no future. Gadea fez muito para transformar o socialismo latente e romântico de Guevara para um comprometimento mais concreto e ideologicamente definido ao marxismo.
Ao passo que 1954 progredia, uma crise no humor do país passou a prevalecer quando os ataques de desestabilização dos EUA começaram a acontecer. Em 18 de junho, um bando de mercenários oligárquicos, armados e comandados pela CIA entrou no país. Liderados pelo coronel Castillo Armas, eles eram apoiados por aeronaves norte-americanas bombardeavam áreas civis para espalhar o pânico e o terror.
Ao final do mês, Arbenz foi destituído do poder e em seu lugar entrou a ditadura do coronel Castillo Armas. As circunstâncias ao redor do colapso do regime de Arbenz foi o momento crucial para o desenvolvimento político de Guevara.
Apesar de alguns alegaram o contrário, aparentemente ele não tomou parte em nenhuma luta no país, entretanto, Guevara foi afetado pelo trauma coletivo dos guatemaltecos de uma maneira que mudaria para sempre seu psicológico.
Na Cidade de Guatemala, enquanto um governo democraticamente eleito foi destruído por uma intervenção militar dos EUA, a verdadeira natureza do relacionamento entre Washington e a América Latina ficou cravada de maneira irrevogável na mente de Guevara.
Enquanto as bombas norte-americanas – em nome da United Fruit – caíam no país e engolfavam uma nação inteira por uma onda fascista, Guevara passou a não ser mais apenas um observador. Ele agora sentia ser um participante da batalha pela emancipação da América Latina, o que, ele concluiu, deveria envolver uma luta armada em massa contra os regimes reacionários e fantoches dos EUA.
“Tenha sido consciente ou não”, observou Lucia Alvarez de Toledo em “A história de Che Guevara”, “a partir daí ele saiu em busca de um povo que estava pronto para pegar em armas, para que ele pudesse se juntar às suas causas”.
Em cartas enviadas para casa, ele descreve como “nós fomos traídos por fora e por dentro”, revelando a extensão de sua identificação com a causa.
Após descobrir que seu nome poderia estar na lista de assassinatos da CIA, Guevara buscou refúgio na embaixada da Argentina. Recusando a repatriação, ele então se mudou para a Cidade do México, onde ele procurou os cubanos exilados e o líder revolucionário Fidel Castro, de quem ele ouviu tanto falar.
A Guatemala, onde Che primeiramente chegou muito como um turista, foi a crisálida intelectual de onde o jovem viajante boêmio emergiu como um revolucionário dedicado.
Ele deu seu primeiro passo na estrada para a Revolução Cubana. Sua vida e as milhões de outras, seriam para sempre mudadas.