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Os tratamentos mais eficazes para o ebola podem ter sido aplicado naqueles de pele branca
Por Kwei Quartey, em Foreign Policy in Focus | Tradução: Vinicius Gomes
Os profissionais da saúde Nancy Writebol, Kent Brantly, Craig Spencer e Rick Sacra, assim como o cameraman da NBC Ashoka Mupko, foram beneficiários da sofisticação médica do sistema hospitalar dos Estados Unidos.
Todos eles contraíram o ebola no oeste da África e sobreviveram para contar suas histórias, saindo do hospital livres do vírus e aparecendo incrivelmente saudáveis. Eles tiveram a vantagem de um rápido diagnóstico e uma pronta evacuação para o principal centro de isolamento dos EUA e, em alguns casos, tratamento com soros convalescentes e a droga experimental ZMapp.
Essa história é bem diferente da de outras vítimas do ebola.
Martin Salia era o diretor médico do hospital Kissy United Methodist, em Serra Leoa e seu único médico em tempo integral. Fazendo parte do extremamente pequeno grupo de profissionais médicos nesse país – apenas 136 para uma população de 6 milhões de pessoas – Salia era uma rara espécie de médico capaz de tratar qualquer coisa, desde machucados ortopédicos até infarto do miocárdio.
Salia, que era profundamente religioso, acreditava que sua missão era ajudar as pessoas de Serra Leoa, onde o ebola continua a proliferar. Apesar de não estar trabalhando em um centro de tratamento ao ebola, Salia pode muito ter sido exposto à doença através de cirurgias em pacientes infectados. Quando Salia ficou doente, no início de novembro, seu teste de ebola deu negativo. Três dias depois, outro teste teve como resultado positivo. Mas ao contrário dos outros norte-americanos Writebol, Branly, Spencer, Sacra e Mupko – todos brancos, Salia não foi prontamente transferido para os EUA.
Ele começou a receber soro convalescente em Serra Leoa e levou cinco dias até que fosse enviado para um centro de isolamento para o tratamento do ebola aos EUA – com uma demora de sete dias a mais de seus colegas brancos. Parece claro que os atrasos nos diagnósticos e no tratamento de Salia, resultou em uma deterioração de sua saúde além do ponto de recuperação. Quando ele chegou nos EUA, em 15 de novembro, ele já não poderia ser mais salvo.
Mas um caso de ebola ainda pior envolveu um médico africano, a quem o tratamento foi deliberadamente atrasado. Sheik Umar Khan, um especialista em febre hemorrágica de Serra Leoa, foi diagnosticado com ebola em julho e então admitido em um centro de tratamento na cidade de Kailahun. A equipe médica dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) e da Organização Mundial de Saúde, que cuidou de Khan afirmaram “terem agonizado por toda a noite” se administrava ou não o ZMapp. No final, sem discutir com Khan, eles decidiram que não. “O que eles realmente não queriam era matar o Dr. Khan tentando curá-lo”, disse Armand Sprecher, um especialista em saúde pública da MSF.
Mas certamente, a questão que deveria ser feita é: e se eles tivessem curado Khan? Sprecher, que esteve envolvido na busca de remédios para os MSF, ofereceu posteriormente uma das mais absurdas desculpas para um médico: de que o nível de contaminação de Khan era tão alto que o remédio “provavelmente não funcionaria”.
Então, qual é a resposta certa: a equipe achava que o ZMapp não faria nada por Khan ou que iria mata-lo? Pois não podem ser as duas.
Khan morreu alguns dias depois e o mesmo ZMapp que lhe foi negado, foi então enviado para a Libéria e aplicada em Writebol e Brantly, que se recuperaram admiravelmente (apesar de não ser possível afirmar o quanto o ZMapp contribui para suas sobrevivências). Além disso, oficiais espanhóis confirmaram que eles também obtiveram um suprimento de ZMapp para um terceiro paciente – um padre espanhol de 75 anos que morreu após ser evacuado da Libéria para Madri.
Na história, agora infame, do liberiano Thomas Erick Duncan – que morreu em um hospital do Texas depois de contrair ebola na Libéria – o sobrinho de Duncan, Josephus Weeks, levantou a possibilidade de que a questão racial pesou na decisão de enviar um homem doente para casa. Questões éticas similares surgiram também a respeito de que o tratamento das vítimas de ebola está sendo estratificado no critério de origem nacional, tornando “algumas pessoas mais iguais do que as outras”.
Os médicos que cuidaram desses pacientes negariam que qualquer decisão foi tomada, conscientemente, usando critério racial nos tratamentos. Isso, todavia, é exatamente o problema. A questão racial entre médicos é, na maioria das vezes, inconsciente, o que significa que precisamos considerar cuidadosamente se nossas decisões médicas refletem “dois pesos, duas medidas” no tratamento de nossos pacientes – infectados por ebola ou não.
Foto de Capa: Fpif