Qual esquerda? Os dois tipos de esquerda na Europa

Há dois tipos de esquerda na França e na Europa, que não são apenas diferentes, mas irreconciliáveis. Uma esquerda oficial e uma esquerda radical

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Há dois tipos de esquerda na França e na Europa, que não são apenas diferentes, mas irreconciliáveis. Uma esquerda oficial e uma esquerda radical Por Michael Löwy, na Carta Maior Há dois tipos de esquerda na França e na Europa, que não são apenas diferentes, mas irreconciliáveis. A primeira é a esquerda oficial, institucional, representada por certos governos de centro-esquerda – na França, por exemplo – e pelos grandes partidos de centro esquerda. Quer esses governos e partidos sejam "honestos" ( ?) ou corrompidos, partidários do "crescimento" ou da "austeridade", social-liberais ou neoliberais, eles não representam mais do que variantes da mesma política, a do sistema. Como seus adversários de centro-direita – com os quais frequentemente governam em (Grécia, Alemanha, Itália) – sua política é a do capitalismo globalizado. Uma política que perpetua e agrava as desigualdades, que perpetua e acelera a destruição do meio ambiente, que conduziu à presente crise econômica e que conduzirá, em algumas décadas, a uma catástrofe ecológica. [caption id="attachment_38787" align="aligncenter" width="384"] Para Löwy , "o ponto de partido dessa outra política de esquerda é a "'indignação'"(Reprodução)[/caption] Mas existe também outra concepção de esquerda : aquela da esquerda radical. "Esquerda" significa aqui combate permanente contra a desigualdade, a injustiça, a dominação, em defesa da criação de uma comunidade política livre e igualitária. O ponto de partido dessa outra política de esquerda é a "indignação". Celebrando a dignidade da indignação e a incondicional recusa da injustiça, Daniel Bensaïd escreveu : "A corrente fervente da indignação não é solúvel nas águas mornas da resignação consensual. (...) A indignação é um começo. Uma maneira de se erguer e se por a caminho. Nós nos indignamos, nos insurgimos, e depois vemos o que fazer" (1) Sem indignação nada de grande, de profundo, se fez na história humana. Para dar um exemplo recente, o movimento zapatista de Chiapas, México, começou em 1994 com um grito: Basta ! Mas o mesmo vale para a Primavera Árabe, para a revolta dos Indignados na Espanha e na Grécia, para o movimento Occupy Wall Street, para as jornadas de junho no Brasil. A força desses movimentos vem, em primeiro lugar, desta negatividade radical, inspirada por uma profunda e irredutível indignação. Se o pequeno panfleto de Stéphane Hessel, "Indignez-vous !", teve tanto sucesso é porque ele correspondia ao sentimento profundo, imediato, de milhões de jovens, de excluídos e oprimidos pela mundo. A radicalidade dessas revoltas resulta, em larga medida, dessa capacidade de insubmissão, dessa disposição inegociável a dizer : Não ! Os críticos oportunistas e os meios de comunicação insistem fortemente no caráter excessivamente "negativo" desses movimentos, em sua natureza "puramente" contestatória e na ausência de proposições alternativas "realistas". É preciso recusar categoricamente essa chantagem : mesmo que esses movimentos não tenham uma proposição a fazer – e eles têm ! -, sua indignação e revolta não serão menos justificáveis. O outro ingrediente da esquerda, no melhor sentido – ou seja, plebeu - do termo, é a utopia. O sociólogo Karl Mannheim cunhou uma definição "clássica" de utopia, que ainda hoje é a mais pertinente que temos : todas as representações, aspirações ou imagens de desejo, que se orientam na direção da ruptura da ordem estabelecida e exercem uma « função subversiva » (2). Sem indignação e sem utopia, sem revolta e sem isso que Ernest Bloch chamava de "paisagens do desejo", sem imagens de um outro mundo, de uma nova sociedade, mais justa e mais solidária, a política de esquerda torna-se mesquinha, vazia de sentido e oca. Notas (1) D. Bensaïd,  Les irréductibles.  Théorèmes de la résistance à l’air du temps,   Paris, Textuel,  2001,   p. 106. (2) K.Mannheim,  Ideologie und Utopie,  1929,  Francfort,  Verlag G.Schulte-Bulmke,  1969,  pp. 36,  170.