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Uma aliança da sociedade civil pede ao Conselho de Direitos Humanos da ONU que comece a redigir em junho um acordo vinculante para pôr fim aos abusos de empresas transnacionais
Por Carey L. Biron, em Envolverde/IPS
Mais de 500 organizações internacionais pedem que os governos iniciem, em junho, a redação de um tratado internacional que puna as empresas transnacionais que violam os direitos humanos, em apoio a uma proposta apresentada pelo Equador e por outros países. No dia 7 deste mês, uma rede mundial da sociedade civil conhecida como Treaty Alliance (Aliança pelo Tratado), pediu aos países membros do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) que apoiem, no próximo mês, uma resolução para que seja redigido um acordo vinculante que garanta a prestação de contas e os mecanismos de reparação das vítimas de abusos cometidos por empresas.
O Conselho realizará sua 26ª sessão entre 9 e 27 de junho, em Genebra. A declaração conjunta da Aliança destaca “a necessidade de melhorar o contexto jurídico internacional, com inclusão de soluções internacionais, aplicável à ação estatal para proteger os direitos no marco de operações comerciais, e tendo presente a urgente necessidade de garantir o acesso a justiça, remédios e reparação das vítimas de abusos das empresas no tocante aos direitos humanos”.
A declaração, assinada por mais de 150 organizações e representando outras centenas mais, também pede aos Estados que trabalhem por um acordo vinculante que “afirme a aplicação das obrigações de direitos humanos nas operações das empresas transnacionais e outras firmas comerciais”. Além disso, exige dos Estados que “estabeleçam a responsabilidade legal das empresas por atos ou omissões que violem os direitos humanos”. A aliança da sociedade civil também pede que seja criado um organismo supranacional que supervisione a aplicação do tratado.
“Já é hora de existir um sistema de normas vinculantes que considere legalmente responsáveis as empresas por violações dos direitos humanos”, afirmou a IPS David Pred, diretor-gerente da Inclusive Development International, uma das organizações da Aliança pelo Tratado. “As empresas transnacionais agiram ao seu modo por muito tempo, assassinando, literalmente, mas, em lugar de detê-las, nossos governos cedem ainda mais poder a elas, por intermédio de acordos de livre comércio e tratados de investimento”, pontuou.
“Apoiamos essa solicitação porque acreditamos que não existe maior ameaça para os direitos humanos e a democracia no mundo de hoje do que o poder empresarial sem controle”, ressaltou Pred. As vozes que pedem um contexto internacional mais rigoroso para as empresas são ouvidas há décadas. Esse movimento teve um êxito parcial quando, em 2011, o Conselho aprovou os Princípios Reitores da ONU sobre as Empresas e os Direitos Humanos.
“Não há meios para garantir o cumprimento dos Princípios Reitores, e o que vemos desde 2011 é que sua aplicação não funcionou como barreira para frear as violações dos direitos humanos cometidas pelas transnacionais”, disse à IPS o pesquisador associado do Trasnational Institute, Gonzalo Berrón, organizador da Aliança pelo Tratado. “Não estamos dizendo que os Princípios Reitores não são aplicados, trata-se de um processo paralelo, mas acreditamos que quanto antes começarmos a discutir um código vinculante melhor será, e agora temos a oportunidade de avançar”, acrescentou.
“Antes víamos que a mobilização ocorria entre as comunidades afetadas e certas organizações não governamentais, mas pela primeira vez vemos esta enorme aliança. É algo novo no cenário mundial”, ressaltou Berrón. Este impulso remonta à 24ª sessão do Conselho, quando um grupo de 85 países apontou em uma declaração conjunta que os Princípios Reitores são “apenas uma resposta parcial” e enfatizaram “a necessidade de avançar para um contexto juridicamente vinculante que regule o trabalho das transnacionais”.
Foi a primeira vez que o tema foi aberto por Estados membros da ONU, ressaltaram defensores do tratado. “Esse impulso se deve à vontade dos representantes de muitos países, em muitas regiões, e não de agências da ONU, o que tem maior sentido democrático e importância, dentro e fora” do fórum mundial, apontou Dominic Renfrey, da Rede Internacional para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Os Estados ocupam cadeiras no Conselho por períodos de três anos. A formação atual dos 47 membros poderia ser uma vantagem para os partidários do tratado, acrescentou.
“Nesse momento vários membros do Conselho de Direitos Humanos entendem melhor do que a maioria o impacto que tem em sua população o desenvolvimento mal regulado”, destacou Renfrey. “Esses Estados se beneficiarão de um sistema internacional que protegerá melhor os direitos humanos de seus povos, ao mesmo tempo em que garante uma forma mais sustentável e respeitosa de investimento”, ressaltou. Ainda assim, nem todos apoiam a ideia de um tratado.
“Embora acompanhemos de perto esses acontecimentos, nos centramos nos grandes vazios que existem para garantir que os governos cumpram seu dever de proteger os direitos humanos”, explicou à IPS o diretor da International Corporate Accountability Roundtable (Mesa-Redonda para a Responsabilidade Empresarial), Amol Mehra. “Esses vazios podem ser preenchidos em grande parte com a regulamentação das empresas para evitar potenciais violações de direitos humanos, tanto no âmbito nacional quanto internacional, e por meio de firmes medidas corretivas, incluindo vias legais de prestação de contas quando ocorrerem danos”, destacou.
A figura principal por trás dos Princípios Reitores da ONU pediu precaução. John Ruggie, relator especial da ONU sobre empresas e direitos humanos, acredita que o problema reside, em parte, no fato de as questões relativas às obrigações das empresas serem extremamente amplas para um único tratado. Ele afirmou há alguns dias que há 80 mil empresas multinacionais, e milhões de subsidiárias, e que supervisionar o cumprimento do tratado superaria a capacidade da maioria dos governos. Qualquer organismo supracional que se criar geraria as mesmas inquietudes.
Os problemas fundamentais da aplicação do tratado se exacerbariam pela reticência dos Estados em julgar crimes cometidos fora de seu território. Esse é um problema importante já que os tratados são documentos adotados por consenso, ressaltou Ruggie. Para que agregue valores, “as normas de aplicação do tratado teriam que trazer consigo uma jurisdição extraterritorial”, acrescentou.
“Alguns órgãos de tratados de direitos humanos da ONU pediram aos Estados de origem das multinacionais que proporcionem maior proteção extraterritorial contra os abusos relacionados com as empresas. Porém, a conduta dos Estados deixa claro que não considera que essa jurisdição seja um meio aceitável para processar violações a toda gama de direitos humanos reconhecidos internacionalmente”, enfatizou Ruggie