As eleições acirradas nos dois países mostram que quando as sociedades melhoram, elas se tornam mais exigentes
Por Diana Cariboni, em IPS/Envolverde
O exame ao qual se submeteu a esquerda no Brasil e no Uruguai, no dia 26, mostrou resultados que demonstram que o anunciado refluxo da onda progressista no Cone Sul latino-americano é, no momento errado. A presidente Dilma Rousseff, do governante Partido dos Trabalhadores (PT), venceu, com 51,64% dos votos, o candidato Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que ficou com 48,36%.
No Uruguai, o desenlace da eleição presidencial terá que esperar pelo segundo turno, no dia 30 de novembro. Mas a governante Frente Ampla (FA) obteve 47,9% dos votos, o que lhe garante maioria parlamentar e coloca como favorito seu candidato, o ex-presidente Tabaré Vázquez (2005-2010), frente a Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional (PN), que conseguiu 30,9%.
Contudo, as eleições nos dois países foram acirradas, mostrando que “quando as sociedades melhoram, se tornam mais exigentes”, afirmou à IPS o historiador e analista político Gerardo Caetano. Para o vice-presidente do Uruguai, Danilo Astori, indicado para ministro da Economia se Vázques vencer em novembro, “estes governos francamente diferentes dos do passado colheram resultados notáveis entre 2003 e 2014”.
Além do crescimento, “apareceram governos que fizeram as coisas com ordem, deixando no passado desequilíbrios formidáveis de déficit fiscal, inflação e endividamento”, além de perseguir um claro “combate à pobreza, que baixou muitíssimo”, destacou Astori à IPS.
No Brasil, com o PT governando desde 2003, 40 milhões de pessoas saíram da pobreza e a desigualdade retrocedeu pela primeira vez em décadas. Também foram notáveis as políticas de inclusão educativa. O Uruguai, onde a FA governa desde 2005, se mostra como o país da região que melhor distribui a riqueza, o de menor indigência e o segundo com menor pobreza da região, segundo o Panorama Social 2013, da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
Pablo Gentili, secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais e Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, disse à IPS que as eleições nos dois países se constituíram em “um plebiscito sobre a continuidade de reformas voltadas à construção de espaços de justiça social, oportunidades e igualdade para os mais pobres”.
Mas, segundo Caetano, na política contemporânea é mais previsível que “governos de sucesso percam eleições”, mesmo sem crise econômica e com indicadores bastante favoráveis, mas “com problemas e o desgaste de uma década de gestão, como ocorre com a FA no Uruguai.
Esse desgaste se vê nos magros resultados das medidas contra a delinquência ou para frear uma deterioração educacional de décadas. Além disso, ficaram guardadas as promessas eleitoras do atual governo de José Mujica, que não esteve isento de denúncias de corrupção. Sobre essas fraquezas afirma-se o opositor Lacalle Pou, que, no entanto, não deixa de insistir em afirmar que “manterá o que está bem”, mas com maior “eficiência”.
“Para trás não se vai, se vai para a frente”, afirmou à IPS seu braço direito, o deputado Álvaro Delgado, em referência às acusações de voltar às políticas neoliberais que impulsionou o pai do atual candidato, Luis Ablerto Lacalle (1990-1995). “Em matéria de políticas sociais, não falamos de gasto, mas de investimento, e estamos pensando em ampliá-las para setores muito vulneráveis, como os 200 mil uruguaios que vivem em favelas. Nosso plano propõe erradicá-los em dez anos”, acrescentou.
O mapa eleitoral uruguaio evidencia um país dividido em metades, mas a que se inclina pelos tradicionais e centro-direitistas PN e Partido Colorado continua sendo menor do que a que adere à FA – ao contrário do que indicavam as pesquisas – e com um pequeno crescimento de grupos menores de centro-esquerda e inclusive da esquerda radical, que pela primeira vez chega ao parlamento.
No Brasil, a economia mostra fraquezas e se multiplicam as demandas sobre assuntos tão diversos como violência, transporte público, saúde, educação, infraestrutura e energia, enquanto a corrupção continua sendo um problema maior. Os protestos sociais de 2013 indicam que, em 12 anos de governo do PT, “a sociedade brasileira não só se tornou mais demandante como também mais mobilizada”, pontuou Caetano. Gentili acrescentou que o próximo governo de Dilma Rousseff “terá que revisar muitas coisas, e essas mobilizações ajudam a marcar prioridades”. No discurso que fez ao ser conhecida sua vitória, Dilma Rousseff afirmou que será sua prioridade lutar contra a corrupção e reformar o sistema político-eleitoral, dois problemas estreitamente vinculados. “O voto no Brasil é no candidato, não no partido”, apontou Gentili, por isso as propostas, se existem, estão dirigidas ao setor ou ao interesse de cada candidato. Isso gera uma enorme corrupção. “Muitos candidatos nada propõem” e chegam ao Congresso para “vender seu voto” em troca de leis, cargos ou simplesmente dinheiro, detalhou Gentili. Entretanto, as perspectivas de avançar nestes aspectos são magras, porque o PT não terá maioria parlamentar, ressaltou. O Brasil é a principal potência econômica latino-americana e os rumos que marca em matéria de geopolítica, integração e comércio repercutem em toda a região. Dilma Rousseff “não abandonará o Mercosul, nem sua raiz sul-americana, nem sua aposta no bloco Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul). Uma estratégia sul-americana sem o Brasil é inconcebível” e por isso o resultado eleitoral foi tão decisivo, afirmou Caetano. Astori considera que “a vitória de Dilma dará novo impulso ao projeto integrado, que tem dificuldades”, e acrescentou que, “para nós, é impensável prescindir do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela), mas também é necessário superar os problemas. E a reeleição da presidente ajudará”. Um possível terceiro governo do FA no Uruguai reforçará a política de “regionalismo aberto”, lutando por uma flexibilização dentro do Mercosul, que permita “contemplar os vizinhos quando se veem na necessidade de aplicar medidas protecionistas, mas, como contrapartida, ter seu acordo para fazer negociações fora da região”, segundo Astori. Estas podem ser “acordos bloco a bloco, como o que está sendo discutido com a União Europeia, até multiplicidade de membros”, se este país obtém o aval do Mercosul para unir-se a outros acordos, acrescentou o vice-presidente. Ele considera desejável que “se flexibilize ou reformule a resolução 32” (que impede os membros de negociarem unilateralmente acordos comerciais com terceiros) e para isso “é preciso convencer a todos”. Também o PN buscaria esta saída. “Vamos convocar o Conselho do Mercado Comum para rediscutir a resolução 32”, disse Delgado. Para Caetano, “o statu quo do Mercosul não é viável. A questão é se se muda dentro do bloco ou contra ele”. No mundo, “o bilateralismo está ganhando do multilateralismo. E isto tem muito a ver com o eixo estratégico dos próximos anos”, ressaltou. Além disso, “a América do Sul não pode estar alheia à guerra comercial que travará o Acordo Transpacífico contra a China”, que já é o primeiro sócio comercial de quase todos os países da região, incluídos Brasil e Uruguai. Por outro lado, “a China mantém o mesmo enfoque neocolonial dos Estados Unidos e da Europa: compra matérias-primas e vende manufaturas”, segundo Caetano. Nesta conjuntura, insistiu, “não há lugar para um Mercosul que não funcione”. Por sua vez, Gentili destacou a importância da aposta brasileira no Brics e no Mercosul, apesar de “serem iniciativas muito precárias”. Embora ao Mercosul “falte muito”, se os países negociarem com terceiros em separado, “perderão”, sobretudo os menores, alertou.