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François Hollande dá a impressão de não ser nem de direita, nem de esquerda. Essa ambivalência cobre de sombra os atos positivos do trabalho governamental e valem-lhe massivas campanhas de desprestígio na internet
Por Eduardo Febbro. Tradução de Katarina Peixoto para Carta Maior
Alguns sentem saudades do ex-presidente conservador Nicolas Sarkozy, 40%, outros detestam o presente do socialista François Hollande, 64%. Nenhuma palavra, nenhuma ação modifica o rumo da rejeição massiva de que é objeto o presidente eleito em maio do ano passado. Hollande é considerado um mau presidente e apenas 21% da população considera a sua ação positiva. As sondagens negativas acumulam-se juntamente com as cifras adversas do déficit público, do desemprego, do crescimento estagnado e do poder aquisitivo congelado.
Frente à rudeza da crise, a França tem nostalgia do seu antigo chefe de Estado. A adrenalina destruidora de Sarkozy convence mais do que a inteligência, a lentidão pedagógica e o reformismo moderado de François Hollande, O presidente é hoje o mais impopular de toda a história da quinta República e nada consegue inverter a curva de queda. Esta semana, François Hollande concedeu uma extensa entrevista na televisão francesa e a única coisa que conseguiu foi ampliar a rejeição: 68% dos franceses consideraram que ele não foi convincente.
O chefe de Estado arrasta a sombra das suas próprias contradições e não faz mais do que acentuar essa imagem de indefinição que os seus adversários apontam. Na entrevista, François Hollande disse: “agora não sou mais um presidente socialista, mas sim o presidente de todos os franceses”. A frase é de uma ambiguidade destruidora. Renúncia aos ideais? Recuo tático? Posicionamento para a direita? Um enigma que se agrega aos enigmas de uma ação governamental que está longe, muito longe, de ter cumprido com as promessas e as expectativas suscitadas pela sua campanha eleitoral.
Uma vez no poder, o socialismo francês fez o mesmo de sempre e chegou mesmo a imitar a direita: correu para o centro, procurou acalmar o apetite dos mercados numa Europa onde sempre manda o credo liberal da Alemanha, prometeu um arsenal de medidas para simplificar as normas destinadas às empresas e, desde cedo, adotou um histórico plano de austeridade e de controle dos gastos acompanhado por uma política fiscal que fez dos ricos e das empresas a sua principal fonte de recursos. Durante a sua intervenção na televisão, o presidente deu nome à sua doutrina: já não se chama esquerda socialista ou outra coisa do gênero, mas sim “uma caixa de ferramentas” para resolver a crise. Numa coluna, o jornal Libération perguntava há alguns dias: Hollande ainda pode ser chamado de esquerda?
François Hollande dá a impressão de não ser nem de direita, nem de esquerda. Essa ambivalência cobre de sombra os atos positivos do trabalho governamental e valem-lhe massivas campanhas de desprestígio na internet: “stop Hollande” ou “presidente catástrofe” são os temos que mais circulam na rede quando se trata do presidente. Quanto postulou a sua candidatura para enfrentar Sarkozy, o então candidato Hollande apresentou-se como um homem “normal” ante à exuberância sarkozysta. Essa normalidade é agora o seu pior atributo. Acusam-no de ser lento, de não assumir os desafios, de carecer de política visível, de não ter o timão do país nas mãos e de ter renunciado a mudar a sociedade pela esquerda. Hollande é um reformista moderado ao qual falta potência e lirismo para acalmar uma sociedade que, a cada dia, bebe na fonte da crise. O socialismo de Hollande dá sempre a impressão de andar numa carroça enquanto o país vive pressionado pela velocidade da crise. As suas medidas parecem sempre chegar depois, do mesmo modo que a pedagogia que as acompanha.
Os editorialistas reconhecem que a França é um país muito exigente com os seus presidentes. Esperam dele que seja, ao mesmo tempo, um pai autoritário e compreensivo, um homem de ação e de reflexão, um mago e um matemático. O semanário Le Nouvel Observateur escreveu na sua última edição: “Na França, o presidente deve ser um personagem de novela: as alegações razoáveis não são aceitas. Os franceses são ambíguos: querem coisas concretas e também líricas; querem contar e também sonhar. Querem Sancho Pança e também Dom Quixote”.
François Hollande não cumpre esses requisitos e a inconsolável França despedaça-o. Com uma pedagogia paciente, o presidente explica que a sua linha não mudará: reformista, realista e de um pragmatismo que não deixa lugar para o sonho ou as mentiras líricas com que Nicolas Sarkozy acostumou a sociedade. Sarkozy drogava o país com grandes missas cheias de miragens. Hollande recorre à explicação razoável, ao hiper-realismo. Um mentia demasiadamente, o outro perde-se em um excesso de razoabilidade. Isso põe o país diante do paredão dos sacrifícios, da austeridade e da missão sem salvação de cumprir com o dever imposto pelo guardião liberal da União Europeia. Até se pode dizer que Hollande é um homem razoável e que a sociedade que ele preside não o é.
O governo aprovou um aumento considerável dos impostos cujo custo recaiu sobre os mais ricos. Ao mesmo tempo decidiu aplicar cortes drásticos nos gastos para baixar o défice. A direita exige que ele baixe os impostos, aumente a desregulamentação e suprima os subsídios sociais. A esquerda da esquerda quer mais aumento de impostos para as empresas e os ricos, recusar uma parte da dívida e reativar a economia com uma intervenção massiva do Estado. François Hollande não consegue unir o país em torno de um projeto comum. Os sacrifícios, sem sonhos que os acompanhem, são muito difíceis de digerir. Não há escapatória ao sarcófago liberal que dita os destinos: déficits zero, sonhos zero, perspetivas zero, além da obediência disciplinada e tecnocrática que o liberalismo europeu impõe àqueles que integram esse grande espaço que a cada dia se esvazia mais dos seus enunciados humanistas.