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A forma permissiva com que as autoridades dos principais países industrializados tratam a manipulação das taxas de juro demonstra às claras que a nova doutrina "demasiado grande para ser condenado" se aplica a grande escala
Por Eric Toussaint, do Esquerda.net
Em 2010, estala o escândalo da manipulação da Libor (siglas da sua denominação em inglês, London Interbank Offered Rate), realizada por um grupo de dezoito bancos durante o período 2005-2010. A Libor é a taxa de juro de referência para o cálculo das taxas num mercado que supõe 350 bilhões de dólares em ativos e derivados financeiros, e constitui a segunda taxa de referência mais importante do mundo após da taxa de câmbio em relação ao dólar. O seu valor determina-se a partir da informação prestada por dezoito bancos sobre os seus custos individuais de financiamento nos mercados interbancários. Em 2012, obtiveram-se provas de que existiu um conluio entre grandes bancos como o UBS, Barclays, Rabobank (Holanda) e o Royal Bank of Scotland para manipular a Libor segundo os seus interesses.
Embora seja verdadeiro que as autoridades de controle abriram expedientes sancionadores em todos os cantos do mundo (Estados Unidos, Reino Unido, o resto da União Europeia, Canadá, Japão, Austrália, Hong Kong), até o momento não se iniciou nenhum procedimento penal contra os bancos e as multas impostas são de um montante ridículo se comparadas com a magnitude da manipulação em causa 1. Ainda não se deram por encerrados todos os procedimentos em curso. Grosso modo, até ao presente momento, as multas pagas atingem perto de 10 bilhões de dólares. Além disso, a parte paga por cada um dos bancos é mínima em comparação com o dano causado. Vários quadros diretivos dos bancos demitiram-se em resultado do escândalo. É o caso do Barclays (segundo banco britânico) e do Rabobank (segundo banco da Holanda). Outra consequência foi a demissão de dezenas de agentes de negociação ("trader" na terminologia inglesa). No entanto, e isto é o mais importante, não foi retirado de nenhum banco o direito a operar nos mercados nos quais atuaram como um bando organizado, e nenhum dos seus dirigentes acabou atrás das grades.
Apesar de os bancos em questão terem reconhecido as acusações de manipulação e, consequentemente, terem aceito as sanções impostas pela Justiça britânica, a norte americana procedeu de forma escandalosa no momento de ditar a sentença. A 29 de março de 2013, Naomi Buchwald, juíza do distrito em Nova York, isentou os bancos implicados no escândalo de toda a responsabilidade legal para com as pessoas ou as instituições afetadas pela manipulação da Libor 2. Para proteger os bancos de possíveis ações judiciais por conluio e práticas monopolistas elaborou uma fundamentação segundo a qual o cálculo da Libor não está sujeito à legislação sobre a concorrência. Por isso, a partir desse momento, os bancos podem chegar a acordo para fixar o valor da taxa de juro sem que isso suponha uma infração da legislação anti monopólio dos Estados Unidos. Dado que a determinação das taxas nos swap, bem como nos swap de risco de incumprimento ("CDs" em inglês) era similar (ou seja, calculando a média das taxas notificadas pelos participantes), esta sentença representa um perigoso precedente, já que abre a porta a que as grandes instituições financeiras manipulem os preços e as taxas diretoras que regem o funcionamento dos mercados financeiros mundiais.
Em março de 2014, o escândalo da Libor ressurgiu nos Estados Unidos: o fundo de garantia de depósitos interpôs uma ação contra mais de uma dúzia de grandes bancos (JP Morgan, Citigroup, Bank of America, UBS, Crédit Suisse, HSBC, Royal Bank of Scotland, Lloyds, Barclays, Société Générale, Deutsche Bank, Royal Bank of Canada, Bank of Tóquio-Mitsubishi UFJ,...) 3. Está por ver se, tal como aconteceu com o processo precedente, tudo termina com o arquivamento do caso. Também é possível, desde logo, que termine com uma multa mas sem condenação.
Voltando ao caso da Libor, a Comissão Europeia, por sua vez, impôs multas num valor total de 1.700 milhões de euros a oito bancos depois de os ter acusado de terem estabelecido um cartel que manipulou o mercado de derivados 4. Quatro bancos coligaram-se para manipular a taxa dos derivados relacionados com o mercado cambial do euro enquanto outros seis manipulavam o conjunto das taxas dos derivados relacionados com o iene. Uma vez mais, aplica-se a lógica de não condenar.
Além disso, como os bancos acederam a pagar a multa, reduziu-se a sua quantia em 10%. Os bancos multados são: JP Morgan e Citigroup (primeiro e terceiro banco dos EUA respetivamente), Deutsche Bank (primeiro banco alemão), Société Générale (terceiro banco francês), Royal Bank of Scotland (terceiro banco britânico), e RP Martin. Dois bancos, em concreto UBS (o primeiro banco suíço) e Barclays (o segundo banco britânico), livraram-se da sanção por terem denunciado o cartel.
Em geral, voltamos ao sistema das indulgências: “Pague para redimir os seus pecados e poderá permanecer no paraíso das finanças. Retrate-se das suas faltas e denuncie os outros ladrões, assim obterá dispensa e não será obrigado a pagar as indulgências, perdão, as multas”.
Na Austrália, as autoridades deram mais uma viravolta à farsa: limitaram-se a advertir o BNP Paribas por uma conduta potencialmente ilícita (em inglês, literalmente, "potential misconduct") relacionada com as taxas de juro interbancárias de 2007 a 2010. O BNP Paribas despediu agentes de negociação ("traders") e declarou que faria uma doação de um milhão de dólares australianos para fomentar a literatura financeira 5. Que generosidade! Mas quem é que querem enganar?
Conclusão: Há que pôr ponto final aos mercados não regulados e proibir a especulação e os produtos derivados. Os bancos devem contratar seguros clássicos para cobrir os riscos associados às taxas de juro.
Artigo publicado em http://cadtm.org/Los-grandes-bancos-y-la
Tradução para o espanhol: Fernando Lasarte Prieto e Verónica Lasarte Prieto
Restantes artigos da série "Os bancos e a doutrina «demasiado grandes para serem condenados” publicados pelo Esquerda.net:
1ª Parte: Os bancos e a nova doutrina «Too Big to Jail»
2ª Parte: Estados Unidos: Os abusos dos bancos no setor imobiliário e as ações de despejo ilegais
3ª Parte: Os barões da banca e da droga
4ª Parte: HSBC: Um banco com um passado esmagador e um presente sulfuroso
1 Matt Taibbi, “Everything is rigged: The biggest price fixing scandal ever”, 25 de abril 2013,http://www.rollingstone.com/politic... Ler também http://en.wikipedia.org/wiki/Libor_...
2 The Wall Street Journal, “Judge dismisses antitrust claims in LIBOR suits”, 29 de março 2013,http://online.wsj.com/article/SB100...
3 AFP, “Le scandale du Libor rebondit aux Etats-Unis”, 14 de março 2014, http://www.rtbf.be/info/economie/de...?
4 Comissão Europeia, “Antitrust: Commission fines banks € 1.71 billion for participating in cartels in the interest rate derivatives industry”, comunicado de imprensa de 4 de dezembro de 2013, http://europa.eu/rapid/press-releas...
5 Financial Times, “BNP Paribas sacks staff for interbank rate-fixing attempt”, 29 de janeiro de 2014.
Foto de capa: Elliott Brown/Flickr