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Como no início da I Guerra, dois países avançam para uma colisão com o aumento do orçamento militar japonês e o poderio nuclear chinês
Por John Feffer, em Envolverde/IPS
[caption id="attachment_41276" align="alignleft" width="300"] Soldados ingleses em uma trincheira durante a Primeira Guerra Mundial.
Foto: Domínio público[/caption] No ano do centenário do início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Europa está em paz. Não há grandes disputas fronteiriças. Os países integram um bloco econômico unificado em lugar de alianças rivais. Mas seus fantasmas rondam de longe Japão e China. Nos últimos 70 anos, o único conflito armado na Europa ocorreu durante a desintegração da Iugoslávia, na década de 1990. Na Sarajevo atual, onde começou a Primeira Guerra Mundial, com o assassinato do arquiduque Francisco Fernando e cujos habitantes sofreram um assédio brutal, tudo está tranquilo. Não ocorre o mesmo na Ásia. O primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, comparou recentemente o conflito emergente entre seu país e a China com a relação anglo-alemã de 1914. Nos dois casos, ambos países mantiveram relações econômicas, inclusive enquanto fortaleciam suas forças armadas. A relação comercial entre Grã-Bretanha e Alemanha não impediu a catastrófica guerra. Japão e China têm uma longa história de conflitos. No século 13, os mongóis da China tentaram invadir o Japão em duas ocasiões e foram derrotados em ambas pelos camicases e apelos “ventos divinos” de dois tufões. No final do século 16, o Japão invadiu a Coreia, com o olhar voltado para a conquista da China, mas, finalmente, teve que se retirar. Na era moderna, os dois países foram à guerra em 1894. Durou nove meses e o Japão tomou Taiwan como troféu de guerra. Foi o começo da ascensão imperial japonesa. Mais tarde anexaria a Coreia, expandiria sua influência na China durante a Primeira Guerra Mundial, se apoderaria da Manchúria e tomaria as principais cidades chinesas no período anterior à Segundo Guerra Mundial (1939-1945). Os historiadores asiáticos citam com frequência o provérbio chinês “dois tigres não podem compartilhar uma montanha” para analisar a luta pelo domínio entre Japão e China nos últimos mil anos. Em sua maior parte, os dois tigres compartilharam o domínio regional. O primeiro-ministro japonês expressou sua grande preocupação pelo gasto militar chinês. Pequim aumentou seu orçamento de defesa em dois dígitos anuais nos últimos 20 anos, e é o segundo país do mundo, atrás dos Estados Unidos, que mais gasta com suas forças armadas. Washington gasta cerca de quatro vezes mais. O Japão ocupa o quinto lugar no gasto militar por país. O governo de Abe anunciou este mês aumento de 5% no orçamento militar japonês nos próximos cinco anos. A faísca que desencadearia uma reedição de 1914 na Ásia é o conflito atual por um pequeno arquipélago das ilhas desabitadas no Mar da China Oriental, chamado Senkaku, em japonês, e Diaoyu, em chinês, que ocupam apenas sete quilômetros quadrados. Tóquio controla atualmente o território e sua soberania sobre as ilhas remonta à derrota da China em 1895. Mas Pequim afirma que o arquipélago era parte de seu domínio antes desse ano. Taiwan também reclama sua soberania. As ilhas são menos importantes do que o Mar à sua volta. A Japão e China interessa principalmente a pesca, o potencial petroleiro sob suas águas e o controle das rotas de navegação. Em 2008, os dois países negociaram um acordo sobre a exploração conjunta de petróleo ao redor das ilhas, mas não chegaram a aplicá-lo. Houve colisões no Mar, como a de 2010, entre um pesqueiro chinês e um barco-patrulha japonês, e Tóquio ameaçou derrubar aviões não tripulados chineses que se aproximassem das ilhas. A alusão histórica a 1914 é preocupante em outro sentido. A Europa, antes da Primeira Guerra, desfrutou de quase um século de rivalidade latente como parte do Concerto da Europa, que regulava as relações entre os impérios na esteira da derrota de Napoleão (1815). A disputa entre China e Japão ocorre de maneira semelhante dentro de um equilíbrio de poder que se mantém no nordeste da Ásia, mais ou menos, desde o final da Guerra da Coreia (1950-1953). Na disputa, China e Coreia do Norte aparecem como aliados incômodos, junto com a participação ocasional da Rússia, diante da aliança entre Japão, Coreia do Sul e Estados Unidos. A Primeira Guerra se intensificou rapidamente porque as obrigações das alianças empurraram as grandes potências para uma guerra. Os Estados Unidos mantêm o compromisso de aliar-se ao Japão em caso de um choque com a China pelas ilhas Senkaku/Diaoyu. Abe deu todos os indícios de que não retrocederá nesse tema. Cultiva a imagem de um nacionalista orgulhoso. Semeou essa reputação em seu país e provocou seus vizinhos com a visita, em 26 de dezembro, ao santuário Yasukuni, onde são honradas as almas de 14 criminosos de guerra. Abe se comprometeu a rever a “constituição da paz” de seu país e a restaurar uma verdadeira capacidade ofensiva das Forças de Autodefesa japonesas. Também impulsionou uma lei para estabelecer um Conselho de Segurança Nacional e controlar com maior rigor a dissidência interna. Este nacionalismo segue junto com a estratégia de segurança dos Estados Unidos, sem opor-se a ela. A visita de Yasukuni e o discurso mais duro contra a China não caíram bem em Washington, mas Abe, em outros aspectos, empreendeu uma ofensiva de sedução em relação ao seu principal aliado. O aumento do orçamento militar inclui a compra de 28 aviões de combate F-35 e dois destróieres equipados com sistemas Aegis. Uma promessa cuidadosamente calibrada de investimento econômico em Okinawa acabou com a oposição do governador local à construção de uma nova base militar norte-americana na ilha, que é um ponto de atrito importante nas relações entre os dois países. Há, de todo modo, muitas razões pelas quais 1914 não seria uma analogia adequada para a situação atual no nordeste da Ásia. O equilíbrio da região, ao contrário do que ocorria na Europa há cem anos, não está ameaçado por impérios em decadência. A presença de armas nucleares é um obstáculo para a escalada e também uma garantia de que a guerra total teria consequências mundiais imediatas. E a experiência da Primeira Guerra assegura que nenhum líder nacional possa pretender que o próximo conflito será a “guerra que acabará com todas as guerras”. Mas as guerras não são assuntos racionais. China e Japão avançam para uma colisão. Se não encontrarem uma maneira de dar marcha à ré e manter as aparências, nem o conhecimento histórico nem o comércio mútuo evitarão que a Ásia se encaminhe para a loucura
Foto: Domínio público[/caption] No ano do centenário do início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Europa está em paz. Não há grandes disputas fronteiriças. Os países integram um bloco econômico unificado em lugar de alianças rivais. Mas seus fantasmas rondam de longe Japão e China. Nos últimos 70 anos, o único conflito armado na Europa ocorreu durante a desintegração da Iugoslávia, na década de 1990. Na Sarajevo atual, onde começou a Primeira Guerra Mundial, com o assassinato do arquiduque Francisco Fernando e cujos habitantes sofreram um assédio brutal, tudo está tranquilo. Não ocorre o mesmo na Ásia. O primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, comparou recentemente o conflito emergente entre seu país e a China com a relação anglo-alemã de 1914. Nos dois casos, ambos países mantiveram relações econômicas, inclusive enquanto fortaleciam suas forças armadas. A relação comercial entre Grã-Bretanha e Alemanha não impediu a catastrófica guerra. Japão e China têm uma longa história de conflitos. No século 13, os mongóis da China tentaram invadir o Japão em duas ocasiões e foram derrotados em ambas pelos camicases e apelos “ventos divinos” de dois tufões. No final do século 16, o Japão invadiu a Coreia, com o olhar voltado para a conquista da China, mas, finalmente, teve que se retirar. Na era moderna, os dois países foram à guerra em 1894. Durou nove meses e o Japão tomou Taiwan como troféu de guerra. Foi o começo da ascensão imperial japonesa. Mais tarde anexaria a Coreia, expandiria sua influência na China durante a Primeira Guerra Mundial, se apoderaria da Manchúria e tomaria as principais cidades chinesas no período anterior à Segundo Guerra Mundial (1939-1945). Os historiadores asiáticos citam com frequência o provérbio chinês “dois tigres não podem compartilhar uma montanha” para analisar a luta pelo domínio entre Japão e China nos últimos mil anos. Em sua maior parte, os dois tigres compartilharam o domínio regional. O primeiro-ministro japonês expressou sua grande preocupação pelo gasto militar chinês. Pequim aumentou seu orçamento de defesa em dois dígitos anuais nos últimos 20 anos, e é o segundo país do mundo, atrás dos Estados Unidos, que mais gasta com suas forças armadas. Washington gasta cerca de quatro vezes mais. O Japão ocupa o quinto lugar no gasto militar por país. O governo de Abe anunciou este mês aumento de 5% no orçamento militar japonês nos próximos cinco anos. A faísca que desencadearia uma reedição de 1914 na Ásia é o conflito atual por um pequeno arquipélago das ilhas desabitadas no Mar da China Oriental, chamado Senkaku, em japonês, e Diaoyu, em chinês, que ocupam apenas sete quilômetros quadrados. Tóquio controla atualmente o território e sua soberania sobre as ilhas remonta à derrota da China em 1895. Mas Pequim afirma que o arquipélago era parte de seu domínio antes desse ano. Taiwan também reclama sua soberania. As ilhas são menos importantes do que o Mar à sua volta. A Japão e China interessa principalmente a pesca, o potencial petroleiro sob suas águas e o controle das rotas de navegação. Em 2008, os dois países negociaram um acordo sobre a exploração conjunta de petróleo ao redor das ilhas, mas não chegaram a aplicá-lo. Houve colisões no Mar, como a de 2010, entre um pesqueiro chinês e um barco-patrulha japonês, e Tóquio ameaçou derrubar aviões não tripulados chineses que se aproximassem das ilhas. A alusão histórica a 1914 é preocupante em outro sentido. A Europa, antes da Primeira Guerra, desfrutou de quase um século de rivalidade latente como parte do Concerto da Europa, que regulava as relações entre os impérios na esteira da derrota de Napoleão (1815). A disputa entre China e Japão ocorre de maneira semelhante dentro de um equilíbrio de poder que se mantém no nordeste da Ásia, mais ou menos, desde o final da Guerra da Coreia (1950-1953). Na disputa, China e Coreia do Norte aparecem como aliados incômodos, junto com a participação ocasional da Rússia, diante da aliança entre Japão, Coreia do Sul e Estados Unidos. A Primeira Guerra se intensificou rapidamente porque as obrigações das alianças empurraram as grandes potências para uma guerra. Os Estados Unidos mantêm o compromisso de aliar-se ao Japão em caso de um choque com a China pelas ilhas Senkaku/Diaoyu. Abe deu todos os indícios de que não retrocederá nesse tema. Cultiva a imagem de um nacionalista orgulhoso. Semeou essa reputação em seu país e provocou seus vizinhos com a visita, em 26 de dezembro, ao santuário Yasukuni, onde são honradas as almas de 14 criminosos de guerra. Abe se comprometeu a rever a “constituição da paz” de seu país e a restaurar uma verdadeira capacidade ofensiva das Forças de Autodefesa japonesas. Também impulsionou uma lei para estabelecer um Conselho de Segurança Nacional e controlar com maior rigor a dissidência interna. Este nacionalismo segue junto com a estratégia de segurança dos Estados Unidos, sem opor-se a ela. A visita de Yasukuni e o discurso mais duro contra a China não caíram bem em Washington, mas Abe, em outros aspectos, empreendeu uma ofensiva de sedução em relação ao seu principal aliado. O aumento do orçamento militar inclui a compra de 28 aviões de combate F-35 e dois destróieres equipados com sistemas Aegis. Uma promessa cuidadosamente calibrada de investimento econômico em Okinawa acabou com a oposição do governador local à construção de uma nova base militar norte-americana na ilha, que é um ponto de atrito importante nas relações entre os dois países. Há, de todo modo, muitas razões pelas quais 1914 não seria uma analogia adequada para a situação atual no nordeste da Ásia. O equilíbrio da região, ao contrário do que ocorria na Europa há cem anos, não está ameaçado por impérios em decadência. A presença de armas nucleares é um obstáculo para a escalada e também uma garantia de que a guerra total teria consequências mundiais imediatas. E a experiência da Primeira Guerra assegura que nenhum líder nacional possa pretender que o próximo conflito será a “guerra que acabará com todas as guerras”. Mas as guerras não são assuntos racionais. China e Japão avançam para uma colisão. Se não encontrarem uma maneira de dar marcha à ré e manter as aparências, nem o conhecimento histórico nem o comércio mútuo evitarão que a Ásia se encaminhe para a loucura