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Um dos maiores destinos do tráfico humano, a Espanha conta com a ação das organizações não-governamentais para combater máfia e assistir mulheres que invariavelmente sofrem de exploração sexual
Por Inés Benítez, em Envolverde/IPS
Málaga, Espanha, 7/1/2014 – María veio do Paraguai para a Espanha para trabalhar como faxineira em um hotel, mas era um engano e acabou em um clube de programa obrigada a se prostituir. Uma noite contou sua história a um cliente que, impressionado, contratou seus serviços durante dias até que lhe conseguiu um emprego longe e depois se casou com ela.
Parece o roteiro de um filme com final feliz, mas é um caso real e recente, que foi contado à IPS pela trabalhadora social Felicia Carmen Marecos, do Consulado Geral do Paraguai na cidade de Málaga. É uma de tantas histórias de mulheres que buscavam fugir da pobreza e caíram nas redes do tráfico de pessoas.
[caption id="attachment_39028" align="alignleft" width="300"] Foto: Penúltima Zona[/caption]
A maioria das vítimas do tráfico com fins de exploração sexual identificada na Espanha procedem de Brasil, China, Nigéria, Paraguai e Romênia, segundo fontes policiais, que estimam em 12 mil as potenciais afetadas e em cinco milhões de euros (US$ 6 milhões) o ganho diário das máfias desse crime no país.
María (nome fictício), veio para a Espanha incentivada por sua irmã, que já vivia em Madri e fazia parte do engano. As mulheres forçadas a exercer a prostituição costumam ser atraídas com ajuda de familiares, amigos ou conhecidos. Contudo, a jovem se atreveu a denunciar seu caso.
É difícil às mulheres fazerem isso, “porque são coagidas desde seus países de origem”, disse à IPS a especialista em migrações e tráfico de seres humanos do Coletivo Caminhando Fronteiras, Helena Maleno. Muitas não falam espanhol, são ameaçadas, endividadas, ignoram que há ajudas, carecem de documentação e temem a polícia. Além disso, “não costumam se reconhecerem como vítimas”, pontuou Paula Mandillo, trabalhadora social da organização Mulher Emancipada, de Málaga, que em 2012 ajudou mais de uma centena de mulheres, sobretudo nigerianas e romenas.
O primeiro informe da Comissão Europeia sobre tráfico humano na Europa, publicado pela Eurostat em abril de 2013, cifra em 23.632 as vítimas entre 2008 e 2010, com crescimento de 18% durante o triênio. Do total, 15% são meninas e meninos. Em 62% dos casos, essas pessoas, na maioria mulheres, foram atraídas para serem exploradas sexualmente, em 25% para exploração trabalhista e em 14% para outros tipos, como retirada de órgãos.
Em 2010, a Espanha foi o segundo país da União Europeia (UE) com mais vítimas do tráfico de pessoas, depois da Itália, segundo o estudo. As organizações da Rede Espanhola Contra o Tráfico de Pessoas cobram uma lei integral contra esse crime, que penalize todas suas formas e não só a destinada à exploração sexual. Também querem um enfoque de direitos humanos porque, afirmam, “prioriza um tratamento puramente criminal ou centrado na prevenção e perseguição do crime, bem como no controle da migração”.
Um exemplo é o caso de uma estrangeira que foi violada e, quando denunciou o crime em uma delegacia de uma localidade costeira de Málaga, foi detida e expulsa por sua situação irregular, contaram à IPS fontes da Equipe de Atenção ao Imigrante da Guarda Civil desta província da Andaluzia. Uma jovem romena de 24 anos, multada várias vezes pela polícia por exercer a prostituição nas ruas de Barcelona, se suicidou em 23 de setembro e só então se soube que fora vítima de uma rede que desde 2000 explorou sexualmente 200 mulheres, e que o cafetão era seu próprio marido.
“Para sensibilizar a sociedade sobre o que ocorre, deve-se ter claro que tráfico não é prostituição nem imigração irregular, mas que há imigrantes irregulares e pessoas em exploração sexual que são vítimas do tráfico”, destacou Maleno. Se as autoridades espanholas encontram indícios de que uma mulher em situação irregular é vítima de tráfico devem informá-la de que tem direito a 30 dias de restabelecimento e reflexão.
Nesse prazo são suspensos os expedientes de expulsão, contam com assessoria de uma organização especializada e decidem se denunciam e colaboram com as autoridades policiais e judiciais na investigação do crime. Neste caso, podem ter acesso à permissão de residência, segundo estabelece uma reforma de 2009 da Lei de Estrangeiros. “É um problema a persecução do crime se basear na denúncia da vítima. Embora não denuncie, deve-se proteger seus direitos humanos”, e isso passa por não serem expulsas para seus países de origem, onde suas vidas podem correr perigo, pontuou Maleno.
Muitas nigerianas atraídas por essas redes fazem o caminho desde seu país a pé pelo deserto, grávidas e com filhos, até o Marrocos, onde embarcam em balsas para o litoral espanhol. “O período de 30 dias de restabelecimento é o mínimo diante do que sofrem”, disse a ativista da Caminhando Fronteiras. Em países como a Noruega, esse período é de seis meses e as ONGs participam da identificação de vítimas, acrescentou Maleno.
O tráfico de pessoas foi tipificado como crime no Código Penal espanhol apenas em dezembro de 2010, com penas entre cinco e dez anos de prisão. Os quatro casos que desde então já têm sentença firmada foram resolvidos com a condenação para os dez implicados, disse à IPS a especialista em tráfico humano Marta González, coordenadora do Projeto Esperança, da católica Congregação das Adoratrices.
Segundo Maleno, na Espanha há um “grande problema” com as vítimas do tráfico para exploração sexual procedentes da Romênia, porque sua migração é regular, já que o país é membro da UE. Por isso “não entram no circuito de proteção que estabelece o protocolo contra o tráfico” e têm uma grande mobilidade dentro do país e do território europeu, ressaltou.
As máfias usam bebês, seja para passar mulheres subsaarianas para território espanhol ou para coagi-las, quando exercem a prostituição forçada, alertou Maleno. Até o ano passado, quando chegava uma balsa à costa, as autoridades não identificavam os bebês. Mas agora começaram a colher suas impressões digitais e, de maneira mais incipiente, a realizar teste de DNA em mulheres e crianças em pontos de controle de fronteira, para verificar se são mãe e filhos, acrescentou.
Em setembro, o governo concedeu asilo, pela primeira vez, a uma mulher vítima de uma rede de exploração sexual, uma nigeriana mãe de uma menina de três anos que chegara de balsa no final de 2010 e decidiu enfrentar a máfia que a traficou.